quarta-feira, 2 de novembro de 2022

TUTTI BUONA GENTE

 
“La Terra gira intorno al sole”. Assim declarou Galileo Galilei ao contestar o geocentrismo aprovado e defendido pela igreja da época. Só não foi gratinado por ter-se retratado da “heresia”. Dizem que depois murmurou “eppur si muove”, mas isso deve ser uma fake news histórica porque, pensem comigo, se o sujeito decidiu renegar sua teoria por não querer sua pele pururucada, iria dar mole de dizer “e no entanto ela se move”? Todos sabemos que quem tem cu tem medo. E ele certamente teve.
 
Maaas, “deixando a profundidade de lado” o que importa saber é que os sábios da época criaram equações super complexas para tentar explicar o movimento errático dos outros planetas em relação à Terra. Que significa isso? Que quando alguém tem uma crença profunda, pouco importa se essa crença se baseia na realidade ou na mais delirante fantasia; que quando alguém acredita profundamente em alguma mentira é mais fácil criar uma teoria louca para justificar sua crença que aceitar o próprio erro e mudar de opinião. Essa é a essência das fake news.
 
Mas um leitor mais impaciente poderá se perguntar o que estou querendo dizer. E eu respondo: estou tentando dizer que há verdades tão insuportáveis para algumas pessoas que elas não se importam em agredir valores que acreditam defender só para tentar mudar uma situação que as incomoda e que não aceitam. Precisam mentir? Mentem. Precisam fechar os olhos para dados e informações reais de que discordam? Fecham. Precisam acreditar em meias verdades, fake news e mentiras grosseiras divulgadas por pura má-fé? Acreditam.
 
Pude comprovar isso quando precisei tirar xerox de um documento. Enquanto esperava minha vez, o assunto “eleições” surgiu entre as pessoas à espera de atendimento. Foi quando um senhor humilde disse desconfiar dos resultados pois “o Lula teve 95% dos votos no nordeste” e que estariam “desenterrando cadáveres para constar como eleitores” (do Lula, naturalmente). Não me contive e perguntei de onde tinha tirado aquela maluquice. Ficou sem graça e respondeu que “tinha ouvido falar”.

Estar sempre fazendo contas, comparando dados, calculando percentagens é um hábito antigo ou vício que tenho. Por isso, resolvi calcular o índice de aprovação do Bolsonaro a partir dos dados de votação no segundo turno. Pelos dados oficiais finais obtidos fica a constatação inquestionável de que apenas 37,2% do total de eleitores votou no atual presidente. Obviamente, esse número não significa que o Lula teve aprovação irrestrita do restante do eleitorado. Reiterando, esse número significa apenas que 98,2 milhões de eleitores acharam que não era boa a ideia de reeleger o Bolsonaro.

Isso deveria ser lembrado a todos os delinquentes que fecharam estradas e avenidas e pediram intervenção militar por discordar da eleição do Lula. Eu preferia a Simone Tebet, mas isso não é motivo para sair por aí chutando latas de lixo e agredindo quem não pensa como eu. Olha a tabelinha com os dados finais do segundo turno:
 
Em que país desejamos viver se não somos capazes de aceitar as escolhas da maioria da população? Ontem, em uma zona nobre de BH centenas de pessoas bloquearam o trânsito de uma avenida super movimentada que dá acesso a um dos grandes hospitais da cidade. As mais exaltadas pediam intervenção militar. O lugar escolhido para essa manifestação foi coincidentemente em frente à entrada de uma unidade do exército.
 
Vendo pela televisão aqueles senhores respeitáveis que passeiam com seus cãezinhos e aquelas senhoras piedosas que ajudam no bazar beneficente de suas igrejas, todos tão religiosos, todos tão tementes a Deus saindo às ruas e fazendo bloqueios em avenidas movimentadas para manifestar sua indignação, inconformismo e dúvida sobre a credibilidade do resultado adverso das eleições para alguém que foi responsável direto pela morte evitável de milhares de pessoas pela Covid-19 (algumas dessas vítimas talvez até seus familiares e amigos), eu não posso deixar de me lembrar de um verso da música do Chico Cesar que diz “Deus me proteja de mim e da maldade de gente boa”.
 
Quando alguém manifestava sua discordância em relação ao Bolsonaro muitas vezes deve ter ouvido a frase idiota “Então vá para Cuba” ou sua variante “Vá para a Venezuela”. O que dizer agora para os caminhoneiros e pessoas “de bem” que bloqueiam estradas e avenidas, sonhando com uma intervenção militar que impeça o Lula de assumir a presidência? Acho que deveriam ouvir isto:

"Quer intervenção militar? Então vá para a Rússia, pois parece que o Putin gosta muito disso!” 

Será que entenderiam?

2 comentários:

  1. Bom dia Jotabê, seu texto me fez recordar do dia em que fui ao hospital de Goiânia e vi que todas as lixeiras tinham um adesivo do bolsonaro, aquilo me fez rir à beça.

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