quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

VAMOS A LA PLAYA

 
Este texto é a compilação dos três posts publicados sob o título "Pegando um bronze". Resolvi fazê-lo pois acredito ter identificado via Google Maps a prainha onde há 52 anos eu, meu irmão e um amigo tentamos dormir logo após chegar a Guarapari . Há duas hipóteses: uma prainha com apenas 23 metros de largura (imagino que deve ser boa para namorar) e outra, ainda menor, minúscula mesmo. Meu GPS de memória sugere que talvez seja essa menor a que realmente escolhemos para passar a noite, pois a lembrança que eu guardo do lugar é de uma prainha muito pequena e estreita e com acentuada inclinação. No meio do texto podem ser vistas fotos das opções 1 e 2 (estou me sentindo um arqueólogo sentimental!). Em compensação, identifiquei o prédio e estacionamento mencionados nesta história. Essa informação é importante? Claro que não! Olha a visão Google Maps da região na atualidade:


No inimaginável ano de 1970 meu irmão namorava uma menina que eu também conhecia. Nunca confirmei essa história, mas ouvi dizer que embora ela namorasse meu brother, estava mais interessada em mim. Porra, por que ficou escondendo jogo? Eu jamais trairia meu irmão, mas sempre fui a favor do ditado “rei morto, rei posto”. Mas não é sobre essa figura geométrica euclidiana sentimental e platônica que quero falar. Por isso, continuemos.
 
Os pais dessa menina resolveram passar uns dias em Guarapari, em um hotel ou apart-hotel em que tinham feito reserva ou a que tinham direito de se hospedar, não me lembro mais. Arrumaram malas e cuias em uma Vemaguete, puseram as três filhas dentro e se mandaram.
 
Além da namorada de meu irmão, a irmã mais velha também tinha seu boy friend, um cara gente boa pra caramba (eu conhecia a família toda). Por isso, com a viagem já definida, os namorados também resolveram pegar uma praia (pois já estavam pegando as meninas). Aqui um pequeno parêntese: meu irmão sempre me chamou para também fazer o que achava bom. E esse carinho de irmão mais velho eu jamais esquecerei (mesmo que hoje não converse mais com ele). Por isso, perguntou se eu também não quereria pegar um bronze na praia dos mineiros.
 
O “lógico!” talvez não tenha sido instantâneo, pois não tinha grana, não tinha onde ficar e continuava com dor de corno pelo término do namoro com o Amor da minha vida. Mas resolvi encarar. Conhecia uma menina deliciosa (que me pergunto por que nunca tentei uma aproximação, mas acho que a resposta estava na minha indigência, magreza e feiura), que me emprestou dois sacos de dormir (os sleeping bags da música do Gil). Depois disso, partiu Guarapari!
 
A viagem foi feita de trem até Vitória, aonde chegamos com a bunda quadrada por volta das 16 horas (e depois de umas dezoito horas de viagem, sem sacanagem). Durante as próximas duas horas ficamos coçando saco na cidade até pegar um ônibus cheio que nos deixou em Guarapari. Como estávamos varados de fome por não ter almoçado, resolvemos comer alguma coisa primeiro, antes de procurar as meninas (pelo menos naquele momento, creio que nenhum dos dois estava pensando em comer as namoradas. Piada ruim e machista!).
 
Paramos em um botequim copo sujo cuja porta, segundo a lenda, havia dez anos que não fechava (mas creio que não era charme, era ferrugem mesmo). Eu era um caipira que nunca tinha comido um PF; por isso, avisei aos dois companheiros de sofrimento que comeria tudo o que viesse no prato. E comi.
 
Os pratos que chegaram tinham uma forma montanhosa, de tal forma que ao atacar o arroz um pouco de feijão caia na mesa. Se o foco era o ovo ou o bife de carne de segunda, era a vez do arroz cair. Comi macarronada (que odeio até hoje), e cebola crua, que passei a amar. Para quem já estava meio puto e de saco cheio, aquela comilança foi um providencial antidepressivo natural.
 
Depois disso, sabendo o endereço onde estavam hospedadas as meninas, saímos à procura do hotel. Esse hotel ficava separado da praia por uma espécie de falésia, pois era construído sobre um platô uns trinta metros acima do nível do mar.
 
 
Não foi difícil encontrar o hotel, pois ele se destacava na paisagem por ser um prédio alto em uma área mais deserta. Depois de uma caminhada de um quilômetro, talvez menos, chegamos ao lugar onde a família estava hospedada. Não sei se meu irmão e nosso amigo conseguiram manter contatos imediatos de terceiro grau com as namoradas. Só sei que resolvemos dormir por ali. Onde? Na praia, lógico!
 
Descendo do platô onde fica o prédio para a beira mar, há uma prainha muito, muito pequena, com uma inclinação mais acentuada, condição que entendemos ser favorável para não ser atingidos pela água se a maré subisse mais. Feita a escolha, decidida a questão, eu e meu irmão desenrolamos os sacos de dormir, enfiamo-nos neles e foda-se o resto. Para ser sincero, a verdade não foi bem essa. Nosso amigo trazia apenas a mochila de roupas, que acabou servindo de travesseiro. Fizemos o mesmo com nossas tralhas e tentamos dormir. Cinquenta e dois anos depois, creio ter identificado a prainha onde dormimos um dia. Na verdade a identificação não é muito precisa, pois há duas boas opções. Intimamente creio que a primeira imagem é que corresponde ao local do nosso "acampamento", mas a segunda também é viável. E claro, é bom lembrar que naquela época as construções que aparecem ao fundo não existiam. Olhaí.

 Prainha opção 1  - provavelmente a que foi escolhida para passar a noite


Prainha opção 2

Pensem bem: três matutos mineiros tentando dormir em uma praia desconhecida, com medo do mar subir e de animais que porventura resolvessem aparecer por ali (cobras, caranguejos). Dormimos, dormimos mal, dormimos um sono inquieto, desconfortável. Quando o dia clareou eu já estava decidido a voltar para casa, pois programa de índio assim era demais para minha cabeça.
 
E fomos encontrar as meninas, que estavam tomando café com os pais. A mudança de ânimo aconteceu ali. O café do lugar era farto e conseguimos ser convidados pela família para nos juntar a eles. Comi o que podia comer, repeti o que podia repetir e a Vida ganhou luz, calor. Trocamos de roupa no apartamento da família e fomos para a praia. Já nem me lembrava mais de uma hora antes ter abominado aquela viagem e o desconforto sentido até então.
 
À noite, continuávamos com o problema de onde dormir. No prédio não podia e na praia, nem fodendo. A solução deve ter sido dada pelo sogrão. Nós poderíamos dormir dentro de sua Vemaguete! Abria-se a tampa do porta-malas, rebatia-se o encosto do banco traseiro et voilá! Duas pessoas “otimamente” acomodadas dentro de seus sacos de dormir (mesmo que os pés ficassem para fora do carro). Mas éramos três! A solução possível foi o namorado da filha mais velha ajeitar-se, contorcer-se no banco da frente. E o pior é que ele era alto como nós (mais de 1,80m).
 
Essa situação durou apenas uns dois dias. Meu irmão resolveu alugar uma bicicleta, derrapou na areia, caiu, cortou o braço, deu alguns pontos e recebeu a recomendação de tomar antibiótico de oito em oito horas. Como tomar esse medicamento com hora marcada dormindo dentro de um carro no estacionamento?
 
É nessas horas que você vê que a Providência Divina existe e que Deus protege os insensatos. A solução foi colocar meu irmão acidentado dentro do apartamento, com a sogrinha trocando o curativo e controlando os horários do remédio. E a traseira do carro ficou extremamente confortável para duas pessoas, mesmo que só eu tivesse o saco de dormir. A partir daí foi só alegria e praia todo dia. Não me lembro mais como nem onde almoçávamos, um problema menor para mim, que era magro como um espeto.
 
E se alguém perguntar se tentei pegar a irmã mais nova, direi que não, por dois motivos: era ainda muito nova, talvez com uns quinze anos e aparentava não sentir atração por rapazes, ainda mais quando feios, magros e carecas, pois me esqueci de dizer que estava com a cabeça raspada por ter sido aprovado no vestibular de engenharia. Pegaria a irmã, mais feinha, mas com um tchans muito atraente. Só que era a namorada de meu irmão, pô!
 
 
Eu estava de cabeça raspada, era super magro mas ainda tinha uma barriga de tanquinho (herança dos tempos da natação) e usava uma sunga super minúscula. Saí da água e sentei-me na areia. Coincidência ou não, logo um sujeito fortão, um maçaranduba uns vinte anos mais velho que eu sentou perto. E puxou conversa. “Água boa, sol quente, vai pular carnaval?” Fiquei meio cabreiro, imaginando que ele poderia estar com algum tipo de pensamento inadequado. "Comigo não, mané, aqui não rôla nada, ou melhor, não rola”. Mas logo percebi que só estava interessado em fazer negócio, estava só prospectando clientes potenciais.
 
Contou-me que era o chefe da segurança do clube local e perguntou se eu iria pular carnaval, pois o Rei Momo já estava prestes a começar seu reinado de quatro dias (naquela época). Disse a ele que não, que estava duro, mas perguntei se me deixaria entrar na festa sem pagar. Falou que tentaria, que era para aparecer lá na porta e mandar chamá-lo. Beleza!
 
Na primeira noite, à falta de roupa melhor, vesti só uma calça jeans (não tinha bermuda) e peguei um colar riponga emprestado das meninas, feito todo de continhas multicoloridas. Imaginou a figura? Magro, careca, sem camisa e com um colar idiota balançando no peito. A quem eu iria interessar?
 
Cheguei à porta do clube, cheio de gente querendo entrar, comprar ingresso, etc. e pedi para chamar o fodão. Chegou e já foi avisando: “se você conseguir uns dez caras para comprar ingresso na minha mão eu te deixo entrar.” O cara precisava era de cambistas e embolsaria todo o dinheiro conseguido assim!
 
E lá foi o mané chegando perto de todo mundo e oferecendo essa pechincha. Não me lembro de ter “batido a meta” da contravenção, mas insisti para que me deixasse entrar. Meio a contragosto, concordou.
 
Ao entrar no salão o pau já estava quebrando, mas era diferente de BH. Na minha cidade as moças desacompanhadas e os casais ficavam “giramarchando” em volta do salão, enquanto os homens solteiros ficavam à espreita, prontos para atacar a primeira que olhasse em sua direção (foi assim que comecei a namorar minha Amada). Mas lá, não. Lá as gostosas ficavam brincando em cima das mesas, deixando o salão para casais e homens desacompanhados. Tentei convencer algumas a descer da mesa, mas fui totalmente ignorado.
 
Ainda deu para ver a chegada de um cantor “famoso”. “Famoso” e seboso, conhecido depois como Fábio Stella graças a seu único sucesso conhecido (“Stella-a-a! em que estrela você se escondeu?”).
 
Lá pelo meio da noite, sem grana para tomar uma mísera coca cola, sozinho, desacompanhado e sem conseguir pegar ninguém, a solução foi voltar para a Vemaguete. Nas noites de domingo e segunda-feira aconteceu a mesma coisa. Só o que mudou foi ter devolvido a porra daquele colar idiota. Na terça feira gorda não quis nem saber se índio queria apito ou não, pois já estava de saco cheio de tanto programa de índio.
 
Se você, cara leitora, estimado leitor, espera uma lição de moral extraída de uma fábula praiana, só posso dizer que esse episódio deprimente foi tudo, menos uma fábula. E que moral mesmo só existe em fábulas. Na vida real sempre é possível encontrar alguma imoralidade, amoralidade ou as duas juntas. E fim.

 

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