E então é Natal... Que merda, heim?
Não gostou do que eu disse? Mas não estou falando do simbolismo e da origem religiosa do Natal, merecedora do meu máximo respeito. A crítica é endereçada à sua vertente secular, mundana. Captou? Não? Então, por favor, não atire ainda a primeira pedra (nem a segunda!), que eu vou tentar
explicar o motivo.
Quando eu estava na primeira infância só
havia duas crianças com quem eu e meu irmão podíamos brincar, que eram nossos
primos ricos (muito ricos). Durante a maior parte do ano os encontros semanais
eram só motivo de alegria. Entretanto, com a chegada do Natal tudo se
modificava. Especificamente no dia 25 de dezembro eles iam à casa de nossa avó
(onde morávamos) e era aquela exibição dos brinquedos mais maravilhosos, mais
espetaculares, mais inatingíveis para nós. Era uma profusão de brinquedos a
pilha, com controle remoto, bicicletas, patinetes, espingardas de chumbinho, mesinha
de sinuca, de totó, brinquedos italianos importados de fazer cair o queixo e de
encher os olhos – de tristeza, pois a indigência dos poucos presentes que
ganhávamos era gritante, especialmente se comparada com a opulência e magnificência
dos presentes dos primos.
O tempo passou, eu cresci, passei a não ligar
para o Natal - nem para sua origem religiosa nem
para essa quintessência do consumismo desenfreado. Depois de me formar na
faculdade, passei a ganhar muito bem (pelo menos, na visão de quem nunca tinha
tido nada). Logo depois me casei e um ano depois nasceu nosso primeiro filho, às
11h30 do dia 25 de dezembro.
A partir daí o Natal adquiriu novo
significado para mim, pois acabara de ganhar um dos quatro melhores presentes
que já ganhei em toda a minha vida. Nessa época as festas na casa de minha
sogra eram ruidosas, alegres e cheias de gente – parentes, amigos de parentes, amigos,
parentes de amigos, amigos de filhos, amigas de filhas. Era uma balbúrdia feliz
e acolhedora.
Pouco mais de um ano depois, nasceram nosso
segundo filho e alguns sobrinhos. O Natal passou a ser definitivamente dividido
em duas partes, o antes e o depois da entrega dos presentes, amontoados debaixo
da árvore da casa de minha sogra. Nessa época minha mulher chegou ao paroxismo de comprar presentes para
setenta pessoas diferentes.
E logo houve mais uma mudança no Natal,
imperceptível a princípio. Uma de minhas
cunhadas engravidou e tornou-se a mãe solo de um menino que tinha um sorriso
meio triste. Despreocupados com isso, inundávamos nossos filhos com todo tipo
de presente que podíamos imaginar – carrinhos dirigíveis, bicicletas, skates,
brinquedos a pilha, ferrorama, robô Arhur, carrinhos de controle remoto, castelo
de Grayskull, todo tipo de brinquedos Lego e Comandos em Ação, etc.
Sem que eu percebesse, nossos filhos mais
velhos provocavam nesse sobrinho os mesmos sentimentos que meus primos tinham
provocado em mim. Às vezes tentávamos amenizar isso dando um presente mais caropara ele,
mas a diferença era gritante.
Depois disso passei a me perguntar que tipo
de sentimento o Natal produzia nas crianças. Fodam-se os adultos, mais
interessados na ceia farta do dia 24 e nos tonéis de cerveja emborcados
alegremente. O que passou a me martirizar foi imaginar o que se passava na
cabeça das crianças pobres ao ver na manhã do dia 25 os filhos de gente mais
abonada exibindo suas bicicletas novinhas, seus patins, suas bonecas “Amiguinha”.
E esse sentimento detonou definitivamente o Natal para mim.
Hoje eu chego quase a odiar o Natal, justamente por essa
sensação de injustiça e desigualdade que a data carrega. E não me preocupo com os adultos, pois eu sei e concordo com a frase "a cada um de acordo com o seu merecimento", mas como explicar isso a uma criança? O que eu tenho pena mesmo é das crianças mais pobres com seu olhar pidão,
brincando com seus carrinhos de 1,99 enquanto olham o desfile de brinquedos que
nunca poderão ganhar. E sinto que estou voltando no tempo, pois com a merreca
que ganho hoje como aposentado não tenho mais condição de comprar presentes
minimamente decentes para as netinhas e para nossos filhos. E tudo isso me deixa
triste, profundamente triste.
A gente parece sentir um tipo de culpa, como se não merecessemos o que outros não têm, como se usurpássemos o mínimo deles. E olha que eu nem sou cristão. Imagino como seja mais deprimente ainda para você.
ResponderExcluirNa verdade eu não sinto nenhuma culpa por ter dado presentes que muitas crianças jamais ganharão. O que eu sinto mesmo é pena. Quando meus filhos ainda estavam na fase da crença do Papai Noel eu tentei resolver isso na minha cabeça e na de meus filhos. Comecei a dizer que o Papai Noel trazia apenas um presente por criança (geralmente os mais baratos) e quem comprava o resto era eu. Ou seja, "Papai Noel" não era um velho injusto, injusta é a Vida.
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