O texto original
deste post era "Arqueologia".
Sinceramente, além de mais elegante, eu acho que esse nome seria mais adequado ao
seu conteúdo. Mas meu karma é utilizar títulos idiotas e ridículos. Daí...
O Evangelho
de São João inicia-se com essa frase: “No
princípio era o Verbo...” (João 1, 1). Quando eu era bem pequeno, minha avó
materna e minha mãe ajoelhavam-se em frente ao rádio, na “Hora do Angelus”, para rezar. Às vezes me colocavam também de
joelhos e o locutor (creio) com a voz empostada e meio anasalada dos locutores
de antigamente, começava assim o programa: “No
princípio era o Verbo e o Verbo se fez carne e habitou entre nós”.
No meu caso,
poderia dizer que "no princípio era
o Substantivo". E um substantivo com uma sugestão de sobrenome
cristão-novo danada de suspeita. Em sua carta ao rei de Portugal, Pero Vaz
Caminha escreveu:
“E assim seguimos nosso caminho, por este mar de
longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril,
estando da dita Ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam,
topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas
compridas, a que os mareantes chamam botelho (...)”.
Olha só, uma
planta aquática flutuando segundo o movimento das ondas, provavelmente com um
bulbo em uma das pontas, tipo aguapé (talvez daí o nome botelho ou botelha – garrafa. Em
espanhol, botella). Já viu que
com esse nome, desde 1500 estava traçada a linha mestra da minha vida, né?
Viver “ao sabor das marés”, boiando sempre, sempre superficial.
Sem me lembrar
dessa carta, um dia me ocorreu que eu me comportava como uma rolha na
correnteza, que vai aonde as águas a levam. Com isso queria dizer que me
comporto com a maioria das pessoas tal como imagino que gostem de ser tratadas:
brincalhão com pessoas alegres, avacalhado e desbocado com pessoas assim,
falsamente atencioso com pessoas humildes, circunspecto e respeitoso com idosos
(epa!, já cheguei lá!), fingindo ter cultura para os que demonstram maior
preparo intelectual, ou seja, um verdadeiro maria-vai-com-as-outras. No duro,
no duro, um sujeito amorfo, invertebrado emocionalmente, de personalidade
fluida e escorregadia.
Para compensar
essa personalidade flutuante, tentei justificar para mim mesmo que é mais fácil
eu entender as pessoas que elas a mim. Mais presunção, impossível, concordam? O
problema é que de tanto me camaleonear, acabei sem saber exatamente o que
sou. Mesmo sem ser poeta, acredito que a mim bem que se aplicariam esses
versos do Fernando Pessoa:
O poeta é um
fingidor.
Finge tão
completamente
Que chega a fingir
que é dor
A dor que deveras
sente.
Mas porque,
repito, essa necessidade de confessar publicamente as próprias fraquezas e
mazelas? Para entender isso – além de servir de fonte de consulta para uma
eventual terapia de algum de meus filhos – só voltando um pouco ao passado. Freudiano,
não?
Muito bom o texto, JB. Todos nós somos rolhas flutuantes ao sabor (e aos dissabores) da maré fingindo que somos naus tripuladas e de rotas precisas e definidas, ou seja, todos nós, de uma forma ou de outra, somos fraudes.
ResponderExcluirSó que a grande maioria nem se dá conta disso, não se dá conta de nada. Percebermos isso - e assumir corajosamente como você fez e como regularmente faço com a autoironia presente em alguns de meus textos - já nos torna, sem nenhuma presunção, um pouquinho acima da média,sim.
Somos, eu e você e mais uma meia dúzia por aí, rolhas flutuantes; a maioria também flutua feito nós, mas estão mais para um outro objeto flutuante, se é que você me entende, desses que são muito comuns em praias poluídas e impróprias ao banho.
Não me pergunte a explicação, mas creio que era o pessoal do Pasquim que chamava de Yamamoto esses "objetos" flutuantes provavelmente encontradiços na raia olímpica. Legal que você tenha gostado do texto, sinal que em 2010 eu era mais criativo e cuidadoso com o que escrevia. E a explicação é verdadeira: eu imaginava que poderiam servir de "consulta" para uma eventual terapia de um de meus filhos (talvez, que estava precisando de terapia era eu. Talvez ainda precise). Valeu!
ResponderExcluirTerapia de cu é rola, JB. Brincadeiraaa. Gostei muito do final do texto.
Excluir"J"
Bacana! Como já disse, esses textos foram escritos em 2010, quando ainda nem sabia o que era um blog. Da "safra" de 2010 sairão mais dois e, para completar o "perfil JB", sairá mais um dividido em três partes, escrito especificamente para o Blogson. Aí acaba tudo (ou quase).
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