quarta-feira, 30 de julho de 2014

HISTÓRIAS DO DIGÃO - PARTE III


A VACA VOADORA

Essa história é muito, muito inverossímil, embora ele jurasse que aconteceu mesmo. Mas é uma das melhores contadas por aquele velho maluco.

O Digão trabalhou em obras durante muitos anos, a maior parte do tempo fora das capitais. Uma dessas obras foi a construção de um trecho de estrada no norte do Brasil, bem no meio da selva, ligando, se não me engano, Porto Velho a Rio Branco.

Segundo ele, o acesso inicial ao local era feito de barco. Os equipamentos pesados, provavelmente transportados por balsa, abriram uma clareira na floresta, que logo deu lugar a uma pista de pouso. A empresa tinha um avião DC-3 ou Constelation, adaptado para o transporte de carga. Assim, a porta se abria para dentro do avião, sabe lá Deus por qual motivo. O piloto, meio aloprado, havia sido demitido de uma das companhias da época (Panair, Real ou outra qualquer).

A obra transcorria dentro da normalidade, exceto por um detalhe: a carne servida aos operários era necessariamente salgada, charque. Depois de um tempo, começaram as reclamações, pois ninguém mais aguentava comer todo dia essa carne.

A primeira solução encontrada foi contratar um caçador que, apesar de estarem na selva, só conseguia trazer macacos, cobras, coisas assim. Segundo o Digão, um macaco limpo (sem os pelos, sei lá), lembra muito uma criança recém nascida. Já viu que devia ser uma maravilha de se preparar ou comer, não é?

O fato é que o abastecimento de carne era um problema real. Surgiu então a ideia de comprar algumas cabeças de gado, deixadas em Rio Branco ou Porto Velho. Na medida da necessidade, os bois eram abatidos e a carne levada para a obra no DC-3. Entretanto, devido a algum problema, às vezes o voo atrasava. Assim, quando a carne chegava ao local da obra era jogada fora, pois já estava esverdeada e cheirando mal, provavelmente devido ao calor e falta de refrigeração.

Aí, surgiu a solução definitiva: levar o boi vivo para a obra. Para isso, o boi era colocado em um cercado improvisado, feito com uma espécie de rede usada para prender a carga dentro do avião. Chegando à obra, o boi era abatido, esquartejado, desossado e tudo o mais que é necessário para um cristão poder comer carne fresca.

Pela paixão que tinha por aviões, quase todas as vezes que havia voo para buscar alguma coisa, o Digão ia junto. Segundo ele, foi assim, nessas viagens e graças ao piloto aloprado, que aprendeu a pilotar o DC-3, sem, no entanto, decolar ou aterrissar.

Em uma dessas aconteceu o caso da vaca. A viagem transcorria normalmente, com a vaca presa na rede, até que apareceu um “CB”, um cumulus nimbus, que é uma nuvem com intensa turbulência interna segundo meu amigo.

O piloto ainda tentou contornar a nuvem, mas o avião começou a balançar muito. Com isso, a vaca começou a ficar agitada e tentando se desvencilhar da rede que a prendia. O piloto começou a dar ordens:

– Acalma essa vaca!

E o avião chacoalhando e a vaca cada vez mais agitada. E o piloto ainda mais agitado:

– Acalma essa vaca aí, pô!!

Os poucos passageiros tentavam acalmar o animal, mas a situação estava realmente preta, com grande risco para todos. Decidiram que a vaca deveria ser jogada para fora do avião.

O fato é que utilizaram a tal rede para fazer um corredor até a porta do avião (que abria para dentro, como já dito antes). Uns puxavam, outros empurravam e a vaca foi chegando perto da porta. E o piloto, já possesso:

– Joga essa vaca pra fora!!!

E eles lá, tentando:

– Vai, neguinha, vai!!!

Mas a vaca empacou perto da porta, provavelmente assustada com o barulho do vento e do avião. Tentaram empurrar, mas nada. E o piloto, já histérico:

– JOGA ESSA VACA PRA FOORA!!!!!!!

Aí, alguém teve a ideia salvadora: tirou um punhal ou peixeira e espetou na bunda da vaca que, mugindo de dor, saltou, melhor dizendo, voou pela porta afora. Nesse ponto, enquanto literalmente chorávamos de rir com a história, o Digão emendou, a título de gozação:

– Não sei se é verdade, mas dizem que até hoje tem lá uma tribo que adora uma vaca que caiu do céu.

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