Utnapishtim disse: "Quanto a ti,
Gilgamesh, quem irá reunir os deuses por tua causa, de maneira a poderes
encontrar a vida que estás buscando? Mas, se quiseres, vem e põe-te à prova:
terás apenas que lutar contra o sono por seis dias e sete noites." Mas,
enquanto Gilgamesh estava lá sentado, descansando sobre as ancas, uma bruma de
sono, semelhante à lã macia cardada do velocino, pairou sobre ele, e Utnapishtim
disse a sua mulher: "Olha para ele agora, o homem forte e poderoso que
quer viver por toda a eternidade; as brumas do sono já estão pairando sobre
ele." Sua mulher replicou: "Toca no homem para acordá-lo, para que
possa retornar em paz ao seu país, voltando pelo portão pelo qual entrou."
Utnapishtim disse a sua mulher: "Todos os homens são impostores, até a ti
ele tentará enganar; por isso, põe-te a assar pães, cada dia um, e coloca-os ao
lado de sua cabeça; e marca na parede o número de dias que ele dormiu."
Ela então se pôs a assar os pães, cada dia
um, e a colocá-los ao lado de cabeça de Gilgamesh, marcando na parede o número
de dias que ele vinha dormindo. Chegou o dia em que o primeiro pão estava duro,
o segundo parecia couro, o terceiro se encharcara, o bolor se formara na crosta
do quarto, o quinto havia mofado, o sexto estava fresco e o sétimo ainda estava
sobre as brasas. Utnapishtim então tocou em Gilgamesh e ele acordou. Gilgamesh
disse a Utnapishtim, o Longínquo: "Eu mal havia começado a dormir quando
tocaste em mim e me acordaste." Mas Utnapishtim disse: "Conta estes
pães e vê quantos dias dormiste, pois o primeiro está duro, o segundo parece
couro, o terceiro está encharcado, a crosta do quarto
está embolorada, o quinto está mofado, o sexto está fresco e o sétimo ainda se
encontrava sobre as brasas incandescentes quando toquei em ti e te
acordei." Gilgamesh disse: "Oh, que farei, Utnapishtim, para onde
irei? O ladrão da noite já se apoderou do meu corpo, a morte habita o meu
espaço; encontro a morte onde quer que pouse meus pés."
Utnapishtim falou então a Urshanabi, o
barqueiro: "Pobre de ti, Urshanabi, de agora em diante este porto de
abrigo te odeia; ele não mais te acolherá, nem tampouco terás permissão para
atravessar estas águas. Vai, agora, banido destas margens. Mas este homem, a
quem conduziste, trazendo-o aqui, cujo corpo está coberto de imundície e cujos
membros perderam sua graça e encanto, tendo sido deteriorados peIo uso de peles
de animais, leva-o para se banhar. Ele então lavará seus cabelos na água,
deixando-os limpos como a neve; jogará fora suas peles e deixará que as águas
do oceano as levem para longe. A beleza de seu corpo será então revelada. A
fita que ele usa na testa ficará como nova, e ele receberá roupas para
cobrir sua nudez. Até que ele chegue à sua cidade de origem e até que complete
sua jornada, estas roupas não darão sinal de uso e parecerão sempre novas."
Assim, Urshanabi pegou Gilgamesh e levou-o para se banhar. Ele lavou seus
cabelos, deixando-os limpos como a neve; ele jogou fora suas peles, que foram
levadas para longe pelo mar. A beleza de seu corpo foi revelada. A fita que
usava na testa ficou como nova, e ele recebeu roupas para cobrir sua nudez,
roupas que não dariam sinais de uso, mas pareceriam sempre novas até que ele
chegasse a sua cidade de origem e sua jornada chegasse ao fim.
Então Gilgamesh e Urshanabi colocaram o barco
na água, embarcaram e se prepararam para partir; mas a mulher de Utnapishtim, o
Longínquo, disse ao marido: "Gilgamesh chegou aqui exausto, está extenuado;
o que darás a ele para levar de volta a seu país?" Então Utnapishtim
falou, e Gilgamesh tomou uma zinga em suas mãos e trouxe o barco de volta à
margem. "Gilgamesh, chegaste aqui exausto, e te extenuaste; o que darei a
ti para levares de volta a teu país? Gilgamesh, eu te revelarei um segredo, é
um mistério dos deuses que estou te revelando. Existe uma planta que cresce sob
as águas; ela tem um espinho que espeta como o de uma rosa. Ela vai ferir tuas
mãos, mas, se conseguires pegá-la, terás então em teu poder aquilo que restaura
ao homem sua juventude perdida."
Ao ouvir isso, Gilgamesh abriu as comportas
para que uma corrente de água doce pudesse levá-lo ao canal mais profundo. Amarrou
pesadas pedras a seus pés e elas o arrastaram para baixo, até o leito do rio.
Lá ele encontrou a planta que crescia sob a água. Embora ela o espetasse,
Gilgamesh tomou-a nas mãos. Ele então cortou as pesadas pedras presas a seus
pés e as águas o carregaram, atirando-o à margem. Gilgamesh disse para
Urshanabi, o barqueiro: "Vem ver esta maravilhosa planta. Suas virtudes podem
devolver ao homem toda a sua força perdida. Eu a levarei
à Uruk das poderosas muralhas. Lá, eu darei a planta aos anciãos para que a
comam. O nome dela será 'Os Velhos Voltaram A Ser Jovens'. E, finalmente, eu mesmo
a comerei e recuperarei toda a minha juventude perdida." Gilgamesh então
retornou pelo portão por onde havia entrado. Gilgamesh e Urshanabi viajaram
juntos. Depois das primeiras vinte léguas, eles quebraram seu jejum; depois de
mais trinta léguas, pararam para passar a noite.
Gilgamesh encontrou um poço de água fresca e
entrou nele para se banhar; mas nas profundezas do poço havia uma serpente, e a
serpente sentiu o doce cheiro que emanava da flor. Ela saiu da água e a
arrebatou; e imediatamente trocou de pele e voltou para o fundo do poço.
Gilgamesh então sentou-se e chorou. As lágrimas corriam por seu rosto e ele
tomou a mão de Urshanabi: "Oh, Urshanabi, foi para isso que esfalfei
minhas mãos? Foi para isto que arranquei sangue de meu coração? Nada obtive
para mim, nada; mas a fera do poço agora usufrui do meu esforço. A corrente já
arrastou a planta por vinte léguas, levando-a de volta aos canais onde a
encontrei. Eu encontrei algo prodigioso e agora o perdi. Deixemos o barco nesta
margem e vamos embora."
Depois de caminharem vinte léguas, eles
quebraram seu jejum; depois de trinta léguas, eles pararam para passar a noite.
Em três dias de viagem eles haviam percorrido a pé um percurso equivalente a
uma jornada de um mês e quinze dias. Ao completarem a jornada, eles chegaram a
Uruk, a cidade das poderosas muralhas. Gilgamesh falou a ele, a Urshanabi, o
barqueiro: "Urshanabi, sobe na muralha de Uruk, inspeciona o terraço onde
sua estrutura foi fundada, examina bem a alvenaria de tijolos; vê se não foram
usados tijolos cozidos. Não foram os sete sábios que assentaram estas
fundações? Um terço do todo é cidade, um terço é jardim e um terço é campo,
incluindo o períbolo da deusa Ishtar. Estas partes e o períbolo
formam toda a Uruk."
Isto também foi obra de Gilgamesh, o rei, que
percorreu as nações do mundo. Ele era sábio, ele viu coisas misteriosas e
conheceu muitos segredos. Ele nos trouxe uma história dos dias que antecederam o
dilúvio. Partiu numa longa jornada, cansou-se, exauriu-se em trabalhos e, ao
retornar, descansou e gravou na pedra toda a sua história.