terça-feira, 29 de julho de 2014

HISTÓRIAS DO DIGÃO - PARTE II


O CONTO DA MEMÓRIA

O Digão era muito culto e um ótimo contador de casos, sempre dizia coisas interessantes e era particularmente bom no que se conhece como “cultura inútil”. Nas conversas diárias sempre saía algum assunto curioso, precedido pelo vocativo – “Aqui, você viu...?”. Quando o assunto foi “memória”, gabou-se de ter uma excelente para números, sendo capaz de lembrar com facilidade quinze ou mais algarismos. O Anísio ironizou – “Qualé, Véio, você não lembra nem quando nasceu!..”

Seguiu-se uma animada discussão sobre a forma utilizada por ele para guardar números – “É tudo uma questão de ritmo”, disse, batendo ritmadamente a mão na mesa. Questionado sobre isso, comentou que no início da humanidade, ainda na ausência de escrita, os ensinamentos religiosos eram divulgados oralmente, de forma cantada e cadenciada, mais fácil de memorizar. A explicação me pareceu fascinante, totalmente lógica e, claro, fruto de uma grande cultura. Aí ele propôs um teste para demonstrar sua “incrível” memória
.
– Escreve aí qualquer número, que eu vou ler e memorizar, disse para o Anísio.

Condescendente, o Anísio sugeriu que ele mesmo escrevesse os algarismos. Para empatar, ele foi ditando os algarismos e o Anísio anotando. De vez em quando perguntava quantos já tinham sido escritos. Quando chegou a vinte, parou. Olimpicamente, pegou o papel, leu-o por alguns minutos e o devolveu para meu colega. Em seguida, batendo cadenciadamente a mão na mesa, começou:

– 2 71 82 81 14 15 92 65 35 26 14

Meu colega, com um sorriso irônico, comentou que o número estava correto.

– Eu posso guardar esse número por, pelo menos, um mês, diz o Digão, exultante. 

Encantado com esse prodígio de memória peguei o papel e pedi que repetisse. E ele, satisfeito, repetiu tudo sem errar: – “2 71 82”...

No dia seguinte, o Anísio refez o teste e ele acertou na mosca. Aí eu comecei a fazer propaganda de sua memória com os outros engenheiros. Uma semana depois, eu já contava esse feito extraordinário para os gerentes. Um mês depois, eu contei para o diretor. 

Ao ficar sabendo disso, o Digão e o Anísio começaram a rir descontroladamente. Sem entender nada, perguntei o que estava acontecendo:

– Isso é uma brincadeira! Eu não tenho memória nenhuma. Esses números são o número e (base dos logaritmos neperianos), seguido pelo número PI com 10 algarismos e mais o telefone lá de casa, sem o prefixo.

– Filhos da puta!!!!! Eu fiz a maior propaganda de sua memória, seu bosta! Agora, eu não acredito em merda nenhuma que você contar.

E tome xingamentos do otário aqui e tome risadas da parte dos cúmplices no conto da memória

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