quarta-feira, 2 de julho de 2014

MAIS PALAVREADO – LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Quando li o conto a seguir, eu tive a sensação que o autor  que eu não conhecia  usava droga, tão delirante é o texto. Depois de descobrir que o Luis Fernando Veríssimo é gaúcho, eu tive certeza. Porque chimarrão é uma coisa horrível, uma verdadeira droga.

Brincadeiras à parte, esse texto me transformou em fã total do Veríssimo. Não conheço outro autor que faça textos de humor com tanto nonsense como meu homenageado da semana. A palavra para ele é “Gênio”. Olhaí:


Contam que Pantufo, Rei da Cizânia, Imperador das Angulares (a Pequena e a Grande), do Alto e Baixo Fender e de todas as Rixas, tinha uma coleção de aves que piavam. Era a maior coleção de aves que piavam do mundo conhecido. E provavelmente do desconhecido também, se bem que deste se sabia pouco. Um dia chegaram a Nova Velha, capital da Cizânia (a Velha Velha fora destruída por um paroxismo), dois viajantes, Metatarso de Castro e Palpos de Aranha. Os dois se dirigiram ao palácio real e pediram uma audiência com o rei.
- De que se trata? – quis saber o custódio real.
- Sabemos que Sua Excrescência tem a maior coleção de aves que piam do mundo – disse Metatarso.
- É verdade – disse o custódio, olhando os forasteiros de balaio. – Todas as aves que piam do mundo estão na coleção do nosso rei.
- Todas não – plicou Palpos.
- Como não? – Replicou o custódio.
- Sabemos de aves raras que piam como nenhuma outra que não estão na coleção de Sua Indecência.
- E onde estão essas aves? – Triplicou o custódio.
- Só diremos para Sua Demência em pessoa.
Os dois foram levados à presença de Pantufo, que reclinava sobre um almoxarife, abanado por dezessete lupanares enquanto uma lêndea seminua coçava o seu estrôncio. A sala do trono era toda decorada de alvíssaras e rocamboles silvestres.
- Sim? – disse o Rei da Cizânia, mastigando uma véspera e cuspindo os cedilhas na mão de um limiar.
- Trazemos notícias de aves que piam como nenhuma outra – disse Metatarso, fazendo um salaminho.
- Aves de que Vossa Mumificiência jamais ouviu falar – completou Palpos, com um arrabal até o chão.
- Impossível – disse o rei, com suco de véspera correndo pela pauta e o jargão real. – Eu tenho todas as aves que piam do mundo.
- Vossa Ardência conhece a xerox emplumada?
- Xerox emplumada?
- É uma ave que nós descobrimos.
- E ela pia? – trucou o rei.
- Copia – retrucou Metatarso.
- Como é que eu não conheço essa ave? – disse o rei, olhando com sódio para Teflon, o caçador real. – Onde vocês a encontraram?
- Num lugar que só nós conhecemos, Vossa Carência. Na margem oposta de
um dos sete mares do vosso reino.
- Qual dos mares? O Mita, o More, o Racas, o Selhesa, o Fim ou o Condes Ferraz?
- Um desses – disse Palpos.
- Mmmm. Já vi tudo – disse Pantufo, coçando as bigornas. – Vocês querem alguma coisa em troca da informação. O quê? Digam que será seu.
- Bem, Vossa Displicência – disse Palpos -, somos viajantes solitários. Muita falta nos faz a companhia feminina, principalmente em noites de torresmo e barracas…
- Ah, quereis catimbas – disse o rei. – Pois escolham as que quiserem do meu catimbeiro.
- Preferimos escolher entre as suas filhas, Vossa Insuficiência.
O rei esbravejou chamando os viajantes de tudo, desde arrebóis até filhos de uma turbina, mas acabou concordando. Mandou chamar as filhas para que os viajantes escolhessem. Metatarso ficou com Ampola e Palpos com Lentilha, as mais encarnadas de todas.
- Agora digam onde estão essas aves que piam como nenhuma outra.
- Bem – disse Metatarso -, vossas filhas tem hábitos caros, Vossa Decadência.
Como conseguiremos mantê-las felizes, comprar picuinhas, aleivosias…
- Está bem – interrompeu o rei. – Vocês terão uma renda vitalícia de um milhão de dolos por mês. Terei de aumentar os impostos, mas o povo compreenderá.
Agora, vamos às aves!
No dia seguinte, partiu a armada real, dez bulhufas escanhoadas e uma bulhufa-apitânia, entre gritos dos seus comanches:
- Arrebitar o vetusto!
- Suspender o bilboquê de açafrão e o lume da alcatra!
- Pinicar a espátula e dobrar o macambúzio!
Durante a viagem, Pantufo não parava de pedir mais informações sobre as aves que encontrariam.
- Há a “voiyeur de nuit” – disse Metatarso.
- E ela pia? – torquiu o rei.
- Espia – retorquiu Metatarso.
- Há a piorra azul – disse Palpos.
- E ela pia?
- Rodopia.
- E a clínica do banhado.
- Ela pia?
- Terapia.
- Não podemos esquecer o marrecão larápio.
- Ele pia?
- Surrupia.
- E as cócegas selvagens…
- Elas piam?
- Arrepiam.
A armada real levou dois anos para atravessar seis mares, com Metatarso e Palpos seu milhão de dolos por mês e entregando-se, todas as noites, a longas lengas e intermináveis charnecas com Ampola e Lentilha. Finalmente chegaram à margem oposta do Mar Condes Ferraz e desceram à terra. Mas não encontraram aves que piavam como nenhuma outra.
- Onde estão as aves? – Quis saber Pantufo.
- Já sei o que houve, Vossa Dissidência – disse Palpos. – Esta não é a margem oposta.
- Claro – disse Metatarso. – A margem oposta fica do outro lado.
E lá se foi, de novo, a armada real.
- Arrematar as polpas de antanho!
- Acinturar a sirigaita maior!
Contam que a armada real está navegando até hoje, pois a margem oposta sempre muda, misteriosamente, de lado. Apesar dos gritos do Rei Pantufo:
- Bando de conúbios!
- Caramanchões de uma pipa!
- Arras cuneiformes!

E a todas estas o povo pagando impostos.


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