Acabei hoje de ler o romance "Incidente
em Antares" do Érico Veríssimo. Esse livro foi comprado depois de ser
uma das obras indicadas em algum vestibular que algum de nossos filhos fez.
Essa imprecisão é proposital, para indicar meu total desinteresse em lê-lo
algum dia, talvez porque há um bom tempo tenho evitado ler obras de ficção.
Talvez por perceber que a realidade pode ser muito mais louca que um enredo
imaginado por alguém.
Alguns dias atrás, tentando arrumar espaço
para outro livro que tinha acabado de ler, comecei a mexer na prateleira onde o
"Incidente" estava esquecido (aqui em casa, por conta do TOC
que eu e minha mulher temos, os livros nas estantes são organizados por ordem
de tamanho - e as roupas dos armários por cor e por modelo). Comecei a folhear
o livro com alguma má vontade, mas li um trecho que despertou minha
curiosidade. E aí embalei.
Sinceramente, talvez por minha resistência
atual aos romances, posso dizer que gostei bastante, mas não o suficiente para
ficar babando de admiração e prazer, pois não houve encantamento suficiente para
isso. A ideia central é espetacular, o início e o final do livro são bem legais
(o início é melhor), mas o meio, justamente o desdobramento do
"incidente", é muito arrastado e até chato. As soluções narrativas
adotadas (embora muito superiores) lembram a simplificação feita nas novelas
das oito da Globo, porque se a ideia central dos mortos que decidem exigir
seu sepultamento é magnífica, a costura de suas histórias particulares soa
forçada e artificial.
Posso até estar dizendo uma heresia, pois não
sou crítico literário nem fiz Faculdade de Letras. Afinal, se o livro que
acabei de ler é a 38ª edição e foi impresso em 1988, nem imagino em que edição
estará hoje. A grande vantagem é que este blog é meu e posso exibir toda a
minha falta de cultura e dizer as bobagens que quiser. E se esta seção
destina-se a divulgar alguns textos que me agradaram, sejam eles de
autores consagrados ou não, este livro merece minha reverência. Ainda mais por
ter sido escrito pelo pai de meu ídolo Luis Fernando Veríssimo.
A praxe seria transcrever algum trecho que se
destacou mais. Neste caso, farei de outra forma. Durante a leitura do livro,
surpreendi-me com três trechos que me fizeram lembrar de coisas que escrevi
aqui no blog. Aí resolvi associar cada trecho com o post onde identifiquei
alguma sintonia. No duro, no duro, um caso explícito de presunção
descontrolada. Como desculpa, posso dizer que estou fazendo propaganda de posts
com baixíssima visualização (teria de fazer do blog inteiro!). Bora lá:
TRECHO
DO “INCIDENTE”: (...) cada um de
nós tem nas suas mais remotas cavernas interiores um troglodita adormecido que,
submetido a um certo tipo de estímulo, vem rapidamente à tona de nosso ser e se
transforma num déspota totalitário capaz de todas as bestialidades. E nunca
faltará um falso humanista para inventar uma teoria filosófica com o objetivo
de coonestar todas as monstruosidades cometidas pelo “homem das cavernas”.
(...)
POST “EVA MITOCONDRIAL”: Embora os
criacionistas não aceitem essa ideia, nós homens somos apenas primatas com
cérebro mais evoluído (e só o cérebro). Esse mesmo cérebro que ajudou-nos a
superar nossas flagrantes deficiências diante de outros predadores (nem sempre,
é verdade) e que ajudou-nos a disputar com vantagem o alimento nos primórdios
da evolução, fez surgir em nós a soberba, a crença de sermos “imagem e
semelhança”, etc. etc. Mas, se pararmos para pensar, às vezes temos
comportamentos que em nada envergonhariam ou constrangeriam outros animais.
TRECHO
DO “INCIDENTE”: (...) Claro,
muitas vezes tenho as minhas dúvidas. Não faz muito atravessei um período de
tão forte crise espiritual que escrevi uma longa carta a um monsenhor que
admiro e estimo, contando-lhe tudo. Usei nessa carta confessional a expressão: “sinto
que minha fé está presa apenas por um fio”. Sabe o que ele me respondeu? Que se
regozijava por saber que a coisa era assim, pois não confiava muito nas
chamadas “fés inabaláveis” dessas que julgam poder deslocar montanhas. São
demasiadamente teatrais para serem profundas - escreveu o monsenhor. “O fio que
prende a sua fé deve ser do melhor aço e portanto resistente e ao mesmo tempo
flexível. Fé sem flexibilidade, fé sem dúvida pode acabar em fanatismo."
Terminou a carta assim: "Reze a Deus, peça-lhe para que faça esse fio
resplandecer sempre na Sua luz".
POST “MATRIX”: Li tudo o que pintou na minha frente sobre seitas e religiões.
Continuei a ir à missa, mas fui também a centros espíritas e terreiros de
umbanda, sempre atrás do transcendente, até que a mente saturou de tudo. Aí me
afastei por alguns anos da igreja e parei de pensar nessas coisas, até a época
do nosso casamento, quando, em um curso de noivos magnífico, com duração de uma
semana, confessei e comunguei de uma forma inesquecível e emocionante,
mergulhando a hóstia no vinho. Ao confessar-me, contei ao padre (Leonardo)
sobre toda essa inquietação. Dele ouvi que eu estava em um momento muito bonito
de minha vida e que era mais religioso que ele (!!!).
(...) Apesar
disso, sentia que minha fé era (e é) como a chama de uma vela: bastava um
ventinho de dúvida soprar, que ela bruxuleava, quase se apagando. Durante as
leituras, eu ficava refletindo sobre o que lia e ouvia, discordando ou
descrendo de muita coisa, especialmente de textos do Antigo Testamento.
TRECHO
DO “INCIDENTE”: (...) um ser humano
não é uma moeda apenas, com verso e reverso. É um poliedro, com milhares de
faces. E há milhares de maneiras de ver uma pessoa, um ato, um fato. Você no
fundo é tão maniqueísta e religioso quanto D. Quita, que acredita na moral
absoluta.
POST “POLIEDRO”: Por conta dessa sensação, fiquei matutando que não somos mais tão
diferentes dos homens das cavernas. Pelo contrário. O mundo, para eles, era do
tamanho de sua percepção, obtida apenas com o uso dos sentidos; todo o resto
era apenas interpretação e fantasia.
E aí surgiu a
ideia do poliedro. Depois de milhares de conquistas culturais e tecnológicas
que nos tiraram definitivamente das cavernas e outros abrigos naturais, tenho a
sensação que estamos (talvez já tenhamos chegado lá) voltando à situação em que
só podemos ter certeza do que está no raio de alcance de nossos sentidos.
Viveríamos dentro de uma bolha de realidade, cercada de incertezas por todos os
lados.
Mas onde entra o
tal poliedro? Bom, a tal bolha só poderia interagir com outras tantas ao
tangenciá-las, ao "quicá-las" igual em um jogo de sinuca. Só um ponto
de contato? A imagem não era boa nem prática. Pensei em um cubo. Já dava uma
interação legal, mas ainda estava meio limitado. Aí me ocorreu a ideia do
poliedro, com muitas faces para seu ocupante interagir com os ocupantes de
outros poliedros, cada face servindo para transmitir a realidade de cada um. A
tal bolha seria um poliedro de realidade. Meio louca essa "teoria",
não?
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