sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

GP S ("S", DE SEM NOÇÃO)

 
Esta é uma lembrança que tinha deixado de lado, não só por dar trabalho para explicar como pelo humor infantiloide que ela traz. Hoje, como não tenho nada para fazer, ou melhor, como não estou com vontade para fazer o que precisa ser feito (lavar o banheiro, capinar o mato do quintal, etc.), resolvi (como dizem os advogados) desentranhar o caso.
 
Os quatorze melhores anos de minha vida profissional foram passados na companhia diária de dez engenheiros com grande experiência profissional. Eu era o segundo mais novo, não tinha experiência quase nenhuma, mas ao ser contratado, logo, logo fui sendo cada vez mais bem aceito por esse grupo. O setor onde trabalhávamos ocupava um andar inteiro do prédio da empresa, com as seções e salas separadas por divisórias. Os engenheiros ocupavam salas de 6 x 3 painéis.  Para compensar a falta de um ar condicionado central que nunca foi instalado, os painéis de arremate da parede com o teto foram retirados ou nunca instalados, ficando um vazio que ajudava na circulação do ar. Esse detalhe é importante, pois é a chave da história. Se alguém quiser ter uma noção de como eram as salas dê uma olhada neste link:
https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2014/12/local-de-trabalho.html
 
Por ter sido admitido quando esse layout já existia, fui acomodado na sala de um engenheiro mais velho. Era um puta profissional, experiente, competente, dedicado e... totalmente sem noção, destacando-se em um setor cheio de gente sem noção. Alguns diziam entre risos que ele era assim por não ter tido infância, Tinha o semblante fechado, com jeito de quem está sempre emburrado, mas era só fachada, pois, ao sorrir, ficava com cara de menino que fez alguma sacanagem escondido. E era super gente boa.

A sala ao lado da nossa era ocupada por um subgerente mais ou menos no mesmo estilo do meu colega. A diferença é que não fazia nada, só punha pilha no meu colega. Durante o dia, quando estávamos de saco cheio ou à espera de algum serviço, às vezes saíamos para conversar fiado em outras salas. Alguns engenheiros de obras ou de outros andares também circulavam por ali. Sentavam-se nas cadeiras avulsas existentes em cada sala e ficavam papeando.
 
Quando ouvia a voz de alguém de fora conversando com o subgerente, meu colega amassava algum papel e jogava na outra sala pela parte aberta da divisória. Claro que não acertava ninguém. Mas aí sua criança interior se manifestou e ele bolou a brincadeira mais sem noção que poderia ter imaginado. Começou a fazer e estocar bolas quase do tamanho de laranjas, usando várias folhas de papel de rascunho e fita plástica.
 
Mas precisava de um comparsa. E quem entrou de sócio nessa brincadeira foi o subgerente sem noção. Foi definida uma malha formada pelo cruzamento de linhas ortogonais imaginárias ligando o perfil de um painel a seu correspondente do lado oposto. Creio que os painéis do maior lado eram identificados por números de 1 a 6 e os três do lado menor receberam letras (A, B e C). Com isso, criaram uma espécie de GPS para os visitantes que iam à sala do subgerente.  O visitante que ficava próximo à porta estava no quadrado A1; quem estava sentado em uma das cadeiras em frente à mesa do subgerente poderia estar nos quadrados A4, B4 ou C4. E por aí. 

 
Obviamente, essa maluquice só era acionada quando o visitante era amigo da moçada e não ocupava cargo de diretor ou gerente (afinal, a sabedoria popular ensina que quem tem cu tem medo). Mas como acertar o “estrangeiro” de surpresa? A criança interior do meu colega resolveu o problema atirando as laranjas de papel pelo buraco da divisória mais ou menos como quem joga sinuca: jogava a bola no teto com toda força para que ela “ricocheteasse” na direção do alvo.
 
Assim, ao receber uma visita “digna” de ser assustada, o subgerente dizia para meu colega “- Mauro, B4!” e laranjas começavam a chover no visitante. Todo mundo ria, mas um dia a brincadeira dos dois delinquentes senis acabou. Creio que alguém tomou uma bolada no nariz e ficou muito puto.
 
Disse uma vez meu amigo Pintão: - "A gente ganha pouco mas se diverte muito". Naquela época, a gente não ganhava tão pouco assim, mas se divertia muito.

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