terça-feira, 5 de janeiro de 2021

WOODY ALLEN - ENTREVISTA (2ª PARTE)

 Eu me perguntava, vendo Um Dia de Chuva em Nova York, como é que o senhor consegue fazer filmes com uma trama tão aparentemente simples, mas de fundo tão complexo. Quando escreve e quando roda, é mais difícil colocar ou tirar?

Para mim é mais difícil colocar. É que criar algo é muito difícil. Bem, se você está acostumado, nem tanto. Há pessoas que sabem desenhar lindamente, que fazem um desenho perfeito de um cavalo. Eu sou incapaz de fazer. Mas elas te dizem: “Vamos, é muito fácil!” Comigo acontece a mesma coisa com os filmes: posso fazê-los. E as pessoas assistem e pensam: “Que difícil deve ser!” Mas, se você se dedica a isso, não é. Ou não é tanto.
 
A realidade é triste e dura demais, e por isso o senhor continua inventando histórias aos 83 anos. Considera válida essa avaliação?
Claro, porque a ficção é muito melhor que a realidade, sem comparação. A realidade é um pesadelo, e a ficção você pode controlar. Pode fazer com que os personagens estejam tristes ou contentes, pode colocar uma bela música —como My Fair Lady, que maravilha!—, mas da realidade você não controla nada. Veja a protagonista de A Rosa Púrpura do Cairo: está muito mais contente na ficção que na realidade. Infelizmente não podemos viver na ficção, ou ficaríamos loucos. É preciso viver na vida real, que é trágica. Se eu pudesse, viveria num musical de Fred Astaire. Todo mundo é bonito e divertido, todos bebem champanhe, ninguém tem câncer, todos dançam, é fantástico.
 
Está claro que o senhor quer voltar ao tema. O pessimismo e o realismo.
É que todos acabamos no mesmo lugar, e isso é horrível. Em meu filme Recordações, todos os trens tinham o mesmo destino. Era trágico. Mas prefiro pensar que fui um sujeito de sorte. Fiz o que gostei, e ainda me pagaram por isso.
 
O que lhe faltou para a felicidade plena? Felicidade?
Veja, vou lhe dizer uma coisa. Ninguém de nós entende as circunstâncias em que viemos a este mundo. A vida carece de sentido. Você sabe que vai morrer. Que as pessoas que ama vão morrer. Não gosto disso. De modo que a felicidade...
 
O senhor disse uma vez a Richard Schickel, para o livro dele Woody Allen: A Life in a Film, que não tinha apreço por seus filmes. Não é fácil acreditar no senhor.
Pode acreditar em mim. Quando estou em minha casa sozinho, escrevendo o roteiro, tenho imagens fantásticas sobre o que será o filme. Depois o faço e tudo dá errado. Não posso ter os atores que queria. Tampouco as locações que havia escolhido. Não há dinheiro suficiente. Cometo erros. E quando tudo finalmente acaba, digo para mim mesmo: “Enfim, bem, é como 20% do que havia me proposto a fazer.” Às vezes, você começa achando que fez Ladrões de Bicicletas e depois deseja não ter feito papel de bobo. Outras vezes, acerta mais. Quando acabei Match Point, pensei: “Isso está bem parto das minhas intenções, é o que queria".
 
E isso costuma coincidir com a apreciação do público?
Não, muitas vezes é o contrário. Às vezes vejo um filme terminado e digo: “Ai, que ruim.” Aconteceu com Manhattan. Mas deu no mesmo, pois o público gostou. E outras vezes consigo fazer o que realmente queria fazer, e as pessoas não têm nenhum interesse. São coisas que acontecem. É melhor não pensar nisso. Melhor fazer um filme, lançar e já pensar no próximo.
 
O que lhe provocam palavras como “posteridade”, “legado”, “marca” e “memória”?
Não me interessa meu legado, não me interessa o que farão com os meus filmes quando eu já não estiver, podem jogá-los no mar. Uma vez que estamos mortos, estamos mortos. Acabou-se. Você acha que, quando tiver fechado os olhos, eu me importarei se as pessoas veem meus filmes ou não? Eu sei que há pessoas que realmente se importam com a posteridade. Eu não estou nem aí. E estou certo de que o mesmo acontecia com Shakespeare.
 
Sua insistência em continuar escrevendo e rodando filmes encerra motivações terapêuticas? Ou simplesmente fica entediado se não os fizer?
Nunca fico entediado! Faço os filmes porque há pessoas que pagam por eles, que financiam. E sempre que houver gente disposta a me financiar, farei filmes. E quando me disserem que são terríveis e que já não me financiarão, eu me dedicarei a escrever só peças de teatro. E se não der certo, escreverei livros.
 
Em seu novo filme, uma estudante de jornalismo elogia um célebre diretor de cinema dizendo: “Você nunca fez uma concessão comercial”. Esse diretor é o senhor? Nunca fez concessões comerciais?
Tentei não fazer. Não penso de um ponto de vista comercial, só penso no que é bom para o filme. Nunca faço cinema pensado em agradar o público. Gosto quando [o público] fica contente, isso sim. 
 
Como faz para abordar tanto e tão intensamente o tema do sexo sem mostrar cenas de sexo?
Não faz falta mostrar sexo para falar de sexo, assim como não é preciso mostrar violência para falar de violência. A violência pode ser artística e dramática, maravilhosa, veja Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas. O problema é que diretores sem talento a exibem uma e outra vez e acham que são Scorsese, mas não, não são Scorsese. O mesmo acontece com o sexo. Se você o exibe, deixa de ser dramático. Eu não quero subestimar a inteligência do público, assumo que estou falando de sexo com pessoas inteligentes.
 
Diz-se que é mais difícil transmitir mensagens profundas usando a comédia que o drama. Concorda?
É difícil transmitir mensagens, ponto. Mas sim, é ainda mais difícil com a comédia. Muitas vezes, ao estrear um filme, me pergunto: “Mas por que não consegui fazer chegar a mensagem?”. Não há resposta, e talvez eu tenha feito um filme interessante e divertido, mas não transmiti a mensagem ao público. E sempre é minha culpa, não a dele. Entreter e passar a mensagem ao mesmo tempo só está à altura dos grandes. Bergman, por exemplo.
 
Praticamente não há comédias nos grandes festivais, nem no Oscar. Por quê?
Poucos autores podem fazer bem uma comédia. É um talento escasso. Há muito mais gente capaz de fazer coisas sérias que comédias. E, no entanto, é como se o drama e a tragédia fossem mais substanciais que a comédia. Como ela faz rir, para muitos é difícil lhe conferir seriedade e prestígio.



 

7 comentários:

  1. Respostas
    1. Gostei particularmente da resposta final. Eu sempre senti isso (mesmo sem ser humorista ou comediante). As pessoas tem um pensamento bitolado de que a graça, a paida, o humor são coisas de gente leviana, irresponsável, quando é ou pode ser exatamente o oposto disso. Ver o mundo e as pessoas de forma alternativa é como imaginar um ET observando os diversos rituais criados pelo homem. Às vezes a falta de senso está justamente na seriedade e sisudez dos muito radicais.

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    2. "Ver o mundo e as pessoas de forma alternativa é como imaginar um ET observando os diversos rituais criados pelo homem." - talvez por isso o personagem Spock fez tanto sucesso nas jornadas das estrelas dos anos 60

      era um ET rindo da gente,mas sem poder demonstrar emoções

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    3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Boa reflexão! Você entende de HQ, por isso pergunto: seria ele uma versão televisiva do "Observador" da Marvel?

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    1. O vigia ou observador foi criado antes
      até onde sei não existe relação entre eles e nem muitas semelhanças
      pesquisei e não encontrei nada linkando os dois

      abs!

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