quinta-feira, 28 de julho de 2016

KARMA, QUE EU EXPRICO

O texto original deste post era "Arqueologia". Sinceramente, além de mais elegante, eu acho que esse nome seria mais adequado ao seu conteúdo. Mas meu karma é utilizar títulos idiotas e ridículos. Daí...


O Evangelho de São João inicia-se com essa frase: “No princípio era o Verbo...” (João 1, 1). Quando eu era bem pequeno, minha avó materna e minha mãe ajoelhavam-se em frente ao rádio, na “Hora do Angelus”, para rezar. Às vezes me colocavam também de joelhos e o locutor (creio) com a voz empostada e meio anasalada dos locutores de antigamente, começava assim o programa: “No princípio era o Verbo e o Verbo se fez carne e habitou entre nós”.

No meu caso, poderia dizer que "no princípio era o Substantivo". E um substantivo com uma sugestão de sobrenome cristão-novo danada de suspeita. Em sua carta ao rei de Portugal, Pero Vaz Caminha escreveu:

“E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, estando da dita Ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho (...)”.

Olha só, uma planta aquática flutuando segundo o movimento das ondas, provavelmente com um bulbo em uma das pontas, tipo aguapé (talvez daí o nome botelho ou botelha – garrafa. Em espanhol, botella). Já viu que com esse nome, desde 1500 estava traçada a linha mestra da minha vida, né? Viver “ao sabor das marés”, boiando sempre, sempre superficial.

Sem me lembrar dessa carta, um dia me ocorreu que eu me comportava como uma rolha na correnteza, que vai aonde as águas a levam. Com isso queria dizer que me comporto com a maioria das pessoas tal como imagino que gostem de ser tratadas: brincalhão com pessoas alegres, avacalhado e desbocado com pessoas assim, falsamente atencioso com pessoas humildes, circunspecto e respeitoso com idosos (epa!, já cheguei lá!), fingindo ter cultura para os que demonstram maior preparo intelectual, ou seja, um verdadeiro maria-vai-com-as-outras. No duro, no duro, um sujeito amorfo, invertebrado emocionalmente, de personalidade fluida e escorregadia.

Para compensar essa personalidade flutuante, tentei justificar para mim mesmo que é mais fácil eu entender as pessoas que elas a mim. Mais presunção, impossível, concordam? O problema é que de tanto me camaleonear, acabei sem saber exatamente o que sou.  Mesmo sem ser poeta, acredito que a mim bem que se aplicariam esses versos do Fernando Pessoa:

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Mas porque, repito, essa necessidade de confessar publicamente as próprias fraquezas e mazelas? Para entender isso – além de servir de fonte de consulta para uma eventual terapia de algum de meus filhos – só voltando um pouco ao passado. Freudiano, não?

4 comentários:

  1. Muito bom o texto, JB. Todos nós somos rolhas flutuantes ao sabor (e aos dissabores) da maré fingindo que somos naus tripuladas e de rotas precisas e definidas, ou seja, todos nós, de uma forma ou de outra, somos fraudes.
    Só que a grande maioria nem se dá conta disso, não se dá conta de nada. Percebermos isso - e assumir corajosamente como você fez e como regularmente faço com a autoironia presente em alguns de meus textos - já nos torna, sem nenhuma presunção, um pouquinho acima da média,sim.
    Somos, eu e você e mais uma meia dúzia por aí, rolhas flutuantes; a maioria também flutua feito nós, mas estão mais para um outro objeto flutuante, se é que você me entende, desses que são muito comuns em praias poluídas e impróprias ao banho.

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  2. Não me pergunte a explicação, mas creio que era o pessoal do Pasquim que chamava de Yamamoto esses "objetos" flutuantes provavelmente encontradiços na raia olímpica. Legal que você tenha gostado do texto, sinal que em 2010 eu era mais criativo e cuidadoso com o que escrevia. E a explicação é verdadeira: eu imaginava que poderiam servir de "consulta" para uma eventual terapia de um de meus filhos (talvez, que estava precisando de terapia era eu. Talvez ainda precise). Valeu!

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    Respostas
    1. Terapia de cu é rola, JB. Brincadeiraaa. Gostei muito do final do texto.
      "J"

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    2. Bacana! Como já disse, esses textos foram escritos em 2010, quando ainda nem sabia o que era um blog. Da "safra" de 2010 sairão mais dois e, para completar o "perfil JB", sairá mais um dividido em três partes, escrito especificamente para o Blogson. Aí acaba tudo (ou quase).

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