Como estão cansados de saber aqueles que
acessam com mais frequência este blog oportunista e picareta, encontrei uma vez em um site alemão
(!) um arquivo com a íntegra do delicioso livro “Duzentas Crônicas Escolhidas” do mestre Rubem Braga. Ele só tinha
um defeito: por ter sido escaneado em OCR, a troca de letras ou até de palavras
dificultava o envio para os amigos de algumas crônicas que me fizeram até babar
de alegria quando as li.
Recentemente resolvi encarar o trabalho insano de corrigir todo esse arquivo. Aproveitei também para formatar os textos e monitorar os parágrafos para que ficassem exatamente iguais aos do livro de papel que tenho aqui em casa. Bom, essa missão aproxima-se lentamente do final, pois faltam “apenas” 62 páginas para corrigir, de um total de 231.
Pois bem, uma das crônicas recentemente revisadas mostra que dá para fazer humor de qualidade até com palavras do dicionário. E foi isso que me motivou a publicá-la aqui no blog, pois meu recente amigo virtual EcT comentou estar “passando a admirar também o Rubem Braga”. Então, Conde, este post é dedicado a você.
Mas antes da crônica,
preciso contar um caso rápido: às vezes, quando estávamos coçando saco no trabalho, eu e
meu falecido colega e amigo Pintão começávamos a fazer comentários idiotas sobre
palavras desconhecidas que íamos lendo no Aurélio. Foi assim que eu descobri a
palavra “trebelhar”, que significa “brincar,
fazer traquinagens”, divertir-se. Disse então a ele (em mais um jogo de palavras
jotabélico) que quando não estávamos trabalhando, ficávamos trebelhando. E agora,
a crônica:
Ora, resolvi enriquecer o meu vocabulário e
adquiri o livro Enriqueça o seu
Vocabulário que o sábio Professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira fez,
reunindo o material usado em sua página de Seleções.
Afinal de contas nós, da imprensa, vivemos de palavras; elas são nossa matéria–prima e nossa ferramenta; pode até acontecer (pensei eu) que, usando muitas palavras novas e bonitas em minhas crônicas, elas sejam mais bem pagas. Confesso que não li o livro em ordem alfabética; fui catando aqui e ali o que achava mais bonito, e tomando nota. Aprendi, por exemplo, que a calhandra grinfa ou trissa, o pato gracita, o cisne arensa, o camelo blatera, a raposa regouga, o pavão pupila, a rola turturina e a cegonha glotera.
Tive algumas desilusões, confesso; sempre pensei que trintanário fosse um sujeito muito importante, talvez da corte papal, e mestre Aurélio afirma que é apenas o criado que vai ao lado do cocheiro na boléia do carro, e que abre a portinhola, faz recados, etc. Enfim, o que nos tempos modernos, em Pernambuco, se chama "calunga de caminhão”. E sicofanta, que eu julgava um alto sacerdote é apenas um velhaco. Cuidado, portanto, com os trintanários sicofantas!
Aprendi, ainda que Anchieta era um mistagogo e não um arúspice, que os pelos de dentro do nariz são vibrissas, e que diuturno não é o contrário do noturno nem o mesmo que diário ou diurno, é o que dura ou vive muito. Latíbulo, gigajoga, julavento, drogomano, algeroz... tudo são palavras excelentes que alguns de meus leitores, talvez não conheçam, e cujo sentido eu poderia lhes explicar, agora que li o livro; mas vejo que assim acabo roubando a freguesia de mestre Aurélio, que poderia revidar com zagalotes, ablegando-me de sua estima e bolçando-me contumélias pela minha alicantina de insipiente. Até outro dia, minhas flores.
Fevereiro, 1966
Recentemente resolvi encarar o trabalho insano de corrigir todo esse arquivo. Aproveitei também para formatar os textos e monitorar os parágrafos para que ficassem exatamente iguais aos do livro de papel que tenho aqui em casa. Bom, essa missão aproxima-se lentamente do final, pois faltam “apenas” 62 páginas para corrigir, de um total de 231.
Pois bem, uma das crônicas recentemente revisadas mostra que dá para fazer humor de qualidade até com palavras do dicionário. E foi isso que me motivou a publicá-la aqui no blog, pois meu recente amigo virtual EcT comentou estar “passando a admirar também o Rubem Braga”. Então, Conde, este post é dedicado a você.
Afinal de contas nós, da imprensa, vivemos de palavras; elas são nossa matéria–prima e nossa ferramenta; pode até acontecer (pensei eu) que, usando muitas palavras novas e bonitas em minhas crônicas, elas sejam mais bem pagas. Confesso que não li o livro em ordem alfabética; fui catando aqui e ali o que achava mais bonito, e tomando nota. Aprendi, por exemplo, que a calhandra grinfa ou trissa, o pato gracita, o cisne arensa, o camelo blatera, a raposa regouga, o pavão pupila, a rola turturina e a cegonha glotera.
Tive algumas desilusões, confesso; sempre pensei que trintanário fosse um sujeito muito importante, talvez da corte papal, e mestre Aurélio afirma que é apenas o criado que vai ao lado do cocheiro na boléia do carro, e que abre a portinhola, faz recados, etc. Enfim, o que nos tempos modernos, em Pernambuco, se chama "calunga de caminhão”. E sicofanta, que eu julgava um alto sacerdote é apenas um velhaco. Cuidado, portanto, com os trintanários sicofantas!
Aprendi, ainda que Anchieta era um mistagogo e não um arúspice, que os pelos de dentro do nariz são vibrissas, e que diuturno não é o contrário do noturno nem o mesmo que diário ou diurno, é o que dura ou vive muito. Latíbulo, gigajoga, julavento, drogomano, algeroz... tudo são palavras excelentes que alguns de meus leitores, talvez não conheçam, e cujo sentido eu poderia lhes explicar, agora que li o livro; mas vejo que assim acabo roubando a freguesia de mestre Aurélio, que poderia revidar com zagalotes, ablegando-me de sua estima e bolçando-me contumélias pela minha alicantina de insipiente. Até outro dia, minhas flores.
Fevereiro, 1966
Te desejo o mesmo, Fabiano. Aliás, te desejo mais, te desejo uma boa vida. Abraços.
ResponderExcluirNão sei se voltará à postagem do Qatar, mas respondi sobre a sua "sugestão" da burca ser proibida em países não islâmicos
ResponderExcluirAlguns países europeus, como a França, Bélgica e Suíça, já proíbem a burca em espaços públicos há algum tempo.
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/03/suica-segue-franca-belgica-e-austria-e-veta-burca-em-espacos-publicos.shtml
https://www.publico.pt/2021/05/01/p3/fotogaleria/maos-fora-hijab-protesto-contra-proposta-proibicao-veu-franca-406008
Sim, eu voltei e vi. Hoje eu comentei com um de meus filhos que não tenho a mínima vontade de visitar países que se vestem com roupas não ocidentais. A pior barreira não é a língua, são os costumes e a cultura. E não sei se notou, mas aquele mascotão alado me lembrou o bonecão de marshmallow do filme Os caça fantasmas.
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