sábado, 9 de setembro de 2023

POLINDO OS METAIS

Quando você nasceu eu tinha 32 anos. Em todo esse tempo de convivência você ensinou-me muitas coisas, tão mais surpreendentes quanto mais novo você era. Além dos ensinamentos, mais adequados a um velho monge zen-budista, você me proporcionou experiências indescritíveis. Como a que tive ao assistir seu nascimento, pois o seu parto foi o primeiro dos dois que assisti. Pegar você no colo, imediatamente após o corte do cordão umbilical, e levar para as enfermeiras que iriam dar sequência aos procedimentos próprios do momento, foi muito, muito emocionante.

Sendo quatro anos mais novo que seu segundo irmão, você nos permitiu saborear seu desenvolvimento como se fosse um primeiro filho, mas sem a paranoia e medo que a inexperiência dos pais provoca. Como no caso da laranja (que sua mãe acredita ter acontecido com seu irmão). 

Como pais neuroticamente preocupados com germes e bactérias que poderiam causar algum dano à sua saúde, nós fervíamos exaustivamente as mamadeiras que utilizava, com um fervor e entusiasmo que causariam inveja ao hospital mais asséptico, à sala de cirurgia mais esterilizada e descontaminada. 

Um dia, chegando em casa na hora do almoço, encontrei você sentado na porta da cozinha, chupando uma laranja (ou o que restou dela). Você talvez tivesse uns dois anos e estava naquela fase que alguém chamou de "dourada" - rechonchudinho, falsamente autossuficiente, risonho e que todo mundo quer apertar, beijar e beliscar as bochechas.

Das mãozinhas até os cotovelos, podiam-se ver "trilhas" de suco de laranja. Quando brinquei com você, você deu o melhor dos sorrisos, “lustrou” o chão com a laranja e, sem dar tempo de reação, voltou a chupar o bagaço. A partir desse dia ficou claro que não era mais necessário ferver as mamadeiras.

Você ocupa uma posição "estratégica" entre os filhos, pois é quase cinco anos mais velho que seu irmão. Não sei se essa equidistância teve algum efeito no seu comportamento sempre calmo (às vezes algum vulcão entra em erupção, mas depois a normalidade retorna). O que sei é que desde sempre mostrou ter um gênio dócil, calmo e, principalmente, solidário. Como quando seu irmão mais novo foi para o jardim de infância.

Ao contrário de você, ele tinha o comportamento de bicho do mato, de gato selvagem. Quem, em sã consciência, concordaria em ficar com ele durante todo o período da tarde, primeiro dentro da sala, e depois, no pátio ou ajudando as professoras? Só mesmo você, que tinha uns dez ou onze anos! E isso depois de ter ficado a manhã inteira na própria sala de aula, em outra escola. E você fazia isso de uma forma tão tranquila que me deixava totalmente pasmo.

Já na fase final da adolescência, prestes a prestar vestibular, perguntei qual curso pretendia fazer. "Medicina", foi sua resposta. No Brasil, só os muito ricos ou muito dedicados (como você) conseguem seguir essa profissão. Entre preocupado e curioso, perguntei a especialidade que o atraia e o motivo da escolha (pais tem essa mania idiota de querer antecipar-se).

Se você tivesse me dado um soco na cara eu não ficaria mais surpreso. Porque a resposta, dita com a serenidade e certeza de que só pessoas muito especiais são capazes, teve mesmo o impacto de um soco na cara: –"não sei ainda, só sei que eu quero ajudar as pessoas". 

Nem se eu tivesse cem anos e vivesse como monge no Himalaia, eu seria capaz de uma resposta tão nobre, definidora de seu caráter mega solidário e generoso. Por essa personalidade, por esse tipo de comportamento é que eu disse que você me ensinou e continua ensinando, dando lições de vida (pior é que eu não sigo nenhuma!). Porque você é intrinsecamente bom. E teve a sorte de encontrar uma alma gêmea!

Por falar em alma gêmea, você e a Céci têm hoje a felicidade quintuplicada pela presença das geminininhas Bia e da Cacá em suas vidas. são pais de casaram-se agora e talvez um dia tenham filhos (assim espero). Só posso dizer que elass têm a imensa felicidade de ter os melhores pais que alguém poderia desejar. E um avô sempre pronto para escangalhar essa criação.

É isso, Bê. Não sei mais o que dizer sem ficar muito chato. Só posso repetir o que disse outro dia: não consigo te amar mais do que já te amo, mas estou sempre "polindo os metais". Beijos de um pai que te ama muito.

publicação original em 09/09/2015


PARABÉNS!!!


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