Um amigo me enviou uma reportagem sobre
chuveiro elétrico antigo. Comecei a responder, mas resolvi resgatar mais um
pedaço de memória. Até porque, à medida que a idade avança, minha memória vai mesmo
ficando aos pedaços (duh!).
Eu, meus pais, meu irmão e depois minha irmã,
morávamos na casa de minha avó, pois meu pai era um sujeito falido. A casa de
minha avó era bem humilde e pequena para os nove filhos que moravam lá, mais
meu avô (separado), genro e netos. Então, ocupávamos um quarto de um dos
barracões (edículas) que foram sendo construídos para abrigar toda essa cambada.
Naquela época, era mais fácil tomar um “banho de
lua” que de chuveiro. Isso porque água no bairro era uma coisa rara, que vinha
só de vez em quando. Creio que isso era um drama comum a boa parte da cidade. Lembro-me
de ter ido inúmeras vezes com minha mãe e tias buscar água em uma casa em
ruínas, literalmente uma tapera, que ficava um quarteirão acima. Nessa casa de
imenso, arborizado e abandonado quintal, moravam duas famílias. Minha irmã tem
uma lembrança muito vívida dessa época, que transcrevo a seguir, tal como recebi:
Dessa
época eu me lembro bem, participei ativamente das "buscadas de água"
com minha latinha de leite, na casa do Seu Durvalino (ou Dorvalino?) e da D.
Maria (?). Tinha um certo receio de ir lá porque além de cachorros, uma vez vi
um ganso correr atrás de uma moça e fiquei com muito medo. Tinha também um
morador esquisito lá, grandão (pelo menos pra mim), manco e acho que meio
perturbado; uma vez o vi através de um buraco numa parede e concluí que ele
morava ali naquele lugar lúgubre e cavernoso, ou seja, deverasmente assustador.
Essas cenas seguramente tiveram influências marcantes nos meus pesadelos.
Lembro-me de outros moradores de lá, uma mulher escura, cega, com um montão de
filhos (nove) e o marido era um louro vermelho que parecia um alemão. Ela saía
sempre com uma criança no colo, uns maiorzinhos agarrados em sua saia e um dos
mais velhos fazendo às vezes de condutor. A filha mais velha se chamava Lila e
um desses mais velhos, talvez o segundo filho, tinha um nome que eu achava
muito interessante "Morice" (não era do francês Maurice e nem
"Morrice", era Morice mesmo). Coitada, acho que ela saía para pedir
auxílio.
A casa, embora em ruínas, sugeria ter sido
muito boa, pois tinha dois andares. Como o reboco tinha sido todo perdido, era
conhecida como “a casa de tijolos”. Talvez, no início do século XX, tivesse sido a chácara de algum sujeito abastado. Mas o boato mais interessante é que teria
sido a moradia de uma amante de um governador qualquer (isso serve para
constatar que mesmo que o tempo passe, algumas coisas nunca mudam). Por conta
disso, seria servida pela mesma água que abastecia o palácio. Se é verdade, não
sei. Detalhe: morávamos no Carlos Prates, longe pra caramba do bairro Funcionários (onde fica o palácio).
O que sei é que a vizinhança inteira buscava
água ali. Usava-se de tudo para buscar o preciosíssimo líquido: baldes, latões
de banha, garrafões de vidro, panelas de variados tamanhos, chaleiras, o diabo
a quatro. E havia fila, sempre.
Provavelmente, se confirmado o boato da
amante, essa água nem devia ser computada pelo DEMAE (ou outro órgão mais
antigo). Além disso, as casas não tinham hidrômetro e sim registro de pena
d'água.
A pena d'água é um limitador de vazão, pois estabelece
um limite máximo de entrada de água na residência. Agora, pensem bem, se quase sempre
na rede pública só existia ar, como fazer para abastecer uma caixa d’água?
Dureza, né? Um dia, meu avô resolveu o problema: como o tal registro ficava
enterrado ou quase isso, ele simplesmente o retirou, fez uma ligação direta.
Assim, quando chegava água no bairro, o reservatório da casa (na verdade, um
simples tambor de 200 litros) era cheio plenamente. Mutreta, sim, mas a conta
era fixa, pois não havia medição. Então...
Pois bem, além de nunca ter água na torneira,
o aquecimento era feito pelo sistema fogão de lenha – serpentina. Por isso, o
chuveiro era apenas uma ducha simples, já que a água viria (nunca veio)
aquecida pelo calor do fogão. É até pleonasmo dizer que esse chuveiro era absolutamente
inútil. Então, os banhos da minha infância eram banhos de bacia (em bacia mesmo
ou em uma banheira de ferro esmaltado), os conhecidos banhos “tchecos” ou
“checos” (checo, checo, checo).
Assim, não sei se
pelo crônico vazio da caixa d’água ou se pela idade da tubulação de ferro, o
fato é que, mesmo nas raras ocasiões em que havia água na caixa, eu nunca soube
o que era tomar um banho quente de chuveiro – até meu pai tomar uma providência
(não, ele não bebia cachaça): mandou fazer um artefato que ficava dependurado
no chuveiro inútil. Encontrei na internet a foto abaixo, que diz tudo. A diferença é que a lata que
usávamos era quadrada e tinha uma torneirinha antes da ducha.
O abastecimento
diário de água só ocorreu na minha adolescência. O fogão a lenha foi demolido,
as serpentinas foram retiradas e, para alegria de todos, foi instalado um
chuveiro elétrico, provavelmente um Lorenzetti. E fim.
(escrito em 06/10/2014)
* * * *
RE BANHO
O título do texto acima remete a um rock
antiquérrimo que fez muito sucesso no Brasil, cantado por Celly Campello. O
sucesso foi tanto que alguém fez uma paródia para essa música. Quem me ensinou
foi um amigo que faleceu de forma trágica.
Como uma homenagem a ele (e para que a letra
não se perca) aí vão a letra original (na verdade, uma versão do original
italiano) e a paródia:
Tomo um banho de lua,
Fico branca como a neve
Se o luar é meu amigo,
Censurar ninguém se atreve
É tão bom sonhar contigo,
Oh! Luar tão cândido
Sob um banho de lua,
Numa noite de esplendor
Sinto a força da magia,
Da magia do amor
É tão bom sonhar contigo,
Oh ! Luar tão cândido
Tim, tim, tim, raio de lua,
Tim, tim, tim,
Baixando vem ao mundo
Oh lua, a cândida lua vem
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Não tomo banho de água fria
Porque me dá muita alergia
Água quente também não
Que faz mal ao coração
Se eu me molho eu encurto
Ah, eu sou um gajo enxuto
Faz um mês tomei um banho
Me molhei mesmo de fato
Foi o meu segundo banho!
Acabo virando pato
Se eu me molho eu encurto
Ah, eu sou um gajo enxuto
Blim, blim, blão,
Água e sabão não é nada “bão”
Prefiro uma cachaça da boa
Pura ou com limão
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