Quando você nasceu eu tinha 32 anos. Em todo esse tempo de convivência você ensinou-me
muitas coisas, tão mais surpreendentes quanto mais novo você era. Além dos
ensinamentos, mais adequados a um velho monge zen-budista, você me proporcionou
experiências indescritíveis. Como a que tive ao assistir seu nascimento, pois o
seu parto foi o primeiro dos dois que assisti. Pegar você no colo,
imediatamente após o corte do cordão umbilical, e levar para as enfermeiras que
iriam dar sequência aos procedimentos próprios do momento, foi muito, muito emocionante.
Sendo quatro anos
mais novo que seu segundo irmão, você nos permitiu saborear seu desenvolvimento
como se fosse um primeiro filho, mas sem a paranoia e medo que a inexperiência
dos pais provoca. Como no caso da laranja (que sua mãe acredita ter acontecido
com seu irmão).
Como pais
neuroticamente preocupados com germes e bactérias que poderiam causar algum
dano à sua saúde, nós fervíamos exaustivamente as mamadeiras que utilizava, com
um fervor e entusiasmo que causariam inveja ao hospital mais asséptico, à sala
de cirurgia mais esterilizada e descontaminada.
Um dia, chegando em
casa na hora do almoço, encontrei você sentado na porta da cozinha, chupando
uma laranja (ou o que restou dela). Você talvez tivesse uns dois anos e estava
naquela fase que alguém chamou de "dourada" - rechonchudinho,
falsamente autossuficiente, risonho e que todo mundo quer apertar, beijar e
beliscar as bochechas.
Das mãozinhas até os
cotovelos, podiam-se ver "trilhas" de suco de laranja. Quando
brinquei com você, você deu o melhor dos sorrisos, “lustrou” o chão com a
laranja e, sem dar tempo de reação, voltou a chupar o bagaço. A partir desse
dia ficou claro que não era mais necessário ferver as mamadeiras.
Você ocupa uma
posição "estratégica" entre os filhos, pois é quase cinco anos mais
velho que seu irmão. Não sei se essa equidistância teve algum efeito no seu
comportamento sempre calmo (às vezes algum vulcão entra em erupção, mas depois
a normalidade retorna). O que sei é que desde sempre mostrou ter um gênio
dócil, calmo e, principalmente, solidário. Como quando seu irmão mais novo foi
para o jardim de infância.
Ao contrário de você,
ele tinha o comportamento de bicho do mato, de gato selvagem. Quem, em sã
consciência, concordaria em ficar com ele durante todo o período da tarde,
primeiro dentro da sala, e depois, no pátio ou ajudando as professoras? Só
mesmo você, que tinha uns dez ou onze anos! E isso depois de ter ficado a manhã
inteira na própria sala de aula, em outra escola. E você fazia isso de uma
forma tão tranquila que me deixava totalmente pasmo.
Já na fase final da
adolescência, prestes a prestar vestibular, perguntei qual curso pretendia
fazer. "Medicina", foi sua
resposta. No Brasil, só os muito ricos ou muito dedicados (como você) conseguem seguir essa
profissão. Entre preocupado e curioso, perguntei a especialidade que o atraia e
o motivo da escolha (pais tem essa mania idiota de querer antecipar-se).
Se você tivesse me dado um soco na cara eu
não ficaria mais surpreso. Porque a resposta, dita com a serenidade e certeza
de que só pessoas muito especiais são capazes, teve mesmo o impacto de um soco
na cara: –"não sei ainda, só sei
que eu quero ajudar as pessoas".
Nem se eu tivesse cem
anos e vivesse como monge no Himalaia, eu seria capaz de uma resposta tão nobre,
definidora de seu caráter mega solidário e generoso. Por essa personalidade,
por esse tipo de comportamento é que eu disse que você me ensinou e continua
ensinando, dando lições de vida (pior é que eu não sigo nenhuma!). Porque você
é intrinsecamente bom. E teve a sorte de encontrar uma alma gêmea!
Por falar em alma gêmea, você e a Céci têm hoje a felicidade quintuplicada pela presença das geminininhas Bia e da Cacá em suas vidas. são pais de casaram-se agora e talvez um dia tenham filhos (assim espero). Só posso dizer
que elass têm a imensa felicidade de ter os melhores pais que alguém poderia
desejar. E um avô sempre pronto para escangalhar essa criação.
É isso, Bê. Não
sei mais o que dizer sem ficar muito chato. Só posso repetir o que disse outro
dia: não consigo te amar mais do que já te amo, mas estou sempre "polindo
os metais". Beijos de um pai que te ama
muito.
publicação original em 09/09/2015
PARABÉNS!!!
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