sexta-feira, 11 de julho de 2014

TRIÂNGULO ISÓSCELES

Eu nunca tive nenhuma simpatia pelas opiniões e ideias extremadas; sempre tive imensa antipatia e desprezo por todo tipo de extremistas, por ver neles um comportamento do tipo "vocês todos que não pensam como nós, estão errados. Só nós conhecemos a Verdade e o que é bom para todo mundo". Nesse modelo de intolerância, de intransigência, de radicalismo e empáfia, cabe um bocado de pessoas – muitas vezes bem intencionadas – e até mesmo instituições.

Se o assunto é religião, encontramos os fundamentalistas islâmicos e os cristãos criacionistas, os pentecostais, os evangélicos radicais. Em termos de cultura, basta lembrar a passeata contra o uso de guitarras elétricas na MPB, posição defendida pelos puristas e ignorantes brasileiros na década de 60 (o Gilberto Gil estava entre eles) ou a proibição e queima de livros, praticada por alguns regimes (nazista, entre outros).

Em termos de comportamento, eu vejo a cobrança de atitudes conhecidas pela expressão "politicamente correto" como uma coisa lamentável, autoritária e cheia de censura, tão imprópria que eu a coloco no mesmo "balaio da intolerância".

E aí, chegamos à política. Para mim, tanto faz o radicalismo ser de direita ou de esquerda, pois sou contra os dois. Em 1964, eu tinha 14 anos. Eu só sei que tinha pavor dos radicais de um e de outro lado. Em vários muros e prédios havia uma pichação da sigla CCC, que significava "Comando de Caça aos Comunistas". Do lado da esquerda radical existiam os grupos que tentaram lutar (armados) contra a ditadura. Tudo isso me enchia de pânico e de medo de ser atingido de bobeira por um ou por outro lado.

Mas não precisa pensar em Brasil para ver a extensão e os efeitos danosos do radicalismo, da barbárie e da intolerância. É só lembrar o Hitler, Stalin, Mao Tse Tung, generais argentinos, Khmer Vermelho, Che Guevara, para constatar que grande merda é o pensamento radical.

Eu sempre pensei que se você olha a vida apenas de um lado, seja ele um olhar de esquerda ou de direita, você perde (ou recusa-se a ter) uma visão mais ampla e equilibrada do todo. Pior ainda é querer que essa visão parcial e deformada da Realidade prevaleça na marra. Aí a coisa já fica até doentia.

Há muito tempo, quando ainda trabalhava, criei para mim uma frase que traduzia razoavelmente minha forma de pensar, que é a seguinte: "eu temo o Poder (pelo potencial de perversidade que ele pode conter) e admiro o Conhecimento (que é adquirido com muita dedicação), mas só respeito mesmo a Inteligência". Essa auto-citação, embora presunçosa, é só para dizer que eu não reconheço "Inteligência" nos pensamentos e ações radicais. Pelo contrário!

Por isso, eu deploro e vejo com desconfiança e até desprezo todo tipo de radicalismo, todo tipo de fundamentalismo, toda forma parcial e intolerante de viver e agir, seja no campo da religião, seja no campo dos costumes ou da política, pois para mim nada é cem por cento certo, verdadeiro ou ideal. Somos pessoas singulares, não somos iguais (embora devamos ter oportunidades básicas iguais).

Eu e meu irmão éramos paupérrimos quando crianças, não tínhamos casa, morávamos com minha avó, vestíamos as roupas que não serviam mais nos meus primos ricos. Onde eu morava, a quase totalidade dos meus companheiros era também filhos de pobres ou miseráveis (gente que vasculhava o lixo para sobreviver). A diferença entre nós e eles é que, apoiados e incentivados por nossos pais, nós estudamos. Se alguém me perguntar o que aconteceu com nossos companheiros de infância, eu posso dizer que um virou sapateiro, outro virou fotógrafo desses de batizado, alguns viraram vendedores, outros viraram cachaceiros desocupados, dois foram assassinados, um enlouqueceu, e por aí vai. Então, o que conseguimos – mesmo que essas conquistas não sejam espetaculares – foi por mérito próprio, ralação, muito sapo engolido, etc.

Agora, imagine que eu tivesse conseguido comprar uma puta fazenda, mesmo que fosse só para especular. Como aceitar que o que eu consegui suando fosse ocupado por um bando de manés que são hoje o que eu fui na infância? Não dá, né?

O que eu quero dizer com isso? É que eu compartilho integralmente a visão do poeta Ferreira Gullar. Em uma entrevista à revista Veja, ele disse (o grifo é meu) que "A natureza é injusta. A justiça é uma invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce inteligente, o outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós”.

É lógico que devemos tentar corrigir as injustiças, mas devemos sempre nos lembrar de que os resultados não serão iguais para pessoas que são diferentes entre si. A única forma de tentar corrigir isso, em minha opinião, é pela educação de qualidade. É isso que eu chamei de "oportunidade básica".

Enquanto alguns (bem intencionados!) tentam defender os miseráveis, os "sem isso", os "sem aquilo" com ações equivocadas ou até reprováveis, eu defendo a criação de dois novos movimentos: o “MSR” e o “MSIQ”, respectivamente “Movimento dos Sem Radicalismo” e “Movimento dos Sem Instrução de Qualidade.

Brincadeiras à parte, eu pensei em uma forma de demonstrar “matematicamente” (o hábito do cachimbo faz a boca torta) que o comportamento radical não está com nada. Vejam só: Imaginem três triângulos de bases iguais, sendo um deles isósceles e os outros dois escalenos. Os dois escalenos são espelhados (um “pende” para a esquerda e o outro “pende” para a direita).

Agora, imagine um observador localizado no vértice oposto à base. Quanto mais esse vértice for para a esquerda ou para a direita, mais parcial será a visão do observador. Não acredita? Veja bem, a abrangência de visão do observador é definida pela área do triângulo. Como a base é a mesma, a área dos triângulos será afetada pela altura do vértice oposto (quanto mais "agudo" ficar o triângulo, menor será a área obtida). Elementar, meu caro Euclides!



AULA PRÁTICA:
Se alguém quiser fazer a experiência “ao vivo e a cores”, prenda as duas pontas de um cordão em uma superfície, de modo que ele fique frouxo. O segmento de reta que une as duas pontas é a base do triângulo. Agora, estique o cordão até ele formar um triângulo isósceles. Sem soltar o cordão, deslize esse vértice para a esquerda e para a direita. Embora a base e o cordão sejam os mesmos, a área obtida com o vértice à esquerda ou à direita será sempre menor que aquela obtida quando se forma o triângulo isósceles.

Um comentário:

  1. otimo relato

    adorei a citação do ferreira gullar

    acredito na educação (que para mim é diferente do Ensino, que teria finalidade profissional, mercadológica) como um projeto de vida e uma ferramenta de transformação social, ainda o Brasil seja utopia

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