Algum tempo atrás, nosso computador travou e
foi aquele corre-corre para arrumar. Para um dos técnicos consultados, havia
até a possibilidade de perda do HD. Felizmente, o problema era com o cooler,
que foi trocado. Se o HD tivesse se danificado, seria o caos, pois minha mulher
tem “milhares” de fotos, e-mails, arquivos com os mais diversos assuntos,
apostilas, etc., tudo guardado nesse computador. Eu tenho alguns textos,
planilhas de controle de gastos, filmes e muitos discos em arquivo mp3. Seria
muito ruim se esses arquivos fossem dados como perdidos.
Os nerds e outros (muito) aficionados por computador certamente recomendariam que se fizesse backup desses arquivos e coisa e tal. E é isso que faremos, pelo menos com arquivos mais preciosos.
Essa situação me fez lembrar de uma reportagem que vi anos atrás na Globo: uma determinada tribo brasileira estava virtualmente extinta, pois sua população estava resumida a uma única pessoa, uma índia velha. Pesquisadores de alguma faculdade estavam empenhados em preservar a língua dessa tribo. Para isso, gravavam a mulher falando consigo mesma. Nada mais triste, concordam?
Por isso, surge a pergunta: backup só vale para computador? Poderia ser feito um “backup” de vida, de memórias, de vivências, de lembranças? A resposta, obviamente, é “sim”, só que ninguém parece se preocupar muito com isso.
Há algum tempo, ouvi uma história sobre o desaparecimento de um retrato, que é de dar pena. O caso é o seguinte: minha sogra perdeu sua mãe biológica quando tinha apenas quatro anos. Seu pai casou-se de novo e ela teve a felicidade de ser criada pela madrasta como se fosse sua filha. Sorte é isso, pois, para ela, sua mãe de fato é ou foi aquela que a criou, a segunda esposa de seu pai. O fato curioso é que minha sogra só descobriu a verdade quando já tinha uns quinze anos.
Essa senhora (a mãe afetiva), pelos vários relatos que já ouvi sobre ela, deve ter sido realmente muito boa, pois até guardou para minha sogra um retrato de sua mãe biológica. Frisando: ela, minha sogra, tinha um único retrato de sua mãe biológica. Entretanto, em determinado momento de sua vida, creio que já casada, o retrato sumiu.
Não sei se minha sogra consegue lembrar-se das feições de sua mãe, tal como a viu no retrato. Mesmo que consiga, esse caso para mim é uma tristeza só (me faz lembrar a frase do WWF: “extinção é para sempre”), porque minha mulher, meus cunhados e meus filhos, netos e bisnetos dessa senhora, jamais saberão como era ela, com quem se parecia, etc.
Isso é importante? Cada parente terá sua resposta, individual, particular. Para mim, é. Hoje eu penso que uma pessoa comum “sobrevive” enquanto alguém ainda se lembra dela, enquanto ainda se podem ver seus vestígios de alguma forma. E é essa ideia que me fez pensar na necessidade de preservação adequada da memória.
Desde a infância, eu sempre me senti atraído pelo passado, mas nunca vi nisso nenhum saudosismo, até porque o passado que me atraia é muito, muito antigo. Acredito até que isso tenha a ver com um jeito meio infantil de ver o mundo, de me encantar com coisas para as quais a maioria das pessoas está pouco se lixando.
Ler sobre arqueologia, história antiga e coisas do gênero sempre me fez literalmente viajar. Imaginar como era o mundo no tempo dos dinossauros, dos trogloditas, do império romano, tudo isso sempre me fascinou.
Talvez alguém possa dizer que esse interesse pelo que passou – inofensivo, portanto – refletiria um medo de ser ferido ou atingido pelo presente ou pelo futuro. Sei lá, quem sabe? Mas o futuro também me atrai, só que o que existe mesmo são especulações, por mais embasadas que sejam, mesmo que venham se tornar realidade um dia. Mas, até que isso aconteça, são apenas previsões, especulações, exercícios de futurologia. Aliás, não tem nada mais ridículo ou engraçado do que previsões feitas alguns anos atrás. Algumas são tão equivocadas que parecem ter sido feitas por cartomantes.
Mas vamos falar do tema principal, “memória”, ou melhor, a preservação da memória das coisas, das pessoas, dos acontecimentos.
Eu sempre gostei muito de olhar fotografias, sempre achei interessantíssimo acompanhar o avanço do tempo, registrado em sucessivos retratos de pessoas conhecidas. Há também a possibilidade de “conhecer” pessoas falecidas há muito tempo, às vezes antes mesmo de eu nascer.
Na casa de minha mãe, ou melhor, de minha irmã, existem alguns retratos fantásticos: em um deles está a mãe de minha avó materna, já velhinha, velhinha. Em outro aparecem os pais de meu avô materno, ladeados por meu avô (seu filho) e por minha avó, ainda razoavelmente jovens.
Quando eu nasci, meus bisavós já tinham morrido. Então, não dá para pensar que eu tenho saudade de algum deles. Mas é um pouco perturbador olhar para essas fotografias e pensar que ali está uma parte do meu DNA.
Os nerds e outros (muito) aficionados por computador certamente recomendariam que se fizesse backup desses arquivos e coisa e tal. E é isso que faremos, pelo menos com arquivos mais preciosos.
Essa situação me fez lembrar de uma reportagem que vi anos atrás na Globo: uma determinada tribo brasileira estava virtualmente extinta, pois sua população estava resumida a uma única pessoa, uma índia velha. Pesquisadores de alguma faculdade estavam empenhados em preservar a língua dessa tribo. Para isso, gravavam a mulher falando consigo mesma. Nada mais triste, concordam?
Por isso, surge a pergunta: backup só vale para computador? Poderia ser feito um “backup” de vida, de memórias, de vivências, de lembranças? A resposta, obviamente, é “sim”, só que ninguém parece se preocupar muito com isso.
Há algum tempo, ouvi uma história sobre o desaparecimento de um retrato, que é de dar pena. O caso é o seguinte: minha sogra perdeu sua mãe biológica quando tinha apenas quatro anos. Seu pai casou-se de novo e ela teve a felicidade de ser criada pela madrasta como se fosse sua filha. Sorte é isso, pois, para ela, sua mãe de fato é ou foi aquela que a criou, a segunda esposa de seu pai. O fato curioso é que minha sogra só descobriu a verdade quando já tinha uns quinze anos.
Essa senhora (a mãe afetiva), pelos vários relatos que já ouvi sobre ela, deve ter sido realmente muito boa, pois até guardou para minha sogra um retrato de sua mãe biológica. Frisando: ela, minha sogra, tinha um único retrato de sua mãe biológica. Entretanto, em determinado momento de sua vida, creio que já casada, o retrato sumiu.
Não sei se minha sogra consegue lembrar-se das feições de sua mãe, tal como a viu no retrato. Mesmo que consiga, esse caso para mim é uma tristeza só (me faz lembrar a frase do WWF: “extinção é para sempre”), porque minha mulher, meus cunhados e meus filhos, netos e bisnetos dessa senhora, jamais saberão como era ela, com quem se parecia, etc.
Isso é importante? Cada parente terá sua resposta, individual, particular. Para mim, é. Hoje eu penso que uma pessoa comum “sobrevive” enquanto alguém ainda se lembra dela, enquanto ainda se podem ver seus vestígios de alguma forma. E é essa ideia que me fez pensar na necessidade de preservação adequada da memória.
Desde a infância, eu sempre me senti atraído pelo passado, mas nunca vi nisso nenhum saudosismo, até porque o passado que me atraia é muito, muito antigo. Acredito até que isso tenha a ver com um jeito meio infantil de ver o mundo, de me encantar com coisas para as quais a maioria das pessoas está pouco se lixando.
Ler sobre arqueologia, história antiga e coisas do gênero sempre me fez literalmente viajar. Imaginar como era o mundo no tempo dos dinossauros, dos trogloditas, do império romano, tudo isso sempre me fascinou.
Talvez alguém possa dizer que esse interesse pelo que passou – inofensivo, portanto – refletiria um medo de ser ferido ou atingido pelo presente ou pelo futuro. Sei lá, quem sabe? Mas o futuro também me atrai, só que o que existe mesmo são especulações, por mais embasadas que sejam, mesmo que venham se tornar realidade um dia. Mas, até que isso aconteça, são apenas previsões, especulações, exercícios de futurologia. Aliás, não tem nada mais ridículo ou engraçado do que previsões feitas alguns anos atrás. Algumas são tão equivocadas que parecem ter sido feitas por cartomantes.
Mas vamos falar do tema principal, “memória”, ou melhor, a preservação da memória das coisas, das pessoas, dos acontecimentos.
Eu sempre gostei muito de olhar fotografias, sempre achei interessantíssimo acompanhar o avanço do tempo, registrado em sucessivos retratos de pessoas conhecidas. Há também a possibilidade de “conhecer” pessoas falecidas há muito tempo, às vezes antes mesmo de eu nascer.
Na casa de minha mãe, ou melhor, de minha irmã, existem alguns retratos fantásticos: em um deles está a mãe de minha avó materna, já velhinha, velhinha. Em outro aparecem os pais de meu avô materno, ladeados por meu avô (seu filho) e por minha avó, ainda razoavelmente jovens.
Quando eu nasci, meus bisavós já tinham morrido. Então, não dá para pensar que eu tenho saudade de algum deles. Mas é um pouco perturbador olhar para essas fotografias e pensar que ali está uma parte do meu DNA.
Uma de minhas tias tem uma fotografia de seu avô materno sentado ao lado de sua
segunda esposa - minha bisavó, ainda nova - e ladeado pela filharada que teve nos
dois casamentos. Para mim esses retratos tem quase tanto valor quanto pequenos
achados arqueológicos.
Dos parentes de meu pai quase nada existe de registros fotográficos, pelo menos na antiga casa de minha mãe. Mesmo assim, há algumas coisas incríveis (para mim, claro). A família de meu pai tinha um comportamento bizarro, uma espécie de pudor, que eu sempre achei esquisito: quando meus tios Chiquinho e Delvaux adoeceram para morrer, só os irmãos entravam no quarto, ninguém mais. Eu era criança quando morreram e não me lembrava de como eram. Talvez eu tivesse uns cinco anos quando o primeiro morreu. No segundo, eu devia ter uns onze anos.
Só pude saber como eram muito tempo depois (já casado) pelos retratos 3 x 4 que meu pai ganhou de sua irmã. E lá estavam eles, familiares na lembrança de casos contados, mas desconhecidos nas feições que os retratos congelaram.
Em dias de muito sol, em uma rua ou avenida, quando olhamos alguma coisa que está à distância, às vezes percebemos certa deformação da imagem, causada pelo calor que emana do asfalto quente, como se fosse uma miragem. Para mim, a graça da fotografia é justamente essa: quando vemos retratos muito antigos ou de pessoas falecidas é como se também pudéssemos ver o tempo se movendo, como as imagens distorcidas pelo calor.
Muitas pessoas não têm a sorte de ter retratos antigos de suas famílias ou até delas próprias. Quando eu era criança (para não ir mais longe), tirar retrato devia ser uma coisa muito mais complicada do que hoje. Complicada e cara, porque nem todo mundo tinha câmera fotográfica, flash era coisa de fotógrafo profissional e não havia a possibilidade de uma foto existir sem ter sido revelada. Essas, provavelmente são as causas de existirem tão poucos retratos antigos de pessoas ou famílias inteiras.
Hoje, ao contrário, há uma banalização das fotos, tiradas com celulares, tablets e até mesmo com câmeras(!). Mas eu me pergunto se essas fotografias são guardadas. Provavelmente, não, tal a facilidade com que são obtidas, tal a profusão de retratos tirados. Falar em impressão desse material, então, nem pensar. O curioso, o lamentável nessa situação é que as lembranças se perdem também. Se antes havia a escassez e, consequentemente, a dificuldade na preservação dessa memória, agora existe o mesmo risco, só que causado pela facilidade e abundância de recursos.
Hoje eu penso que as pessoas deveriam tentar preservar o máximo de lembranças e memórias, mesmo que seja apenas por prazer pessoal. Não se trata aqui de guardar quinquilharias nem de desejar que as pessoas vivam no passado. Não é isso. Talvez esteja advogando em causa própria, mas tentar preservar imagens, sons, vozes de pessoas queridas, de parentes, tentar contar seus casos, suas lembranças é dar a chance aos eventuais descendentes da segunda geração em diante de conhecer uma parte de sua história, da origem de seu DNA.
Outra coisa: se gostar de olhar retratos antigos é apenas sinal de saudosismo, olhar a foto de um “filé à parmegiana” indica o que? Saudade do boi? (sinceramente, este texto estava bem melhor sem esse tipo de piadinha sem graça, mas eu não consegui resistir. Por isso, é melhor encerrar por aqui).
Dos parentes de meu pai quase nada existe de registros fotográficos, pelo menos na antiga casa de minha mãe. Mesmo assim, há algumas coisas incríveis (para mim, claro). A família de meu pai tinha um comportamento bizarro, uma espécie de pudor, que eu sempre achei esquisito: quando meus tios Chiquinho e Delvaux adoeceram para morrer, só os irmãos entravam no quarto, ninguém mais. Eu era criança quando morreram e não me lembrava de como eram. Talvez eu tivesse uns cinco anos quando o primeiro morreu. No segundo, eu devia ter uns onze anos.
Só pude saber como eram muito tempo depois (já casado) pelos retratos 3 x 4 que meu pai ganhou de sua irmã. E lá estavam eles, familiares na lembrança de casos contados, mas desconhecidos nas feições que os retratos congelaram.
Em dias de muito sol, em uma rua ou avenida, quando olhamos alguma coisa que está à distância, às vezes percebemos certa deformação da imagem, causada pelo calor que emana do asfalto quente, como se fosse uma miragem. Para mim, a graça da fotografia é justamente essa: quando vemos retratos muito antigos ou de pessoas falecidas é como se também pudéssemos ver o tempo se movendo, como as imagens distorcidas pelo calor.
Muitas pessoas não têm a sorte de ter retratos antigos de suas famílias ou até delas próprias. Quando eu era criança (para não ir mais longe), tirar retrato devia ser uma coisa muito mais complicada do que hoje. Complicada e cara, porque nem todo mundo tinha câmera fotográfica, flash era coisa de fotógrafo profissional e não havia a possibilidade de uma foto existir sem ter sido revelada. Essas, provavelmente são as causas de existirem tão poucos retratos antigos de pessoas ou famílias inteiras.
Hoje, ao contrário, há uma banalização das fotos, tiradas com celulares, tablets e até mesmo com câmeras(!). Mas eu me pergunto se essas fotografias são guardadas. Provavelmente, não, tal a facilidade com que são obtidas, tal a profusão de retratos tirados. Falar em impressão desse material, então, nem pensar. O curioso, o lamentável nessa situação é que as lembranças se perdem também. Se antes havia a escassez e, consequentemente, a dificuldade na preservação dessa memória, agora existe o mesmo risco, só que causado pela facilidade e abundância de recursos.
Hoje eu penso que as pessoas deveriam tentar preservar o máximo de lembranças e memórias, mesmo que seja apenas por prazer pessoal. Não se trata aqui de guardar quinquilharias nem de desejar que as pessoas vivam no passado. Não é isso. Talvez esteja advogando em causa própria, mas tentar preservar imagens, sons, vozes de pessoas queridas, de parentes, tentar contar seus casos, suas lembranças é dar a chance aos eventuais descendentes da segunda geração em diante de conhecer uma parte de sua história, da origem de seu DNA.
Outra coisa: se gostar de olhar retratos antigos é apenas sinal de saudosismo, olhar a foto de um “filé à parmegiana” indica o que? Saudade do boi? (sinceramente, este texto estava bem melhor sem esse tipo de piadinha sem graça, mas eu não consegui resistir. Por isso, é melhor encerrar por aqui).
data original 10/07/2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário