terça-feira, 12 de janeiro de 2021

PIGARREANDO UM POUCO

Tudo o que mexe com minha cabeça acaba virando post. E o assunto de hoje são as mudanças das vozes dos cantores ao longo da vida. Esse assunto surgiu graças aos comentários sobre a voz do Milton Nascimento feitos por dois de meus amigos virtuais, o conhecido Marreta e o recentíssimo Giovani Dactar, e por mim (ao mesmo tempo em que louvamos sua lindíssima voz de tempos menos recentes). Deixo claro que para mim, dez anos passados tem o mesmo significado de “ontem” ou “hoje pela manhã”. A isso eu chamo de relatividade do tempo (de nada, Einstein).
 
Falando um pouco mais seriamente, imagino que o avanço da idade altera as cordas, ou melhor, as pregas vocais. Velho deve  ficar com suas pregas um pouco relaxadas (as vocais, entendeu? As vocais!). E digo isso por ter percebido em mim essa alteração há bastante tempo. Para isso, preciso contar uma historinha.
 
Quando comecei a namorar minha mulher, mais precisamente no ano de 1970 (pois é...), eu destoava bastante de seus irmãos, pois mesmo quase todos tendo feito faculdade, nenhum era apegado a livros. Gostavam de farra, de jogar futebol, enchiam o latão com entusiasmo, nunca fugiam de uma briga (mesmo não as provocando) e tinham muitos, muitos  amigos. Eu, ao contrário, detestava futebol, adorava ler, já achava que cerveja tem gosto de cerveja, bebia só para cambalear, fugia de qualquer tipo de briga (só briguei de porrada na rua uma única vez em toda a minha vida) e não tinha amigos, não tinha turma. Além disso, usava um vocabulário menos básico e tinha os trejeitos e modo de falar herdados de uma infância super repressora.
 
Claro que isso deve ter causado uma estranheza inicial em um de seus irmãos mais velhos, que parecia não ir muito com minha cara (sentimento recíproco, diga-se). Talvez por isso ele dissesse que eu tinha voz de viado. Aliás, voz e jeito de viado! Nada contra essa preferência sexual, nada mesmo. Aliás, conheço vários casais, pessoas da melhor qualidade, tenho dois sobrinhos gays que, diga-se, estão entre os com quem mais gosto de conversar. Mas, apesar de todas as "evidências em contrário", eu sempre fui heterossexual. Nunca um macho alfa nem mesmo beta. No máximo, um macho Zéta (essa piada já foi publicada no início do blog). E a voz devia mesmo ser "de viado". Que é que eu vou dizer? Foda-se!
 
O fato é que à medida que fui envelhecendo percebi que minha voz foi ficando mais grave ("voz de macho"), ao ponto de minha sogra dizer que eu tinha uma voz linda ao telefone, voz de locutor (minha sogra puxava muito meu saco). Sem que ela ouvisse, eu completava: "de zona""voz de locutor de zona"! E, graças ao excesso de cigarros e às milhares de aulas que dava em cursinho prévestibular (ele era muito foda), na velhice o tal cunhado ficou com a voz parecida com o som de uma lixa no metal (sinônimo de "uma bosta!"). E este é o ponto em que entram os cantores.
 
Mesmo totalmente desprovido de caráter e de vergonha na cara, não quero reproduzir os comentários inteligentes feitos no segundo post imediatamente anterior a este (às vezes eu ainda exibo algumas moléculas de pudor). Quem quiser que o leia. Quero falar de outros cantores. A idade mais avançada e o envelhecimento são uma puta sacanagem com quem ganha a vida cantando. Li em algum lugar que a voz mais linda entre os cantores de ópera era a de Luciano Pavarotti. Ganhava de goleada dos outros dois tenores que se apresentaram com ele (Plácido Domingo e José Carreras). Mesmo assim, foi aos poucos ficando menos cristalina, perdendo o "brilho" e a "cor" que sua voz magnífica apresentava no início.
 
Esse efeito colateral do avanço da idade eu pude perceber com clareza quando o Silvio Caldas se apresentou em praça pública no bairro onde eu moro, bairro de tradição boêmia e com o maior número de bares por metro quadrado encontrado em BH. Simpaticíssimo, voz um pouco grave, ligeiramente rouca, mandou super bem nas canções que interpretou e foi super aplaudido. Creio que essa apresentação fazia parte de um esquema para reeleição do prefeito da época, pois aconteceu bem perto das eleições. Além dele - e em outros finais de semana - apresentaram-se o Jamelão (lindíssima voz, mas chato pra cacete) e a Inezita Barroso (super simpática).
 
Pois bem, depois do show do "Caboclinho" Sílvio Caldas, cismei de ouvir de novo alguma música que ele tinha cantado. Entrei no Youtube e quase caí duro com o som da gravação encontrada, ainda do tempo em que ele devia ter uns 30 anos, por aí. A voz era totalmente diferente! O "brilho" e a "cor" estavam ali, mas não era a voz que eu conhecia desde a infância e que tinha ouvido na praça. No caso dele, a voz pode ter ficado menos "límpida" ao envelhecer, mas continuou agradável, ao contrário do Milton e do Beto Guedes. Foi por isso que eu não respondi ao comentário mais recente do Giovani. Eu queria expandir esse assunto. Se ficou bom é outra história. 

Tentei mostrar a diferença de timbre, mas não sei se ficou perceptível (a vantagem é que a música é lindíssima), pois não consegui me lembrar de qual música provocou a surpresa narrada. Para compensar, encontrei esses dois registros com 52 anos de diferença entre um e outro. As vaciladas da apresentação de 1992 devem ser desconsideradas, pois foi uma gravação ao vivo, sem direito a "photoshop". Olhaí.

4 comentários:

  1. Além do brilho e a cor. A voz possui algo a mais que é difícil descrever. Sabe quando o cantor ou cantora "flutua" modulando a voz, meio que brincando com as palavras? Quase como um motor trocando de marchas? Alguns possuem o dom de fazer a gente arrepiar nesses momentos. Essa característica é bem pessoal. Cada um ouve de um jeito. E isso, também se perde em alguns casos, devido a ação do tempo. Quando você citou a "voz de macho", mais grave. Eu lembrei que vi uma entrevista do Ney Matogrosso em que dizia a mesma coisa. Algo assim. "Minha voz era muito aguda quando jovem. Agora que envelheci, ela ficou melhor, mais grave". Acho que a voz dele naturalmente estava muito no agudo. O tempo só melhorou as coisas. As duas gravações do Silvio Caldas pra mim provou a indelével ação do tempo sobre a dinâmica da voz. Ele continua bom em 1992, mas está muuuito diferente.

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    1. Já vi que gosta de música, talvez muito mais que eu, que gosto demais. Só preciso te dizer uma coisa: meu texto é muito entrecortado de parênteses porque eu falo exatamente assim. E palavras ou expressões entre aspas muitas vezes são assim sinalizadas para indicar a ironia que eu usaria de viva voz. "Voz de macho" é uma dessas ironias. E obrigado pelos comentários enriquecedores!

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    2. Então o Jotabê tinha a voz do Anderson Silva?
      "Eu, ao contrário, detestava futebol, adorava ler, já achava que cerveja tem gosto de cerveja, bebia só para cambalear, fugia de qualquer tipo de briga (só briguei de porrada na rua uma única vez em toda a minha vida) e não tinha amigos, não tinha turma. Além disso, usava um vocabulário menos básico e tinha os trejeitos e modo de falar herdados de uma infância super repressora." Pãããããta... esse cara sou eu.
      Acho que o que acontece com a bela voz (de quem nasceu com ela) é parecido com o que se dá com a beleza física. Ao envelhecer, a pessoa que foi muito bonita quando jovem, por contraste, nos parece reduzida a cacos na velhice, vide Brigite Bardot. Já aqueles (e acho que aqui nos incluímos)que nascem mais mal-acabados vão ficando até mais "simpáticos", mais bem apessoados com a idade, pois não há como a idade muito mais piorá-los.
      Voltando à voz, por exemplo, a do Chico Buarque, contiua a mesma, pouco se alterou, não tinha grande qualidades a perder. Não obstante, é claro, ele continua sendo, na minha opinião, o maior letrista que já surgiu na MPB.

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    3. Vamos por etapas (a piada do Jack já está muito batida):
      Não, Marreta, a minha voz não era a do Anderson Silva. A primeira vez que ouvi minha voz gravada eu tomei o maior susto. Se não s tivesse ouvido imediatamente após a gravação eu nunca aceitaria que fosse minha. Era voz do Costinha imitando uma bichinha! Graças a alguma escorregada tardia (na voz, na voz!) até hoje ainda sou vítima de gozações de meus filhos e de uma nora sem noção.
      Quanto ao fato de não ter amigos isso é basicamente verdade, mesmo que eu convivesse com outras pessoas da minha idade. O que eu não tinha é o “melhor amigo”, uma turma estável. Fico pensando que os caras que conhecia talvez não quisessem ser vistos em “má companhia”.
      E falando da beleza física, você tem razão. Não faz muito tempo uma cunhada ou amiga me disse que eu tinha ficado mais bonito depois de velho. É nessas horas que eu me lembro da hiena Hardy...
      E o Chico, com certeza é o maior letrista da MPB. Mas o Caetano e o Noel mordem seus calcanhares.

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