sexta-feira, 29 de setembro de 2023

DOAÇÃO DE EMOÇÕES

No dia 27 de setembro é celebrado o Dia Nacional da Doação de Órgãos. Considero a doação de órgãos o último ato de nobreza e de solidariedade que alguém poderia ter. Gostaria de doar meus órgãos! Gostaria que meus filhos concordassem com esse meu desejo. Quais órgãos poderiam ser doados? Rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado e córneas?
 
Creio que nem todos poderiam ser doados, como é o caso de meu fígado: apesar de nunca ter sobrecarregado esse órgão com a ingestão de tonéis e mais tonéis de cerveja ao longo da vida, fiz alguma coisa parecida ao consumir leite com achocolatado em quantidade tão alta que fez um ex-colega perguntar se eu tinha algum tipo de comércio ao me flagrar com 120 litros de leite e seis quilos de toddy em um carrinho de supermercado. Fiquei um pouco constrangido ao dizer que aquele era o consumo previsto para um mês. Resultado: esteatose hepática.
 
Mas os outros órgãos seriam uma boa doação? Uma doação útil para quem receber uma parte de mim? Sou idoso, tenho setenta e três mal/bem vividos anos e temperamento um pouco romântico e sonhador. Por isso, pergunto mais uma vez: meus órgãos seriam realmente uma boa doação?
 
Meu coração, por exemplo, funcionaria bem no peito de outra pessoa depois de ter se sobressaltado tantas vezes, de ter quase explodido pela expectativa daquele primeiro encontro? Ou de sempre bater mais acelerado movido ora pelo medo, ora pelo ódio ou paixão?
 
E os pulmões, ainda seriam úteis depois de tantos suspiros  de alívio, decepção, tristeza ou esperança pela vida afora? Mas, principalmente, já instaladas nos olhos de alguém, as córneas se iluminariam ao cruzar com o olhar de alguma paixão antiga e nunca totalmente esquecida?
 
Não, acho que não, essa memória, essas emoções nunca serão transplantadas para ninguém! 

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MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4