Segundo a Wikipédia, o título deste post é a
maior palavra da língua portuguesa. Um palavrão, portanto.
Em 2003 encaminhei um texto erroneamente
atribuído ao Millor Fernandes – muito engraçado e cheio de palavrões – para um
ex-chefe mala que, de tão pedante que era, usava linguagem escrita
para falar. Em resposta ao envio despreocupado do texto de humor, começou a me
provocar com perguntas sem fim, durante uns três ou mais meses. Eram e-mails
quase diários, escritos em linguagem empolada, pernóstica, cheia de traças e
teias de aranha. E eu respondia do mesmo jeito pedante, um pouco para
mimetizá-lo, um pouco por esnobismo mesmo (fui colega do príncipe Charles,
pô!).
Como o assunto deste texto é o uso de palavrões, resolvi transcrever algumas dessas respostas (resgatadas de backups antigos) – verdadeiras pérolas de pedantismo – que dei sobre esse assunto. De lá para cá a coisa mudou. Aliás, aproveito para deixar claro que todas as coisas que escrevo hoje utilizam – por opção pessoal – uma linguagem coloquial, frequentemente mal educada e sem modos. A mim causam mais desconforto os erros de gramática que cometo do que as palavras de baixo calão que eu possa utilizar.
Assim, feitos os devidos esclarecimentos,
vamos ao resgate de reflexões em estilo que a revista Veja classificaria
de “pedestre”.
Não sou antropólogo, sociólogo,
psicólogo ou teólogo. Longe de mim, portanto, o “logos”. Sou apenas um pobre
engenheiro (cujo sufixo também se aplica a atividades mais prosaicas e carentes
de uma atividade intelectual mais efervescente – ferreiro,
carpinteiro, marceneiro, pedreiro e outros). Como tenho baixa autocrítica,
vivo “teorizando” e “refletindo” sobre coisas que não entendo bem. No duro, no
duro, sou apenas um simplório, um matuto que tenta se passar por ladino.
Sobra-me atrevimento, faltam-me “engenho e arte”. (12/09/2003)
Penso que há um vigor nas palavras de
baixo calão que as ditas “eufônicas” não têm. As palavras chulas “gritam”,
enquanto aquelas recomendadas pelas boas maneiras apenas “sussurram” ou dizem à
meia voz. Essas palavras carregam em si uma “energia potencial” muito grande,
uma força expressiva bruta de tal forma, que, ao serem usadas, liberam emoção
pura, quase atômica. Fico pensando que por dizerem respeito a comportamentos ou
secreções (excreções?) orgânicas que a sociedade acostumou-se a esconder,
condenar ou evitar – por puramente animais e instintivos (longe, portanto, da
razão) – acabam funcionando como catarse. Essa força explosiva que carregam
quando usadas agressivamente, acaba sendo preservada mesmo quando utilizadas de
forma amistosa ou ironicamente. Acho que é por aí. (12/09/2003)
Por morarmos na rua principal de
acesso e saída do bairro, por onde passavam carros, ônibus e bondes, eu e meu
irmão permanecemos muito tempo presos em casa, até quase o final da infância,
pois não podíamos sair sem a companhia de adultos nem brincar nos campos de
futebol de várzea próximos de nossa casa, tal como fazia a molecada da
vizinhança. Um dia, quando meu irmão já estava autorizado a sair sozinho pelas
proximidades, fui com ele a algum lugar. Ao passar perto de dois meninos que
discutiam, ouvimos um deles soltar um “filho da puta!”. Aquilo me mesmerizou,
hipnotizou, pois era uma expressão tabu. Virei para meu irmão e disse “você viu
o que o Alvinho falou? Ele disse F.P.!!!” Olha que coisa
ridícula e hipócrita! Eu nem sonhava saber o significado de “puta”, mas sabia
que aquilo era um palavrão. Se eu tivesse ficado calado, tudo bem, mas sempre
me lembro e me impressiono com a hipocrisia e a carga de repressão sobre uma
criança de sete ou oito anos contidas nesse episódio.
Devo dizer que se enganam os que acreditam
que eu sou um apologista da linguagem “boca suja”. Não sou (de verdade!). Como
tenho temperamento de camaleão, me expresso de acordo com o ambiente em que
estou. Por exemplo, se estiver conversando com um padre, é só ora pro
nobis pra lá, aleluia pra cá e amém (bazinga!).
E quando converso com pessoas mais velhas que eu (o que está cada vez mais
difícil de acontecer) jamais falo um palavrão, pois entendo que devo respeitar
a diferença de comportamentos aprendidos em épocas distintas. É o caso de minha
sogra.
Mas há outros exemplos: logo depois de
formado, fui admitido em uma empresa onde trabalhavam sete irmãos
do dono. Para complicar mais, esse sujeito era sobrinho de bispo, irmão de
freira e pai de padre. Apesar de gente finíssima, era um mega carola. Assim,
nos três anos em que trabalhei lá, fiquei sem dizer um único palavrão no
horário de trabalho. Em compensação, no emprego seguinte, encontrei um
ambiente barra pesada onde casos de orgias e bacanais (no popular, surubas) eram
alegremente contados pelos diretores e gerentes. Resultado: destravei a língua
de uma vez só (mas nunca participei das putarias). Em minha defesa, posso
dizer que mesmo usando às vezes uma linguagem de deixar carroceiro orgulhoso,
apenas tento não cair na profundidade rasa de muito texto que leio por aí. Xô,
hipocrisia!
A título de conclusão, reservei outra
“reflexão” dirigida ao antigo chefe mala.
Para mim, mesmo que não seja de bom
tom, falar palavrões é uma coisa meio catártica. Funcionariam como um
fio-terra, colocando-nos de novo em contato com a Mãe Natureza. Penso que as
palavras “fortes” nos provocam um safanão cerebral, devolvem-nos (ainda que
inconscientemente) a percepção do que efetivamente somos: animais com processos
cerebrais mais evoluídos, mas animais (e, por isso, instinto puro), em última
análise. Eufemisticamente, diria que os palavrões e palavras correlatas são
como que “rugidos e rosnados”. (15/09/2003)
Hoje, se recebesse um e-mail de alguém com as
bobagens empoladas que escrevi há mais de dez anos (claro,
depois de passado o susto ao ler esse lixo), eu ficaria tentado a
responder de forma cautelosa, elegante e fleumática, digitando:
– Você pode até não "arquivar", mas está deixando "a gaveta aberta".
Escrito em 11/12/2014
Que coincidência, meu caro!
ResponderExcluirEntão você também foi colega do príncipe Charles? Como esse mundo é pequeno. Quando encontrar com ele, pergunte se ele se lembra de mim. Deve lembrar, porque quando éramos pequenos eu dava cola para ele. Bons tempos.
A propósito: não se preocupe com aquele post. Todos nós erramos de vez em quando.
Eu fui colega, mas não da mesma classe (até porque meu colégio não tinha classe nenhuma). Estudávamos em colégios co-irmãos, ele em Londres e eu no Ginásio Afonso Arinos, em BH. mandei muitas cartas para ele,mas elas sempre eram devolvidas (creio que por minha caligrafia ilegível).
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