Este texto é a compilação dos três posts publicados sob o título "Pegando um bronze". Resolvi fazê-lo pois acredito ter identificado via Google Maps a prainha onde há 52 anos eu, meu irmão e um amigo tentamos dormir logo após chegar a Guarapari . Há duas hipóteses: uma prainha com apenas 23 metros de largura (imagino que deve ser boa para namorar) e outra, ainda menor, minúscula mesmo. Meu GPS de memória sugere que talvez seja essa menor a que realmente escolhemos para passar a noite, pois a lembrança que eu guardo do lugar é de uma prainha muito pequena e estreita e com acentuada inclinação. No meio do texto podem ser vistas fotos das opções 1 e 2 (estou me sentindo um arqueólogo sentimental!). Em compensação, identifiquei o prédio e estacionamento mencionados nesta história. Essa informação é importante? Claro que não! Olha a visão Google Maps da região na atualidade:
No inimaginável ano
de 1970 meu irmão namorava uma menina que eu também conhecia. Nunca confirmei essa
história, mas ouvi dizer que embora ela namorasse meu brother, estava mais interessada
em mim. Porra, por que ficou escondendo jogo? Eu jamais trairia meu irmão, mas sempre
fui a favor do ditado “rei morto, rei posto”. Mas não é sobre essa figura geométrica
euclidiana sentimental e platônica que quero falar. Por isso, continuemos.
Os pais dessa menina
resolveram passar uns dias em Guarapari, em um hotel ou apart-hotel em que tinham
feito reserva ou a que tinham direito de se hospedar, não me lembro mais. Arrumaram
malas e cuias em uma Vemaguete, puseram as três filhas dentro e se mandaram.
Além da namorada de
meu irmão, a irmã mais velha também tinha seu boy friend, um cara gente boa pra
caramba (eu conhecia a família toda). Por isso, com a viagem já definida, os namorados
também resolveram pegar uma praia (pois já estavam pegando as meninas). Aqui um
pequeno parêntese: meu irmão sempre me chamou para também fazer o que achava bom.
E esse carinho de irmão mais velho eu jamais esquecerei (mesmo que hoje não converse
mais com ele). Por isso, perguntou se eu também não quereria pegar um bronze na
praia dos mineiros.
O “lógico!” talvez
não tenha sido instantâneo, pois não tinha grana, não tinha onde ficar e continuava
com dor de corno pelo término do namoro com o Amor da minha vida. Mas resolvi encarar.
Conhecia uma menina deliciosa (que me pergunto por que nunca tentei uma aproximação,
mas acho que a resposta estava na minha indigência, magreza e feiura), que me emprestou
dois sacos de dormir (os sleeping bags da música do Gil). Depois disso, partiu Guarapari!
A viagem foi feita
de trem até Vitória, aonde chegamos com a bunda quadrada por volta das 16 horas
(e depois de umas dezoito horas de viagem, sem sacanagem). Durante as próximas duas
horas ficamos coçando saco na cidade até pegar um ônibus cheio que nos deixou em
Guarapari. Como estávamos varados de fome por não ter almoçado, resolvemos comer
alguma coisa primeiro, antes de procurar as meninas (pelo menos naquele momento,
creio que nenhum dos dois estava pensando em comer as namoradas. Piada ruim e machista!).
Paramos em um botequim
copo sujo cuja porta, segundo a lenda, havia dez anos que não fechava (mas creio
que não era charme, era ferrugem mesmo). Eu era um caipira que nunca tinha comido
um PF; por isso, avisei aos dois companheiros de sofrimento que comeria tudo o que
viesse no prato. E comi.
Os pratos que chegaram
tinham uma forma montanhosa, de tal forma que ao atacar o arroz um pouco de feijão
caia na mesa. Se o foco era o ovo ou o bife de carne de segunda, era a vez do arroz
cair. Comi macarronada (que odeio até hoje), e cebola crua, que passei a amar. Para
quem já estava meio puto e de saco cheio, aquela comilança foi um providencial antidepressivo
natural.
Depois disso, sabendo
o endereço onde estavam hospedadas as meninas, saímos à procura do hotel. Esse hotel
ficava separado da praia por uma espécie de falésia, pois era construído sobre um
platô uns trinta metros acima do nível do mar.
Não foi difícil
encontrar o hotel, pois ele se destacava na paisagem por ser um prédio alto em
uma área mais deserta. Depois de uma caminhada de um quilômetro, talvez menos, chegamos
ao lugar onde a família estava hospedada. Não sei se meu irmão e nosso amigo conseguiram
manter contatos imediatos de terceiro grau com as namoradas. Só sei que resolvemos
dormir por ali. Onde? Na praia, lógico!
Descendo do platô onde
fica o prédio para a beira mar, há uma prainha muito, muito pequena, com uma inclinação
mais acentuada, condição que entendemos ser favorável para não ser atingidos pela
água se a maré subisse mais. Feita a escolha, decidida a questão, eu e meu irmão
desenrolamos os sacos de dormir, enfiamo-nos neles e foda-se o resto. Para ser sincero,
a verdade não foi bem essa. Nosso amigo trazia apenas a mochila de roupas, que acabou
servindo de travesseiro. Fizemos o mesmo com nossas tralhas e tentamos dormir. Cinquenta e dois anos depois, creio ter identificado a prainha onde dormimos um dia. Na verdade a identificação não é muito precisa, pois há duas boas opções. Intimamente creio que a primeira imagem é que corresponde ao local do nosso "acampamento", mas a segunda também é viável. E claro, é bom lembrar que naquela época as construções que aparecem ao fundo não existiam. Olhaí.
Prainha opção 1 - provavelmente a que foi escolhida para passar a noite
Prainha opção 2
Pensem bem: três matutos
mineiros tentando dormir em uma praia desconhecida, com medo do mar subir e de animais
que porventura resolvessem aparecer por ali (cobras, caranguejos). Dormimos, dormimos
mal, dormimos um sono inquieto, desconfortável. Quando o dia clareou eu já estava
decidido a voltar para casa, pois programa de índio assim era demais para minha
cabeça.
E fomos encontrar as
meninas, que estavam tomando café com os pais. A mudança de ânimo aconteceu ali.
O café do lugar era farto e conseguimos ser convidados pela família para nos juntar
a eles. Comi o que podia comer, repeti o que podia repetir e a Vida ganhou luz,
calor. Trocamos de roupa no apartamento da família e fomos para a praia. Já nem
me lembrava mais de uma hora antes ter abominado aquela viagem e o desconforto sentido
até então.
À noite, continuávamos
com o problema de onde dormir. No prédio não podia e na praia, nem fodendo. A solução
deve ter sido dada pelo sogrão. Nós poderíamos dormir dentro de sua Vemaguete! Abria-se
a tampa do porta-malas, rebatia-se o encosto do banco traseiro et voilá! Duas pessoas
“otimamente” acomodadas dentro de seus sacos de dormir (mesmo que os pés ficassem
para fora do carro). Mas éramos três! A solução possível foi o namorado da filha
mais velha ajeitar-se, contorcer-se no banco da frente. E o pior é que ele era alto
como nós (mais de 1,80m).
Essa situação durou
apenas uns dois dias. Meu irmão resolveu alugar uma bicicleta, derrapou na areia,
caiu, cortou o braço, deu alguns pontos e recebeu a recomendação de tomar antibiótico
de oito em oito horas. Como tomar esse medicamento com hora marcada dormindo dentro
de um carro no estacionamento?
É nessas horas que
você vê que a Providência Divina existe e que Deus protege os insensatos. A solução
foi colocar meu irmão acidentado dentro do apartamento, com a sogrinha trocando
o curativo e controlando os horários do remédio. E a traseira do carro ficou extremamente
confortável para duas pessoas, mesmo que só eu tivesse o saco de dormir. A partir
daí foi só alegria e praia todo dia. Não me lembro mais como nem onde almoçávamos,
um problema menor para mim, que era magro como um espeto.
E se alguém perguntar
se tentei pegar a irmã mais nova, direi que não, por dois motivos: era ainda muito
nova, talvez com uns quinze anos e aparentava não sentir atração por rapazes, ainda
mais quando feios, magros e carecas, pois me esqueci de dizer que estava com a cabeça
raspada por ter sido aprovado no vestibular de engenharia. Pegaria a irmã, mais
feinha, mas com um tchans muito atraente. Só que era a namorada de meu irmão, pô!
Eu estava de cabeça
raspada, era super magro mas ainda tinha uma barriga de tanquinho (herança dos tempos
da natação) e usava uma sunga super minúscula. Saí da água e sentei-me na areia.
Coincidência ou não, logo um sujeito fortão, um maçaranduba uns vinte anos mais
velho que eu sentou perto. E puxou conversa. “Água boa, sol quente, vai pular carnaval?” Fiquei meio cabreiro, imaginando
que ele poderia estar com algum tipo de pensamento inadequado. "Comigo não, mané, aqui não rôla nada, ou
melhor, não rola”. Mas logo percebi que só estava interessado em fazer negócio,
estava só prospectando clientes potenciais.
Contou-me que era o
chefe da segurança do clube local e perguntou se eu iria pular carnaval, pois o
Rei Momo já estava prestes a começar seu reinado de quatro dias (naquela época).
Disse a ele que não, que estava duro, mas perguntei se me deixaria entrar na festa
sem pagar. Falou que tentaria, que era para aparecer lá na porta e mandar chamá-lo.
Beleza!
Na primeira noite,
à falta de roupa melhor, vesti só uma calça jeans (não tinha bermuda) e peguei um
colar riponga emprestado das meninas, feito todo de continhas multicoloridas. Imaginou
a figura? Magro, careca, sem camisa e com um colar idiota balançando no peito. A
quem eu iria interessar?
Cheguei à porta do
clube, cheio de gente querendo entrar, comprar ingresso, etc. e pedi para chamar
o fodão. Chegou e já foi avisando: “se você conseguir uns dez caras para comprar
ingresso na minha mão eu te deixo entrar.” O cara precisava era de cambistas e embolsaria
todo o dinheiro conseguido assim!
E lá foi o mané chegando
perto de todo mundo e oferecendo essa pechincha. Não me lembro de ter “batido a
meta” da contravenção, mas insisti para que me deixasse entrar. Meio a contragosto,
concordou.
Ao entrar no salão
o pau já estava quebrando, mas era diferente de BH. Na minha cidade as moças desacompanhadas
e os casais ficavam “giramarchando” em volta do salão, enquanto os homens solteiros
ficavam à espreita, prontos para atacar a primeira que olhasse em sua direção (foi
assim que comecei a namorar minha Amada). Mas lá, não. Lá as gostosas ficavam brincando
em cima das mesas, deixando o salão para casais e homens desacompanhados. Tentei
convencer algumas a descer da mesa, mas fui totalmente ignorado.
Ainda deu para ver
a chegada de um cantor “famoso”. “Famoso” e seboso, conhecido depois como Fábio
Stella graças a seu único sucesso conhecido (“Stella-a-a!
em que estrela você se escondeu?”).
Lá pelo meio da noite,
sem grana para tomar uma mísera coca cola, sozinho, desacompanhado e sem conseguir
pegar ninguém, a solução foi voltar para a Vemaguete. Nas noites de domingo e segunda-feira
aconteceu a mesma coisa. Só o que mudou foi ter devolvido a porra daquele colar
idiota. Na terça feira gorda não quis nem saber se índio queria apito ou não, pois
já estava de saco cheio de tanto programa de índio.
Se você, cara leitora,
estimado leitor, espera uma lição de moral extraída de uma fábula praiana, só posso
dizer que esse episódio deprimente foi tudo, menos uma fábula. E que moral mesmo
só existe em fábulas. Na vida real sempre é possível encontrar alguma imoralidade,
amoralidade ou as duas juntas. E fim.
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