sexta-feira, 1 de julho de 2016

ALTO RETARDO

Eu acho uma breguice genuína tirar retrato 3x4 meio de perfil, em diagonal em relação à câmera. Apesar disso, pouco antes de me formar na faculdade, tirei um assim. Recebi da comissão de formatura a orientação de procurarmos determinado estúdio fotográfico para que fosse tirado o retrato que seria exposto no quadro de formandos de engenharia daquele ano.

Esse era um costume chique pra caramba, pois as principais faculdades faziam esses quadros de formatura e os painéis eram colocados nas vitrines de lojas conceituadas da Afonso Pena, a principal avenida de Belo Horizonte. Quando essas fotos eram expostas, os transeuntes paravam para olhar a cara do povo. Os pais dos formandos, emocionados, admiravam seus pimpolhos. As meninas examinavam os exemplares masculinos e os marmanjos tentavam encontrar alguma tchutchuca no painel.

Entre os formandos de engenharia isso era particularmente difícil, não só pela predominância masculina como pelo fato de as poucas engenheiras (na época, pelo menos) serem em sua maioria coleguinhas de São Jorge (dragões mesmo).

Pois bem, lá fui eu. O fotógrafo entregou-me um paletó de smoking provavelmente feito para anão com obesidade extra-mórbida, pois a manga terminava quase no meu cotovelo e a largura daria para colocar dois de mim dentro da “fatiota” (eu era magrelão. Talvez hoje até ficasse certinho. Na barriga, pelo menos...).

Foi aí que o Mal se manifestou. Para que o paletó ficasse com aparência de ter sido feito sob medida para mim, o sujeito juntou nas costas todo o excesso de pano e pediu-me que segurasse com uma das mãos. Em seguida, posicionou-me em uma diagonal imaginária (talvez para disfarçar o braço nas costas), fez as recomendações de praxe de não me mexer, etc. e mandou bala. O resultado até que não ficou tão ruim: fiquei com cara de quem estava enxergando um brilhante futuro (ou pensando por que tinha vagabundado tanto durante o curso). Além disso, talvez devido aos retoques, a foto ficou meio enfumaçada, meio etérea, combinando bem com meu bigode a la Woodstock.


Em outra ocasião, precisando de retrato para nova carteira de identidade, dirigi-me ao Foto Zatz. Como sempre, encomendei seis cópias. Sentei-me na cadeira para tirar a foto. O fotógrafo veio, ajustou meus ombros e deu uma entortadinha na minha cabeça para a direita. Caminhou para a câmera e eu corrigi a posição da cabeça. Volta ele e me entorta novamente. Corrijo de novo. Aí ele vem para reposicionar meu rosto e pede para que eu fique assim, sem me mexer (deve ter achado que eu sofria de Parkinson ou coisa parecida). Foi aí que eu tive a grande sacada, o insight:

- Por acaso você nivela (verticaliza) a foto com base na posição das orelhas?
- Isso!
- Então, por favor, tome meus olhos por referência, porque minhas orelhas são desniveladas.
- Rapaz, é mesmo!

Eu tinha acabado de descobrir por que em alguns retratos anteriores eu apareço com a cabeça ligeiramente inclinada. É óbvio que essa descoberta não se aplica indistintamente a todo mundo. Com o Sloth, dos Goonies, por exemplo, não dá para usar os olhos para nivelar o retrato. Fora outros mais...


Para finalizar essas lembranças, só mais um caso: por conta da hiperinflação ocorrida no Brasil, a correção dos salários pegou um ritmo super acelerado. Depois de algum tempo, o espaço próprio da carteira profissional reservado a esse fim já tinha acabado. As páginas destinadas para registro de alguma observação começaram a ser também usadas. Como tinha passado em um concurso, resolvi tirar outra carteira. E lá fui eu ao Foto Zatz. Em lugar de foto colorida, pedi para tirar em preto e branco, por dois motivos: a maior parte da minha galeria está nesse padrão. O outro motivo é que a foto em preto e branco permite retoque para corrigir alguma imperfeição ou defeito durante o processo de revelação, ao contrário da colorida. Quando peguei as seis cópias, verifiquei que o retoque fora feito de forma tão “entusiasmada” que as bolsas das pálpebras inferiores - cada vez mais acentuadas com o passar do tempo - tinham simplesmente desaparecido. Mas lá fui eu providenciar o novo documento. Ao pegar os retratos que lhe entreguei e depois de olhar para mim, a senhora que me atendia comentou:

- Esses aqui não valem, eu preciso de retratos recentes.

Achei graça da recusa e mostrei que tinha acabado de tirá-los. A resposta foi divertidíssima e fulminante:

- Nossa! Retocaram tanto a foto que quase apagaram essa pinta que o senhor tem no rosto!



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