segunda-feira, 29 de abril de 2019

IRRESPONSABILIDADE ILIMITADA


O post “Sonhando de olhos abertos” teve como ponto de partida a celebração de 44 anos de nosso casamento (muito tempo, não?). O que não foi dito é que se passaram 50 anos desde que conheci minha mulher, em pleno Carnaval de 1969. E depois dizem que amor de carnaval dura só três dias! Obviamente só mais uma solene bobagem que as pessoas gostam de dizer. Bobagem desatualizada, diga-se, pois hoje o carnaval dura no mínimo uma semana (na Bahia deve durar uns trezentos dias). Mas não é de carnaval que quero falar. Meu assunto hoje é o casamento civil.

Quando nos casamos, era normal que acontecessem duas cerimônias. O casamento religioso era o que dava ibope, tinha valor e era aceito pelos parentes e amigos do noivo e da noiva - imediatamente escaneada dos pés à cabeça pelas tias e primas bisbilhoteiras do noivo, atentas a um eventual e suspeito aumento de volume abdominal (“será que é o que estou pensando?”).

Para o casamento civil, embora acontecesse primeiro, ninguém dava muita bola (“mera formalidade burocrática!”). Isso podia afetar até o status dos padrinhos escolhidos. O que foi parcialmente confirmado no nosso caso. Mesmo sendo obrigatórios apenas dois, chamamos uma penca de parentes queridos para testemunhar a constituição de nossa “sociedade de responsabilidade limitada”. Mas acontecia uma exceção nessa história.

Havia um barzinho a que íamos frequentemente, justamente por ficar a uns cem metros da casa de minha mulher. Íamos eu, ela, algumas amigas, as irmãs e namorados e ficávamos horas conversando fiado. Era chamado de “Postinho” por fazer parte das instalações de um posto de combustíveis. Talvez pela parcimônia na dosagem do uísque que um dos cunhados de minha mulher gostava de consumir, o único garçom acabou ganhando o apelido de “Conta-Gotas”.

Como era bem humorado, acabamos ficando “amigos”. Pois bem, naquela época eu era quase um “bicho-grilo” de tão alternativo, tão “ilimitada” era minha “irresponsabilidade”. Por isso, mesmo sem nunca ter perguntado como se chamava, convidei-o para ser meu padrinho no casamento civil. Creio que ficou meio cabreiro com o convite (talvez com receio de ter de dar presente), mas acabou aceitando depois de ser desobrigado dessa chatice.

E é ele que aparece com sua camisa estampada de mangas compridas e calça pantalona em algumas fotos, tiradas durante e depois da cerimônia.. Não me lembro mais do que aconteceu depois disso, pois passamos a ir muito pouco ao Postinho depois de nos casarmos. E meu padrinho Conta-Gotas sumiu sem que eu nunca ficasse sabendo como se chamava. Olha ele aí.




sexta-feira, 26 de abril de 2019

VAMO QUE VAMO


TUDO O QUE É VOLÁTIL UM DIA SE EVAPORA (SPOILER)


No início da década de 1970, por não ter dinheiro para ser playboy, mauricinho, metrossexual ou outra designação para os jovens endinheirados que se exibiam com roupas caras, carros do papai ou deles próprios, tudo o que eu queria era ser alternativo, diferente, único (a carência afetiva já estava presente). Por isso, tentava ser o mais descolado possível. Pois, como cantou o Herbert Viana, "era mais fácil se eu tentasse fazer charme de intelectual". E uma das formas que encontrei foi comprar revistas e jornais alternativos de que ficava sabendo através da leitura do Pasquim ou pesquisando em bancas de jornal. 

Graças a isso, comprei (e ainda tenho) os tabloides "Flor do Mal" (apesar de terem saído cinco números, só tenho um), "Presença" (de título suspeitíssimo - "Vou ali fazer uma presença"), a edição brasileira de "Rolling Stones" e "Jornal de Amenidades". Além desses, comprava as revistas de humor e cartuns "O Grilo" (que começou como tabloide caretinha e passou a revista com o melhor do circuito alternativo internacional), "O Bicho" (que durou oito números) e "Fradim".

Flor do Mal, O Bicho, Fradim e Jornal de Amenidades foram produzidos por antigos colaboradores do "Pasquim". À exceção do "Grilo" e "Fradim", o que essas publicações tiveram em comum  foi a curta existência, o caráter efêmero. Uma dessas publicações merece um comentário extra-literário. O Jornal de Amenidades (JA) foi criado por Tarso de Castro, um cara que comeu a Candice Bergen, uma das atrizes mais lindas da época - que tempos depois confessou ter sido ele o grande amor de sua vida (estou me sentindo como se fizesse parte da bancada do programa da Sonia Abrão).

Estava pensando nisso, nessa transitoriedade de alguns meios e formas de comunicação, justamente por comparar os blogs atuais com a "imprensa nanica" da década de 1970. E explico: o blogroll (chique, não?) do Blogson Crusoe contém os links de cinco blogs: "A Marreta do Azarão", "Casal Geek", "MaLuComg", "Mixidão" e "Um Sábado Qualquer". Mesmo sem fazer parte do “blogroll”, há mais um - "O Elemento Jota" - que eu sempre bisbilhotava. Curiosamente, desses seis blogs que acompanhava, só metade está “positiva e operante”. O "Casal Geek", equivalente ao "Jornal de Amenidades" está (segundo seus criadores) definitivamente desativado. O "Mixidão", simpaticíssimo e premiado blog de receitas lindissimamente desenhadas (para analfabeto culinário nenhum botar defeito) está há um ano paralisado. E o Elemento Jota, com seus poemas incríveis e imagens perturbadoras, simplesmente sumiu, foi retirado da internet por sua titular. Sobraram apenas os "heróis da resistência" "Blog do MaLuCo", comandado por uma estrela da administração empresarial de alto nível, o "Um Sábado Qualquer" (que parece ter perdido o gás criativo - mas não o tino comercial) e o divertido "A Marreta do Azarão" (que teve as pernas quebradas por conta de sua falta de modos, por sua recusa a ajoelhar-se diante do censor).

E que lições, informações ou correlações esses blogs trazem para o “blog da solidão ampliada”? A única possível, que é a efemeridade desse tipo de comunicação. Como na maioria das vezes não se lucra nada com um blog, a única coisa que o mantém vivo é a postagem não muito espaçada de imagens, ideias, piadas, crônicas, desenhos, reflexões do titular do blog. Mas até isso um dia acaba (ou torna-se tão esporádico que ninguém mais se lembra de acessar o blog). O desejo acaba, a inspiração desaparece, a criatividade evapora-se e o tesão – que coincidência! – simplesmente desintegra-se. É isso que tenho sentido frequentemente em relação ao velho Blogson. Aparentemente, a fonte secou Ou, como diria o Drummond, “o dia não veio,o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou”.

Tenho ficado maçante e repetitivo por estar sempre voltando a esse assunto nas postagens recentes do blog, mas aqui é minha blogoterapia, meu lugar de desabafar. E o sentimento é real, passa longe de chantagem emocional. Aliás, que chantagem seria essa se não há ninguém a chantagear? Na prática, creio ter dito tudo o que queria dizer. Além disso, estou escrevendo pior a cada dia que passa. E isso me incomoda muito. Acho que cansei de tentar ser o que não sou. Cansei de tentar garimpar alguma pepita em um solo cada vez mais estéril e difícil de cavar. Aproveitando os versos dramáticos de Caymi, só "me resta o cansaço, cansaço da vida, cansaço de mim. Velhice chegando e eu chegando ao fim". 

Por isso, este é só mais um aviso: o blog vai mesmo acabar. Mas há uma coisa que não posso deixar de registrar: o meu riso, a minha alegria e a minha gratidão ao ler os comentários engraçados, elogiosos, encorajadores e sem noção que dois amigos virtuais (a quem quero muito bem) fizeram ao longo do tempo. Esses para sempre desconhecidos "amigos" são os titulares do Marreta e do Elemento Jota. Se esses dois malucos não existissem, é provável que o velho Blogson já tivesse fechado as portas há muito tempo.

E como o blog vai mesmo acabar, já tem até data para isso acontecer: 07/06/2019, quando completará cinco anos de existência. De hoje até lá, são 42 dias. Poderei postar o que quiser o que me der na telha. Acho difícil mas não improvável. Mas o último post (que o Marreta já leu) está pronto há muito tempo. Nesse dia, farei como cantou o Chico: “baterei o portão sem fazer alarde, com a leve impressão de que já vou tarde”.


quinta-feira, 25 de abril de 2019

AMARRANDO A MAIOR BODA


- Sabia que estou comemorando bodes de ouro neste ano?

- Rapaz, nem sabia que você era casado!

- E não sou! Mas desde os vinte anos eu comemoro a depressão que surgiu nessa época.

- Agora fodeu tudo! Onde já se viu comemorar bodas de ouro da depressão?

- Eu não disse “bodas”, eu disse “bodes”! Eu sempre amarro o maior bode nessa época do ano!

- Cara, você precisava ser interditado!

  

SONHANDO DE OLHOS ABERTOS


Acordei hoje um pouco mais agitado que o normal. Depois do café, tomei banho e fiz a barba, raspando cuidadosamente em volta de meu bigode estilo Woodstock. Daqui a pouco vestirei meu belo terno azul-marinho feito sob medida pelo Ivan Alfaiate e me dirigirei ao Cartório de Paz que fica na Rua Tupinambás com Amazonas, pois hoje minha vida sofrerá a maior transformação que poderia ter, pois daqui a pouco, eu e minha amada Lily iremos nos casar no civil.

Enquanto tomava banho, fiquei divagando sobre essa mudança. Imagino que estarão presentes meu sogro e dois de seus irmãos (Albano e Tião, nossos padrinhos no civil). Igualmente deverão estar presentes meu pai e seus irmãos Nhô e Sinhá, também eles nossos padrinhos. Certamente a cerimônia será presenciada por meus cunhados e amigos, alguns deles também nossos padrinhos. E haverá fotos, sorrisos, alegria e muita esperança.

Depois, provavelmente almoçarei na casa de meus sogros, onde seremos alvo de brincadeiras e votos de felicidade. E à noite, após mais um banho vestirei outro terno feito sob medida (mas muito feio! Não sei como fui cair na lábia do Ralim, concordando em fazer um paletó xadrez!).

Chegarei cedo à capela do Colégio Sagrado Coração de Jesus e ficarei esperando por minha adorável e linda Lily (imagino que não demorará a chegar, pois é super pontual!). Certamente estará deslumbrante em seu vestido de noiva (ela é muito linda!), e entrará na igreja conduzida por seu feliz, emocionado e orgulhoso pai. A igreja estará cheia de amigos e parentes. Nos bancos próximos ao altar estarão os padrinhos do casamento religioso. Do meu lado estarão meu avô, tios e tias, meu irmão e esposa e um colega de escola. Do lado da minha amada estarão tios e tias, primos, irmãos e namoradas.

Durante a cerimônia religiosa, ouviremos músicas tocadas em um harmônio pelo José Geraldo (que é organista da Igreja de Lourdes), acompanhado pelo flautista Georges Vincent. Imagino que não conseguirei prestar atenção em uma única palavra dita pelo Padre Leonardo. Receberemos os cumprimentos de um mundo de gente conhecida e desconhecida. E depois acontecerá "aquela" festança.

Enquanto me enxugava, fiquei pensando o que poderá acontecer daqui a 44 anos. Como estaremos depois de tanto tempo passado? Nós teremos filhos, talvez quatro. E depois, quem sabe, teremos netos - ou netas. Certamente meus cabelos estarão brancos e ralos, mas sei que minha doce Liliquinha continuará lynda como é hoje.

Muitos parentes e amigos queridos talvez já não estejam mais entre nós. E como acontece com todos os casais, nesse tempo todo eu e ela teremos brigado muitas vezes por bobagens irrelevantes ou motivos mais sérios. Eu a terei decepcionado e magoado, ela terá me irritado, mas nada disso importará, pois sei que ela sempre estará ao meu lado, apoiando-me ou consolando-me quando eu mais precisar.

E, acima de tudo, sei que continuarei amando-a como amo hoje, pois sei que até o fim dos meus dias nunca deixarei de amá-la, pois ela é e sempre será a mulher da minha vida.
25 de abril de 1975.

sábado, 20 de abril de 2019

A VIDA EM OBLIVION - MONTEIRO LOBATO

Ao entrar na adolescência já tinha lido toda a obra infanto-juvenil de Monteiro Lobato. Por isso, quando meu pai trouxe da casa de sua irmã um exemplar antigo e muito manuseado de "Cidades Mortas", não tive dúvida, encarei com prazer a leitura do livro. Era bem diferente das histórias mirabolantes do Sítio do Picapau Amarelo, mas foi pura diversão.

Esta é uma das explicações por resolver postar mais um conto desse livro aqui no blog (o primeiro saiu em agosto de 2014). Mas não há só prazer nem acaso nesta escolha. O principal motivo é a semelhança que encontrei entre uma cidadezinha fictícia do início do século XX com o velho Blogson. "Como assim?", direis (refiro-me ao robô do Google). E eu vos direi que graças às mudanças recentes promovidas pelo Google e/ou à alteração do nome de meu perfil (mudei para "Jotabê”), as anêmicas visualizações que aconteciam até recentemente praticamente se extinguiram. 

Fiquei pensando se isso não seria decorrente da transformação do blog Marreta em "fantasma". Sim, porque tirando os meus familiares que acessaram o blog em seu início (e só mesmo no início), os leitores do Blogson chegaram até ele graças à sua inclusão na lista de blogs seguidos pelo Marreta. Em outras palavras, o Marretão sempre foi meu outdoor. Como ele não aparece mais nas pesquisas do Google, só mesmo alguns iniciados têm acesso aos links de blogs que ele acompanha.

Mas a verdade é que ninguém (eu, pelo menos, sou assim) escreve para ficar inédito. E se além disso, for somada a mediocridade da produção recente do Blogson (nunca deixou de ser medíocre), aí é que o caldo entorna. Refletindo sobre esse quadro, lembrei-me do conto do Monteiro Lobato. Relendo-o percebi que a cidadezinha decadente descrita por ele é a cara deste blog. Como eu poderia deixar de usar um retrato tão realista assim? Eis o "retrato": 



A cidadezinha onde moro lembra soldado que fraqueasse na marcha e, não podendo acompanhar o batalhão, à beira do caminho se deixasse ficar, exausto e só, com os olhos saudosos pousados na nuvem de poeira erguida além. Desviou-se dela a civilização. O telégrafo não a põe à fala com o resto do mundo, nem as estradas de ferro se lembram de uni-la à rede por intermédio de humilde ramalzinho.
O mundo esqueceu Oblivion, que já foi rica e lépida, como os homens esquecem a atriz famosa logo que se lhe desbota a mocidade. E sua vida de vovó entrevada, sem netos, sem esperança, é humilde e quieta como a do urupê escondido no sombrio dos grotões.
Trazem-lhe os jornais o rumor do mundo, e Oblivion comenta-o com discreto parecer. Mas como os jornais vêm apenas para meia dúzia de pessoas, formam estas a aristocracia mental da cidade. São “Os Que Sabem”. Lembra o primado dos Dez de Veneza, esta sabedoria dos Seis de Oblivion.
Atraídos pelas terras novas, de feracidade sedutora, abandonaram-na seus filhos; só permaneceram os de vontade anemiada, débeis, faquirianos. “Mesmeiros”, que todos os dias fazem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a passada prosperidade, lamuriam do presente e pitam – pitam longos cigarrões de palha, matadores do tempo.
Entre as originalidades de Oblivion uma pede narrativa: o como da sua educação literária.
Promovem-se três livros venerandos, encardidos pelo uso, com as capas sujas, consteladas de pingos de vela – lidos e relidos que foram em longos serões familiares por sucessivas gerações. São eles: La mare d’Auteuil, de Paulo de Kock, para o uso dos conhecedores do francês; uns volumes truncados do Rocambole, para enlevo das imaginações femininas; e Ilha maldita, de Bernardo Guimarães, para deleite dos paladares nacionalistas. O dono primitivo seria talvez algum padre morto sem herdeiros. Depois, à força de girarem de déu em déu, esses livros forraram-se à propriedade individual. Quem, por exemplo, deseja ler o Rocambole diz na rodinha da farmácia:
– Onde andará o Rocambole?
Informam-no logo, e o candidato toma-o das mãos do detentor último, ficando desde esse momento como o seu novo depositário. Processo sumaríssimo e inteligente.
Quando se esgotou a minha provisão de livros e, ignorante ainda da riqueza literária da terra, deliberei decorrer ao estoque local, dirigi-me a um dos Seis. O homem enfunou-se de legítimo orgulho ao dar-me os informes pedidos.
– Temos obras de fôlego, poucas mas boas, e para todos os paladares. Gênero pândego, para divertir, temos, “por exemplo”, La mare d’Auteuil, de Paulo de Kock. Impagável!
– Obrigado. De Kock, nem a tuberculina.
– Temos o célebre Rocambole, “gênero imaginoso”; infelizmente está incompleto; faltam uns dezessete volumes.
– Não me serve o resto.
– E temos uma obra-prima nacional, a Ilha maldita, do “nosso” Bernardo Guimarães.
Parando aí o catálogo, era forçoso escolher.
No concerto dos nossos romancistas, onde Alencar é o piano querido das moças e Macedo a sensaboria relambória dum flautim piegas, Bernardo é a sanfona. Lê-lo é ir para o mato, para a roça – mas uma roça adjetivada por menina de Sion, onde os prados são amenos, os vergéis floridos, os rios caudalosos, as matas viridentes, os píncaros altíssimos, os sabiás sonorosos, as rolinhas meigas. Bernardo descreve a natureza como um cego que ouvisse contar e reproduzisse as paisagens com os qualificativos surrados do mau contador. Não existe nele o vinco enérgico da impressão pessoal. Vinte vergéis que descreva são vinte perfeitas e invariáveis amenidades. Nossas desajeitadíssimas caipiras são sempre lindas morenas cor de jambo.
Bernardo falsifica o nosso mato. Onde toda a gente vê carrapatos, pernilongos, espinhos, Bernardo aponta doçuras, insetos maviosos, flores olentes. Bernardo mente.
Mas como mente menos que o Paulo de Kock ou o truculento Ponson, pai do Rocambole, escolhi-o.
Veio o livro. Volume velho como um monumento egípcio e como ele revestido de inscrições. Cada leitor que passava ia deixando o rastro gravado a lápis.
“Li e gostei”, dizia um, “Li e apreciei”, afirmava certa senhorita. Inscrição quase em cuneiforme rezava “Fulano leu e apreciou o talento do grande escritor brasileiro”. Outro versificava: “Já foi lido – Pelo Walfrido”. Tal moça notara parcimoniosamente: “Li” e assinou. Um amigo da ordem inversa pôs: “Li e muito gostei”.
Houve quem discordasse. “Li e não gostei”, declarou um fulano. O patriotismo literário dum anônimo saiu a campo em prol do autor: “Os porcos preferem milho a pérolas”, escreveu ele embaixo. Monograma complicadíssimo subscrevia isto: “O Rocambole diverte mais”.
E assim, por quanto espaço em branco tinha o livro, margens ou fins de capítulo, as apreciações se alastravam com levíssimas variantes ao sóbrio “Li e gostei” inicial. Havia nomes bem antigos, de pessoas falecidas, e nomes das meninas casadeiras da época.
Os intelectuais de Oblivion bebiam à farta naquela veneranda fonte. Em Bernardo abeberavam-se de “estilo e boa linguagem”, conforme afirmou um; no Rocambole truncado exercitavam os músculos da imaginativa; e no Paulo de Kock, os eleitos, os Sumos (os que sabiam francês!) fartavam-se da grivoiserie permitida a espíritos superiores.
Essa trindade impressa bastava à educação literária da cidade. Feliz cidade! Se é de temer o homem que só conhece um livro, a cidade que só conhece três é de venerar. Veneração, entretanto, que não virá, porque o mundo desconhece totalmente a pobrezinha da Oblivion…


sexta-feira, 19 de abril de 2019

ALMA EMBOLERADA

Estive ajudando alguém a escolher músicas a serem tocadas em seu aniversário. Dentre as trezentas opções apresentadas pelo músico, estava La Puerta. Acho essa música absurdamente linda - ainda que bastante depressiva, bem no estilo dos velhos boleros.

Gosto tanto que já a transformei em tema de um post do velho Blogson. Obviamente uma melodia dessas jamais poderia ser cantada em festa de parabéns pra você.  Mas, como tenho andado com a alma muito embolerada,  serviu para fazer uma micro paródia dos versos iniciais:

A porta se fechou por trás de mim
E nunca mais voltei a aparecer
Abandonei a ilusão de ter
Alguma coisa nova pra dizer

Caso algum robô ou fantasma se interesse em conhecer o texto ou ouvir a música, o link do antigo post é este:

LA PUERTA

quarta-feira, 17 de abril de 2019

NOTRE DAME!


IT'S ALL LIES

Cada vez mais tenho ficado surpreso com as barbaridades que vejo ou de que ouço falar. Para ser sincero, fico horrorizado, irritado ou incomodado, pois já não me surpreendo mais com quase nada. Uma das coisas que mais me descabelam são as notícias e imagens manipuladas que circulam pela internet. E me pego pensando sobre o que leva alguém a perder tempo manipulando notícias verdadeiras e fotos reais só para postá-las.nas redes sociais.

Posso até me enganar nesses "boatos", mas, na minha ingênua vivência, com certeza, ñ idolatro ladrões e corruptos!

Esta frase irada foi o ponto de partida deste post. Foi escrita por uma “amiga de Facebook” em resposta a um desmentido que fiz sobre uma “notícia” - autêntica fake news - que ela tinha compartilhado. Parece não ter gostado de ser confrontada com a realidade. E esse comportamento tem sido frequente nas redes sociais. Apenas para registro, segue o post da discórdia: 


Curiosamente, o desmentido aparecia logo abaixo, sob o título “Artigos relacionados”. Não sei se ela viu ou não quis ver, mas isso apenas confirma minha teoria do “triângulo isósceles”, apresentada em post neste blog
(https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2014/07/triangulo-isosceles.html).

O que sei é que há nas redes sociais uma indústria ou comércio de “produtos” destinados a disseminar o ódio contra essa ou aquela visão, esse ou aquele sujeito. O problema é que os “produtos” elaborados não estão sujeitos ao controle da vigilância sanitária. Por isso, muitas vezes utilizam materiais de péssima qualidade ou de procedência duvidosa, impróprios ao consumo e, principalmente, manipulados de forma grosseira.

Não quero me meter a “gato mestre” para tentar explicar essa disfunção, pois tenho absoluta certeza que psicólogos, sociólogos e outros “ólogos” já devem ter estudado e dissertado sobre essa fábrica de mentiras. Pesquisando um pouco sobre esse assunto. descobri que o russo Stalin era bom nisso - muitos anos antes do surgimento das redes sociais -, pois mandava apagar de registros fotográficos seus desafetos políticos, provavelmente depois de tê-los “apagado” fisicamente.

Um desses foi Leon Trotski, assassinado no México e retirado de uma foto onde aparece ao lado de Lenin durante um comício.



Encontrei mais alguns exemplos, mas não tenho a mínima ideia de quem eram os infelizes condenados a sumir da História.



Aparentemente, o Stalin era um psicopata. Pelo menos alguém assim o avaliou. E talvez seja essa a chave para entendimento das manipulações que aparecem nas redes sociais. Talvez as “fábricas” de produtos adulterados sejam comandadas por psicopatas e sociopatas, o nível mais extremo dos mentirosos compulsivos. Fui buscar mais informações sobre isso e descobri muita coisa legal sobre a mentira e os mentirosos. Descobri, por exemplo, que há vários tipos de mentirosos. E há um tipo que permite um jogo de palavras perfeito para identificar os defensores intransigentes do atual presidente: "mitômanos". Impossível não achar graça na coincidência.

Os defensores radicais do "Mito" tem-se esmerado em manipular imagens e notícias para atacar o PT ou para endeusar o Bolsonaro. Tenho um parente que é irritantemente ridículo em sua pregação diária. Ele não cria nada, mas compartilha e comenta qualquer coisa a favor do Bolsonaro ou contra o PT, sem se preocupar se as informações são ou não verdadeiras. Por conta desse comportamento passional, já dei nele umas duas “sapatadas”. Uma delas foi quando compartilhou uma foto da época da ditadura em que aparece alguém caindo na rua, aparentemente ao  tentar correr da polícia. No post compartilhado a cabeça do manifestante anônimo foi substituída pela do Lula. Fui conferir, descobri a má fé e paguei uma pau para ele (pois é, eu sou o mala do Facebook).



Como era de se esperar, o pessoal de esquerda não fica atrás, pois sempre tenta denegrir a imagem do presidente (aliás, nem precisava, pois o "mito" é especialista em dar tiro no próprio pé). E tome piadinhas, ironias, emojis, etc. O problema é quando alguém mais "entusiasmado" compra um dos produtos “paraguaios”.

Recentemente, um amigo real postou uma imagem criticando a utilização de um puta aparato de segurança para que algum figurão do governo fosse almoçar ou coisa assim. Quando bati o olho na imagem, duvidei na hora e fui pesquisar. Era só mais uma fake news, produzida a partir de uma foto tirada durante um treinamento para a posse do Bolsonaro.



Imagino que meu amigo ficou muito constrangido, pois a imagem sumiu de sua linha do tempo. Mas não se emendou, pois vive postando "reportagens" feitas a partir de frases isoladas e fora de contexto, capazes de inverter o sentido dos pronunciamentos e declarações originais. Quando percebo isso, dou nele umas "chineladas corretivas". E isso é preocupante. 

Achei este comentário na internet (mas esqueci de anotar o nome do autor): “Quando a mentira passa a fazer parte rotineira do jogo social uma técnica de ataque e defesa na competição entre as pessoas por mais riqueza, prestigio ou poder, e ainda na guerrilha entre governados e governantes -, é claro sinal de que o país onde isso acontece não vai bem das pernas”.

Um dia um dos meus filhos disse que “a internet te colocou em contato com pessoas que antes estavam a uma distância segura”. Não creio que seja ele o autor, mas que é uma ótima frase, sem dúvida é, pois reflete ou sinaliza o ambiente tóxico das redes sociais, sempre propensas a reproduzir os ensinamentos do nazista Goebbels: A mentira repetida diversas vezes se torna uma verdade”. Aparentemente, nunca se comprovou ser ele o autor dessa frase - pelo menos, não com essas palavras. "Mas tanto já se repetiu a frase que ninguém dirá ser mentira". 

Se Orson Welles fosse fazer hoje um documentário sobre o Brasil, ele nunca colocaria o título "É tudo Verdade" (It's All True). Diante de tantas mentiras, meias verdades e manipulações, já mandava logo um "É tudo mentira", coerente com a frase do síndico Tim Maia: “Não fumo, não bebo e não cheiro, mas às vezes minto um pouquinho.” Acredito que os dois adorariam as redes sociais.



.




segunda-feira, 15 de abril de 2019

COMENDADOR DOUTOR


"Comendador Doutor"... Ao ler aquilo, minha reação foi a mesma de um apresentador de telejornal de BH. Quando alguma reportagem azeda o fígado, ele gira a cabeça, olha para uma câmera alinhada com seus ombros e diz com ironia: “Eu não vou aguentar!

E essa foi a sensação que tive ao começar a leitura de um santinho distribuído ao final da missa de sétimo dia do “Comendador Doutor”. Se tivesse ficado só nisso seria até desculpável. O problema foram as louvações, elogios, abobrinhas e agressões ao “vernáculo”. E terminava com esse primor: "Veio, viu e venceu".

Como minha mente se recusa a aceitar o estereotipado e o convencional sem reclamar, fiquei matutando sobre como é curiosa essa tendência que as pessoas têm de maquiar, de edulcorar as qualidades de parentes falecidos. Sinceramente, seria muito mais divertido se destacassem seus hábitos grotescos, os preconceitos odiosos, as manias risíveis e o comportamento condenável.

Fico imaginando alguém na hora do sepultamento de um amigo, irmão, camarada dizendo assim: "eu gostava muito desse cara, mas que era um grande filho da puta, isso era". E os presentes aplaudiriam comovidos (sei não, mas fiquei imaginando uma cena dessas em um filme do Fellini).

O que sei é que tentar eternizar (ou terceirizar) os momentos "sou foda!" de alguém não me parece muito adequado. Já pensou São Pedro recebendo o sujeito na porta do céu? Ele bate o olho no texto do santinho (encaminhado via wi fi) e pergunta: 
- Você era mesmo tão foda quanto escreveram aqui?
- Talvez haja alguma "liberdade poética", mas é o que dizem, não é?
- "Liberdade poética", né? Tô sabendo! Você pode ser fodão, mas é no quinto dos infernos! Desce!!!

Esse assunto vem ao encontro de uma conversa que tive há algum tempo. Comentei com um conhecido que era muito crítico comigo mesmo. Ele me perguntou por que agia assim. De sacanagem, respondi:
- "Não gosto de deixar que meus amigos sintam-se sozinhos nessa tarefa".
Ele riu e retrucou:
- "Então você não tem qualidade nenhuma"?
- "Claro que tenho, mas hoje eu me vejo com mais nitidez do que me via antes".
E a conversa mudou de rumo.

Lembrando-me de tudo isso, resolvi fazer uma prévia do meu necrológio (ou "necrológico"), na base do "era, mas..." - mais lógico e real que os santinhos vistos nos últimos tempos (como tem morrido gente!).

Era inteligente, mas extremamente presunçoso;
Era amistoso, mas nem um pouco solidário;
Era jovial e brincalhão, mas intimamente triste e depressivo;
Gostava de tocar violão, mas não sabia tocar as músicas de que gostava;
Gostava de desenhar, mas não tinha nenhuma habilidade;
Gostava de inventar piadas, mas era constrangedoramente sem graça;
Gostava tanto de fazer planos quanto de procrastinar a realização dos projetos;
Era extremamente vaidoso apesar de sua feiura congênita.
Era também infantiloide, carente, ingênuo, falso, tímido, além dos mais de duzentos defeitos e falhas de caráter que possuía. Para piorar, achava que escrevia razoavelmente, mas o máximo que conseguiu foi publicar suas banalidades em um blog que os filhos criaram para ele. Tirando isso, até que era gente boa.






sexta-feira, 12 de abril de 2019

EU, ROBÔ


Saco cheio saporra! Estou parecido com um robô do Google, sempre inspecionando as visualizações, os posts já publicados no Blogson, mas mecanicamente, sem entusiasmo, sem emoção, roboticamente. As ideias não vêm, o assunto não surge. E, quando surge, é só um aproveitamento ou reciclagem dos comentários que faço no Facebook. Tenho dito tantas besteiras, obviedades e platitudes que bem merecia virar ministro! Resumindo, virei fiscal de blog, o que é uma bela merda.

No próximo dia 16, serei internado para uma pequena intervenção cirúrgica. Mas tomarei anestesia geral, que é uma das coisas mais estranhas que existe, pois você literalmente apaga. Como tenho tendência ao drama e ao fatalismo, cismei que posso não voltar da cirurgia - ou voltar como uma planta.

Se isso acontecer (o que será uma sacanagem inominável com minha mulher, que planeja sua próxima festa de aniversário), o próximo (e último) post sairá no dia 07/06, dia do aniversário do blog. E aí acabou mesmo. Melhor dizendo, será a certidão de óbito de um blog que morreu muito antes disso.


segunda-feira, 1 de abril de 2019

MURAL DAS LAMENTAÇÕES

Nos últimos dias, talvez estimulado por um cálculo renal de 9 mm ou pela declaração de imposto de renda ou pela falta do que fazer ou sei lá por quê, não tenho deixado passar quase nenhum post no facebook sem fazer algum comentário crítico (normalmente em tom ácido ou sarcástico). A única coisa que provavelmente consegui foi espantar ou irritar meus “amigos” de esquerda e de direita (pois não tenho preferência por nenhum deles). Mas, alguns são muto sensíveis. Especialmente os fiéis da nova religião fundamentalista – os exaltados seguidores do Messias. Aí resolvi pegar algumas das frases e opiniões mais sintéticas e suaves e juntá-las em um mural. O mural das lamentações (parece que está na moda lamentar-se em um mural). Olhaí.


ENDLESS LOVE

  Foi no carnaval de 1969 que se iniciou uma história de amor que eu não quero que acabe nunca – mesmo que eu saiba que um dia acabará. Já p...