"Comendador Doutor"... Ao ler aquilo, minha reação foi a mesma de um apresentador de telejornal de BH. Quando alguma reportagem azeda o fígado, ele gira a cabeça, olha para uma câmera alinhada com seus ombros e diz com ironia: “Eu não vou aguentar!”
E essa foi a sensação que tive ao começar a
leitura de um santinho distribuído ao final da missa de sétimo dia do “Comendador Doutor”. Se tivesse ficado só
nisso seria até desculpável. O problema foram as louvações, elogios, abobrinhas
e agressões ao “vernáculo”. E terminava com esse primor: "Veio, viu e venceu".
Como minha mente se recusa a aceitar o
estereotipado e o convencional sem reclamar, fiquei matutando sobre como é
curiosa essa tendência que as pessoas têm de maquiar, de edulcorar as
qualidades de parentes falecidos. Sinceramente, seria muito mais divertido se
destacassem seus hábitos grotescos, os preconceitos odiosos, as manias risíveis
e o comportamento condenável.
Fico imaginando alguém na hora do sepultamento de um amigo, irmão, camarada dizendo assim: "eu gostava muito desse cara, mas que era um grande filho da puta, isso era". E os presentes aplaudiriam comovidos (sei não, mas fiquei imaginando uma cena dessas em um filme do Fellini).
Fico imaginando alguém na hora do sepultamento de um amigo, irmão, camarada dizendo assim: "eu gostava muito desse cara, mas que era um grande filho da puta, isso era". E os presentes aplaudiriam comovidos (sei não, mas fiquei imaginando uma cena dessas em um filme do Fellini).
O que sei é que tentar eternizar (ou terceirizar) os momentos "sou foda!" de alguém não me parece muito adequado. Já pensou São Pedro recebendo o sujeito na porta do céu? Ele bate o olho no texto do santinho (encaminhado via wi fi) e pergunta:
- Você
era mesmo tão foda quanto escreveram aqui?
-
Talvez haja alguma "liberdade poética", mas é o que dizem, não é?
-
"Liberdade poética", né? Tô sabendo! Você pode ser fodão, mas é no
quinto dos infernos! Desce!!!
Esse assunto vem ao encontro de uma conversa que tive há algum tempo. Comentei com um conhecido que era muito crítico comigo mesmo. Ele me perguntou por que agia assim. De sacanagem, respondi:
- "Não
gosto de deixar que meus amigos sintam-se sozinhos nessa tarefa".
Ele riu e retrucou:
Ele riu e retrucou:
-
"Então você não tem qualidade nenhuma"?
-
"Claro que tenho, mas hoje eu me vejo com mais nitidez do que me via antes".
E a conversa mudou de rumo.
E a conversa mudou de rumo.
Lembrando-me de tudo isso, resolvi fazer uma prévia do meu necrológio (ou "necrológico"), na base do "era, mas..." - mais lógico e real que os santinhos vistos nos últimos tempos (como tem morrido gente!).
Era inteligente, mas extremamente presunçoso;
Era
amistoso, mas nem um pouco solidário;
Era
jovial e brincalhão, mas intimamente triste e depressivo;
Gostava de tocar violão, mas não sabia tocar as músicas de que
gostava;
Gostava
de desenhar, mas não tinha nenhuma habilidade;
Gostava de inventar piadas, mas era constrangedoramente sem graça;
Gostava de inventar piadas, mas era constrangedoramente sem graça;
Gostava tanto de fazer planos quanto de
procrastinar a realização dos projetos;
Era extremamente vaidoso apesar de sua feiura
congênita.
Era também infantiloide, carente,
ingênuo, falso, tímido, além dos mais de duzentos defeitos e falhas de caráter que possuía. Para piorar,
achava que escrevia razoavelmente, mas o máximo que conseguiu foi publicar
suas banalidades em um blog que os filhos criaram para ele. Tirando isso, até
que era gente boa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário