Acordei hoje com a sensação de que preciso confessar. Mas não há pecado novo que mereça isso; e os velhos já foram todos
confessados. Minha confissão na verdade nem é uma “confissããão”, é mais um reconhecimento. Algum leitor ou leitora
mais impaciente já deve estar com vontade de perguntar “que reconhecimento é esse? Fala logo, porra!”
E eu digo agora: eu sou chato, muito chato,
chato pra caralho! Aqui cabe uma observação: se fosse no início do blog eu jamais
escreveria “pra caralho”; talvez escrevesse “pra caramba” “tremendamente” ou “pra kawaka” (genial criação de algum
publicitário inspirado), mas “pra caralho” não. E se escrevesse ficaria bege,
ocre, cor de doce de leite de vergonha, nunca vermelho, porque eu não sou de esquerda, sou
de centro. Mas acho que me perdi no meio de tantas explicações, parênteses,
aspas e vírgulas (são meus vícios de linguagem, entende?)
Como estava dizendo, reconheço que sou chato
pra kawaka, pois sou do contra. Você fala “A” e eu digo que o certo é “B”. E
nesse beabá acaba indo um dicionário inteiro, uma chatura de dar (des)gosto.
Falando em dicionário, qual é a palavra correta para me definir? “Chatura” ou “chatice”?
Na dúvida, vamos ficar com “mala sem alça”.
Porque por ter a desagradável mania de pensar
por conta própria (seguindo o ensinamento do Millôr Fernandes, de que “livre pensar é só pensar”) eu acabo
sendo uma espécie de “advogado do diabo”. Que foi, minha senhora? Não, eu não
sou advogado nem acredito que “ele” exista. Aliás, há tantas coisas que não
existem e que foram inventadas ou manipuladas só como instrumento de controle
dos ingênuos!
“Comunismo”, por exemplo. Até onde me lembro,
desde os governos do Collor, do Itamar, do FHC, do Lula I, Lula II, Dilma e
Temer raramente se ouvia falar nessa palavra. Mas bastou alguém de extrema,
extrema direita ser eleito para que essa palavra voltasse à toda para o
vocabulário das redes sociais. E o motivo eu vou contar para a senhora, só para
a senhora:
O que muitos pais fazem para controlar
crianças pequenas? Colocam medo nelas! Falam de bruxas, fantasmas, assombrações, etc. E os menininhos e menininhas (especialmente aqueles
que não abandonaram o uso de fralda) cagam de medo e ficam quietinhos, paralisados.
O comunismo é uma espécie de Freddy Krueger ideológico, ou um daqueles
espantalhos que aparecem em desenhos animados, só para espantar as aves que
querem comer as espigas de milho
Ah, a senhora não acredita no que estou
dizendo, né? OK. Mas desconfio de que compartilha tudo que recebe pelo whatsapp
com suas amigas e filhos. A senhora não tem filhos? Mas é casada, talvez.
Separada? Huum, eu sempre desconfiei da indissolubilidade do matrimônio!
Aliás, essa coisa de família é um troço
complicado. Como diz uma conhecida, “família
só é bom em retrato na parede”. Mas ela é um pouco chata; chata e
barraqueira, pois às vezes briga até com a sombra. Eu sou chato, reafirmo isso,
mas não sou barraqueiro. Como sou um pobre elitista, não gosto de fazer
barracos: o que eu curto mesmo são mansões, resorts, suítes master e afins. A
senhora também gosta? Claro, todo mundo gosta. E se houver um companheiro ou
companheira na jogada, melhor ainda.
Eu sou casado com a mulher da minha vida há
mais de 45 anos. Pois é, dá muito trabalho, mas vale a pena (principalmente se a alma não é pequena, como disse o
poeta). Tem gente como eu que se casa com o amor de sua vida e, pasme, continua
casada ainda que seu ou sua companheira seja do mesmo sexo que ele ou ela.
A senhora acha isso uma pouca vergonha? Não, não é. Conheço um casal de mulheres, que estão juntas há mais de 30 anos. Mas, permita-me perguntar: a senhora não acha que pouca vergonha mesmo é um
bando de idiotas pedindo intervenção militar pelo simples fato de não concordar
com o resultado das eleições?
Lá vem a senhora de novo com “comunismo”! Não,
eu não sou comunista. Para dizer a verdade, eu de-tes-to o comunismo! Mas
também detesto qualquer governo ou regime autoritário, pouco importando se ele
é de direita ou de esquerda. Se a senhora se lembrar das aulas de história
geral talvez entenda meu ponto de vista: lembrando a Grécia antiga, eu sempre admirei mais a democrática Atenas e sempre olhei com desconfiança sua militarizada rival
Esparta. Entendeu? Não? Ok, deixa pra lá.
Engraçado, eu estava falando da minha chatice
e me empolguei com um diálogo imaginário. Acho que falar sozinho, para as
paredes, é uma característica dos chatos. Quando não estou falando sozinho eu tento sugerir para
que as pessoas utilizem os dois olhos, não apenas o olho direito ou o olho
esquerdo. Mas eu sou chato mesmo. Se fosse uma empresa, até criaria um zero
oitocentos para receber as reclamações por minha chatura. Um bom número seria
0800 foda-se.