Quando li o conto a seguir, eu tive a sensação que o autor – que eu não conhecia – usava droga, tão delirante é o texto. Depois de descobrir que o Luis Fernando Veríssimo é
gaúcho, eu tive certeza. Porque chimarrão é uma coisa horrível, uma verdadeira droga.
Brincadeiras à parte, esse texto me transformou em fã total do
Veríssimo. Não conheço outro autor que faça textos de humor com tanto nonsense
como meu homenageado da semana. A palavra para ele é “Gênio”. Olhaí:
Contam que
Pantufo, Rei da Cizânia, Imperador das Angulares (a Pequena e a Grande), do
Alto e Baixo Fender e de todas as Rixas, tinha uma coleção de aves que piavam.
Era a maior coleção de aves que piavam do mundo conhecido. E provavelmente do
desconhecido também, se bem que deste se sabia pouco. Um dia chegaram a Nova
Velha, capital da Cizânia (a Velha Velha fora destruída por um paroxismo), dois
viajantes, Metatarso de Castro e Palpos de Aranha. Os dois se dirigiram ao
palácio real e pediram uma audiência com o rei.
- De que se trata?
– quis saber o custódio real.
- Sabemos que Sua
Excrescência tem a maior coleção de aves que piam do mundo – disse Metatarso.
- É verdade –
disse o custódio, olhando os forasteiros de balaio. – Todas as aves que piam do
mundo estão na coleção do nosso rei.
- Todas não –
plicou Palpos.
- Como não? –
Replicou o custódio.
- Sabemos de aves
raras que piam como nenhuma outra que não estão na coleção de Sua Indecência.
- E onde estão
essas aves? – Triplicou o custódio.
- Só diremos para
Sua Demência em pessoa.
Os dois foram
levados à presença de Pantufo, que reclinava sobre um almoxarife, abanado por
dezessete lupanares enquanto uma lêndea seminua coçava o seu estrôncio. A sala
do trono era toda decorada de alvíssaras e rocamboles silvestres.
- Sim? – disse o
Rei da Cizânia, mastigando uma véspera e cuspindo os cedilhas na mão de um
limiar.
- Trazemos
notícias de aves que piam como nenhuma outra – disse Metatarso, fazendo um
salaminho.
- Aves de que
Vossa Mumificiência jamais ouviu falar – completou Palpos, com um arrabal até o
chão.
- Impossível –
disse o rei, com suco de véspera correndo pela pauta e o jargão real. – Eu
tenho todas as aves que piam do mundo.
- Vossa Ardência
conhece a xerox emplumada?
- Xerox emplumada?
- É uma ave que
nós descobrimos.
- E ela pia? –
trucou o rei.
- Copia – retrucou
Metatarso.
- Como é que eu
não conheço essa ave? – disse o rei, olhando com sódio para Teflon, o caçador
real. – Onde vocês a encontraram?
- Num lugar que só
nós conhecemos, Vossa Carência. Na margem oposta de
um dos sete mares
do vosso reino.
- Qual dos mares?
O Mita, o More, o Racas, o Selhesa, o Fim ou o Condes Ferraz?
- Um desses – disse Palpos.
- Um desses – disse Palpos.
- Mmmm. Já vi tudo
– disse Pantufo, coçando as bigornas. – Vocês querem alguma coisa em troca da
informação. O quê? Digam que será seu.
- Bem, Vossa
Displicência – disse Palpos -, somos viajantes solitários. Muita falta nos faz
a companhia feminina, principalmente em noites de torresmo e barracas…
- Ah, quereis
catimbas – disse o rei. – Pois escolham as que quiserem do meu catimbeiro.
- Preferimos
escolher entre as suas filhas, Vossa Insuficiência.
O rei esbravejou
chamando os viajantes de tudo, desde arrebóis até filhos de uma turbina, mas
acabou concordando. Mandou chamar as filhas para que os viajantes escolhessem.
Metatarso ficou com Ampola e Palpos com Lentilha, as mais encarnadas de todas.
- Agora digam onde
estão essas aves que piam como nenhuma outra.
- Bem – disse
Metatarso -, vossas filhas tem hábitos caros, Vossa Decadência.
Como conseguiremos
mantê-las felizes, comprar picuinhas, aleivosias…
- Está bem – interrompeu o rei. – Vocês terão uma renda vitalícia de um milhão de dolos por mês. Terei de aumentar os impostos, mas o povo compreenderá.
- Está bem – interrompeu o rei. – Vocês terão uma renda vitalícia de um milhão de dolos por mês. Terei de aumentar os impostos, mas o povo compreenderá.
Agora, vamos às
aves!
No dia seguinte,
partiu a armada real, dez bulhufas escanhoadas e uma bulhufa-apitânia, entre
gritos dos seus comanches:
- Arrebitar o
vetusto!
- Suspender o
bilboquê de açafrão e o lume da alcatra!
- Pinicar a
espátula e dobrar o macambúzio!
Durante a viagem,
Pantufo não parava de pedir mais informações sobre as aves que encontrariam.
- Há a “voiyeur de
nuit” – disse Metatarso.
- E ela pia? –
torquiu o rei.
- Espia –
retorquiu Metatarso.
- Há a piorra azul
– disse Palpos.
- E ela pia?
- Rodopia.
- E a clínica do
banhado.
- Ela pia?
- Terapia.
- Não podemos
esquecer o marrecão larápio.
- Ele pia?
- Surrupia.
- E as cócegas
selvagens…
- Elas piam?
- Arrepiam.
A armada real
levou dois anos para atravessar seis mares, com Metatarso e Palpos seu milhão
de dolos por mês e entregando-se, todas as noites, a longas lengas e
intermináveis charnecas com Ampola e Lentilha. Finalmente chegaram à margem
oposta do Mar Condes Ferraz e desceram à terra. Mas não encontraram aves que
piavam como nenhuma outra.
- Onde estão as
aves? – Quis saber Pantufo.
- Já sei o que
houve, Vossa Dissidência – disse Palpos. – Esta não é a margem oposta.
- Claro – disse
Metatarso. – A margem oposta fica do outro lado.
E lá se foi, de
novo, a armada real.
- Arrematar as
polpas de antanho!
- Acinturar a
sirigaita maior!
Contam que a
armada real está navegando até hoje, pois a margem oposta sempre muda,
misteriosamente, de lado. Apesar dos gritos do Rei Pantufo:
- Bando de conúbios!
- Bando de conúbios!
- Caramanchões de
uma pipa!
- Arras
cuneiformes!
E a todas estas o povo pagando impostos.
E a todas estas o povo pagando impostos.
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