segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

WOODY ALLEN - ENTREVISTA (1ª PARTE)

Os cineastas Pedro Almodovar e Woody Allen sempre são garantia de filmes no mínimo interessantes. Justamente por isso, tudo o que dizem ou fazem atrai minha atenção. Depois de ler um ótimo texto no blog A Marreta do Azarão sobre um dos filmes de Woody Allen, resolvi tirar uma dúvida na internet e acabei achando no site do jornal "El País", uma entrevista com o cineasta, realizada por Borja Hermoso (muito prazer!) e publicada no dia 30/09/19. Claro que não resisti à tentação de publicá-la aqui no blog.  Cheguei a pensar em sublinhar as melhores partes do texto, mas resolvi deixar que cada leitor/leitora tire dele o que achar melhor. Como eu sei que ler textão no computador é muito chato, resolvi dividir a entrevista em duas partes (o padrão que tento seguir é duas páginas em word, fonte Arial tamanho 12). Por isso, a segunda parte sairá amanhã. Olhaí.


Por que adora os dias de chuva?
Por que é melhor o céu carregado que o Sol? Porque a luz é mais bonita. E porque acredito que nesses dias as pessoas pensam mais a partir do seu interior, da sua alma. A minha é um pouco triste... e se abro a janela pela manhã e está ensolarado, acho desagradável. Por outro lado, vejo que as cidades são lindas sob a chuva. Paris, Londres, Nova York, San Sebastián são muito bonitas, mas se chove ficam mágicas.
 
Vendo o jovem protagonista de Um Dia de Chuva em Nova York descobrindo Manhattan, não podemos evitar pensar no jovem Woody Allen descobrindo Manhattan... Há nostalgia nesse filme?
Claro, pode ter certeza. Esse filme está cheio dela, e de outras minhas também.
 
A nostalgia, esse monstro... ou a nostalgia, esse bálsamo?
A nostalgia, essa armadilha. Camus fala dela como uma armadilha sedutora, e eu caio nela constantemente, sobretudo quando falo de Nova York. Quando criança, era uma grande cidade. Eu diria que foi assim até o final dos anos cinquenta. Então começou a se modernizar de um modo que não gosto muito, você sabe, lugares novos e feios ocupando o espaço de lugares antigos e deliciosos, lojas de balas que desapareciam, o trânsito que começou a piorar... e, depois de certo tempo, muita criminalidade. E hoje a praga são as bicicletas! Vão pela calçada, invadem seu espaço, avançam o sinal vermelho, uma loucura. Enfim, Nova York não é o que era.
 
Neste filme temos um diretor que não quer acabar seu filme, um estudante que não quer continuar na universidade e um jovem que não quer se casar... Parece um filme habitado por Bartleby, o escrivão do conto de Melville: “Preferiria não fazer isso.”
É verdade, é assim, que curioso, não tinha pensado nisso. O protagonista, Gatsby, quer fazer o que ele quer fazer, não o que seus pais pedem que faça: estudar, ser elegante, essas coisas. Ou seja, de fato ele “prefere não fazer isso”. Prefere ser um jogador ou tocar piano de noite em bares esfumaçados. 
 
Diria que observar ou dissecar - talvez tratar - personagens em crise como esse é uma das especialidades da casa Allen?
Sim. Você precisa desses elementos para um drama. Personagens em situações críticas. Do contrário... Quando vemos um western, ou um filme de gângsteres ou qualquer tipo de filme emocionante, há pessoas em crise, que sacam pistolas, fogem dos soldados, sofrem... E meus personagens também. Sempre têm uma crise emocional. Para mim, os personagens que não a têm não são interessantes nem divertidos. Não me interessam as pessoas comuns. Me interessam as pessoas com problemas. Sobretudo emocionais.
 
Por exemplo, pessoas com dúvidas e angustiadas no meio de um mundo de certezas?
Exatamente. 
 
Por que acredita que a dúvida — ou, digamos, o erro — carece de todo prestígio? Não acha que isso tem um impacto negativo na educação de nossos filhos?
Com certeza, e conheço bem isso. Hoje inclusive estamos assistindo à morte do artista. É triste. O artista hoje tem medo de se arriscar no que faz e no que diz porque teme as consequências. Infelizmente, em meu país, se você fracassa não há muita margem. Nos EUA não existe tolerância ao fracasso. E é terrível ensinar isso às crianças. Devemos estar dispostos a fracassar, sobretudo na minha profissão. Você vai secar como ser humano se viver toda a sua vida com medo de fracassar. Essa é uma maneira terrível de viver. 
 
Considera que essa situação é ainda pior nos EUA, agora que o país é dirigido por um tubarão dos negócios?
Está claro que o presidente não gosta de fracassar nem de reconhecer seus fracassos. Mas em geral esse é um sintoma claro da cultura dos tempos atuais. Ninguém quer dizer algo como: “Puxa, tive uma ideia, mas não foi uma boa ideia”. E isso não ajuda nem o homem comum nem os artistas, nem as crianças, nem o presidente. O fracasso é degradante, e isso é uma pena.
 
O senhor incluiu Donald Trump numa cena de seu filme Celebridades. Faria de novo?
Bem, devo dizer que ele foi um bom ator. Veio, sabia o diálogo, sabia como andar, foi muito teatral, nada tímido. Como ator, foi muito bom. Como presidente, digamos que a situação é bem diferente. Um país não é um teatro. Mas gosto muito de pensar que o tive como meu empregado!
 
Entre o otimismo, o pessimismo e o realismo, onde o senhor se situa? Onde acredita que o seu cinema se situa?
O pessimismo e o realismo são a mesma coisa. Sou muito pessimista, sobre o mundo, sobre o futuro, sobre a sociedade, sobre a existência..., mas de verdade acho que é assim que o mundo é, então creio que sou realista. Não há outro remédio a não ser fazer uma avaliação pessimista do mundo. Não posso fazer nada a respeito. Honestamente, não resta outro remédio além de sermos pessimistas.
 
Não acredita que esse ponto de vista pode prejudicar o conteúdo de alguns de seus filmes? Do tipo: “Já está aqui outra vez o estraga-prazeres do Woody Allen”.
Sim, acredito. Quando fiz A Rosa Púrpura do Cairo, os produtores me ligaram e disseram: “Escuta, projetamos [o filme] numa sessão em Boston e todo mundo adorou. Mas, se você mudasse o final para que fosse um pouco mais feliz, ganharíamos muito mais dinheiro com ele”. Claro que não mudei, porque essa era a ideia do filme, justamente aquele final.
 
A ironia é uma das armas mais poderosas em seu cinema. Mas não acha que está em desuso ou, ao menos, ameaçada pelo politicamente correto e cada vez menos compreendida?
Há uma grande parte do público que deseja mensagens muito claras: o que você quer dizer com tal coisa, o que defende... mas há outra parte —mais reduzida— que é muito sofisticada e não espera que você abandone a ironia. Grandes cineastas ao longo das gerações, como Buñuel e Bergman, tiveram bom público, não muito grande, mas bom, embora seus filmes fossem complexos e muito abstratos.
 
Para esse tipo de público o senhor faz cinema?
Sim. Sempre assumi que meu público é pelo menos tão inteligente quanto eu. Me expulsaram da escola de cinema, e o que basicamente fiz desde então são filmes que eu gostaria de ver na tela. Gosto de ver filmes de Bergman, de Truffaut, de De Sica, de Antonioni... É o cinema que gosto de ver, então tento fazer filmes assim.



 

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