terça-feira, 31 de maio de 2022

BREAK A LEG!

 
Sou um leitor silencioso dos blogs de meus amigos virtuais. Claro, só daqueles que posso acessar, certo, Scant? Às vezes comento alguma coisa, mas, por uma espécie de pudor, na maioria das vezes permaneço calado, pois tenho receio de fazer comentários muito ingênuos, idiotas, pedestres ou dispensáveis (mas dou notícia de tudo).
 
Recentemente li uma resposta dada por meu amigo virtual Marreta a um dos leitores de seu blog. O que chamou minha atenção foi o fato de, pela primeira vez, ler uma referência à depressão que estava sentindo. Logo ele, o cara que descarta o favo de mel e come abelha, o discípulo fiel do Bukowski, o pós graduado em cervejas boas e baratas!
 
Fiquei pensativo com essa novidade. Quem ou o que deu a ele de presente um cachorro preto igual ao do Churchill? Obviamente não espero resposta nenhuma nem ele tem satisfação a me dar. Para mim, por ter alguma intimidade com esse sentimento, o assunto serve apenas para divagações.
 
Ele é bem mais novo que eu, ainda se emputece no trabalho e imagino que tenha vários motivos para levar uma vida normal. Mas não é assim que as coisas acontecem. Pelo menos, não comigo. E mesmo que alguém possa pensar que isso é frescura ou jogo de cena, preciso dizer que não é, pois às vezes os sentimentos extravazam como água em caixa d’água com boia estragada.

Só para exemplificar o poder que alguns sentimentos negativos possuem, vou contar rapidamente um fato que está acontecendo agora. Conheço há alguns anos uma pessoa a quem sempre admirei (não, não sou eu). É super competente, super profissional, professora universitária, morou na França, independente financeiramente e agora aposentada. Resumidamente, uma pessoa muito foda. De repente, como disse o Vinícius, “não mais que de repente, do riso fez-se o pranto” e essa mulher começou a exibir todos os sintomas de uma síndrome do pânico pra lá de pesada, chorando frequentemente, sem conseguir sair de casa nem para se vacinar.
 
Aprendi que síndrome do pânico não é depressão (mas pode levar a isso). Mesmo assim, esses são sentimentos negativos que você não controla facilmente. Como não sou psicólogo, quero apenas comentar minha experiência pessoal com os estados depressivos (os meus).
 
Porque depressão é uma coisa estranha, muito estranha. Às vezes, assim do nada, o disjuntor da alegria e bem estar desarma e a melancolia invade e afeta todos os "circuitos integrados". A partir daí é mergulho em apneia, torcendo para que o oxigênio do pulmão não acabe.
 
Eu sei que tenho mil motivos a mais que o Marreta para ter depressão – sou idoso (a idadenos torna mais propensos a isso), não trabalho, não tenho amigos com quem conversar. Por isso, às vezes a única vontade que tenho é ficar abraçado com meu black dog em um canto escuro da casa, babando fel e esguichando tristeza.
 
Esses apagões emocionaais acabam se refletindo no que escrevo ou penso. E isso não é frescura. Uma forma boa de tentar voltar à superfície é falar ou escrever sobre isso (correto, GRF?). Por não ter com quem falar “ao vivo e a cores”, escrevo e posto no blog. Mas essa é uma opção minha (sou exibicionista, entende?)
 
E esta é a mensagem para meu amigo Marreta: escreva, escreva, escreva, sem filtro, apenas para você. Não precisa (talvez nem deva) postar no blog. Isso pode ajudar a iluminar e oxigenar seu cérebro. Como dizem entre si os atores britânicos antes de entrar em cena: “break a leg!”.

segunda-feira, 30 de maio de 2022

GEMININIÑAS 04

 
Hora do jantar, as menininhas falando aleatoriamente, só na zoeira. O pai comenta:
- Assim vocês vão deixar o papai maluco.

Resposta da Bia:
- Papai, você já é maluco!
 
 
Horário do café da manhã, a Bia já tinha tomado seu leite e estava brincando pela casa fingindo que era uma gata. Cacá, ainda sentada à mesa, olha para a fruteira e diz:
- Humm, banana, quero comer banana! Vou pegar uma banana grande!

Puxa a fruteira para perto de si, pega uma banana e olha:
- Banana! Humm, essa banana é  pequena...

Aí olha por sobre o encosto da cadeira e fala:
- Gataaa, oh gata! Quer uma banana?

Entrega a banana para a Bia e fala para os pais:
- Aquela banana é para a gata.
Ai vira para a fruteira e pega uma banana maior...
 
 
A Bia, geralmente acorda mais cedo que a Cacá, mas não se levanta. Fica deitada na cama cantarolando ou falando sozinha, como forma de acordar a irmã. Era domingo e o pai comentou:
- Assim você vai acordar a mamãe e a Cacá. Quer ir à padaria com o papai?

Topou na hora. Ao chegar em casa a mãe já tinha acordado. A Bia continuou a falar perto da porta do quarto das duas, com o claro objetivo de acordar a irmã. A Cacá levanta-se enfurecida, sai pisando duro até a sala e dá um esporro:
- Ô gente, vocês não estão me deixando dormir! Eu gosto de dormir de dia porque à noite eu tenho pesadelos com fantasmas!
 

domingo, 29 de maio de 2022

MAIS ESTRANHO QUE BRÓCOLIS

 
Este é um tempo muito estranho, tempo de truculência escancarada. Parece que uma parte da população sente-se hoje à vontade e – talvez! – até estimulada a exibir seus preconceitos mais profundos, mais enraizados, sua falta de equilíbrio e moderação, seu ódio mais destilado, sua tolerância zero a tudo o que os desagrada. Encontra-se de tudo nesse "pacote de inconveniências", desde a simples falta de educação despreocupadamente ostentada até o feminicídio assustadoramente frequente.
 
Qual seria a causa, o alimento, o adubo, o exemplo que afeta ou influencia o time barulhento e radical responsável por essa paralisada ou retrocesso no processo civilizatório? Para mim tem um nome, uma fama, um modo de falar, um comportamento que me faz suspeitar ser ele o start, o botão de partida, a chave de ignição desse motor barulhento.
 
Para quem acha que estou falando de forma cifrada ou com mais rodeios que a festa do peão de Barretos direi apenas que optei por falar assim, por ser apenas crítico, por ser contra a queima e destruição de ônibus, de trechos da floresta amazônica ou “apenas” das relações pessoais. Entendeu agora? Ainda não? Está difícil? Vou contar um pequeno caso que sintetiza ainda que superficialmente o que acabei de escrever.
 
Minha mulher tem uma amiga que conheceu ainda no tempo do ensino médio. “Quis o destino” (clichê!) que as duas fossem aprovadas no vestibular do curso de Letras da mesma universidade e fossem colegas de sala, o que estreitou mais ainda essa amizade e fez com que minha mulher a considerasse sua melhor amiga da faculdade.
 
Depois de formadas cada uma seguiu seu caminho. Casaram-se, tiveram filhos e se afastaram geograficamente, pois a amiga mudou-se para São Paulo. Apesar disso os reencontros ocasionais sempre foram e continuam sendo motivo de alegria para as duas colegas de faculdade.
 
Anteontem, minha mulher recebeu uma mensagem via zap comunicando a morte da irmã dessa amiga, vítima de um AVC. A reação imediata, natural foi a preocupação e o desejo de ir ao velório, dar um abraço de condolência nos familiares da falecida.
 
O reencontro afetuoso com muitas lágrimas de pesar, abraços e consternação foi o que normalmente se espera ocorrer nessas ocasiões. Família numerosa (que minha mulher conheceu ainda no tempo de faculdade), velório cheio pra caramba, tudo conforme “o combinado”.
 
Foi aí que aconteceu o inesperado. Fiquei conversando por alguns minutos com a filha dessa nossa amiga, conversa iniciada com um pedido de desculpas por eu não me lembrar de já ter sido apresentado a ela quando foi com sua mãe à nossa casa.
 
Pedi desculpas pelos esquecimentos cada vez mais frequentes, contei a piada da memória RAM que foi pro brejo, falei da demência de minha avó, da minha mãe e do meu receio de ficar assim também. Contei alguns casos engraçados, pitorescos ou constrangedores que minha avó e minha mãe protagonizaram e exibi meu tradicional comportamento jotabélico, o do cara simpático, prolixo, que mais fala que escuta e chato pra cacete.
 
Pedi desculpas por isso, me afastei e fiquei por ali de bobeira, meio perdido naquele mar de gente desconhecida. Foi quando nossa amiga, irmã da falecida, aproximou-se, apoiou a mão em meu braço e perguntou:
- Que você estava falando com minha filha? Você falou com ela sobre o PT? Porque ela defende o Lula, mas eu sou Bolsonaro!
 
Disse-lhe para não se preocupar, que em momento algum esse assunto tinha sido lembrado e que eu sou um futuro eleitor da Simone Tebet. E ela resolveu explicar:
- Eu não gosto do Bolsonaro, mas não tenho outra opção, pois o Lula é ladrão.
 
E o assunto morreu ali (jogo de palavras não proposital). Sinceramente fiquei surpreso e até achei engraçada essa abordagem. Recordando: sua irmã estava sendo velada e essa “maluca” preocupada com Lula e Bolsonaro minutos antes da realização do sepultamento!
 
Para mim, um exemplo de que (como dizia minha mãe) o povo “perdeu o juízo” e começou a agir e se comportar sem nenhuma preocupação em manter o mínimo de bom senso e moderação. Imagino que o mau exemplo, a vitamina, o adubo para esse comportamento indesejável e inadequado deve vir lá do planalto central do país.
 
Alguém agora poderá pensar ou dizer em voz alta que “esse cara (eu, no caso) falou um tanto de abobrinhas só para contar uma bobagem dessas? Idiota!”
 
Pois é, acho que sou mesmo um idiota preconceituoso, pois esse casinho bobo é só um pequeno exemplo do descontrole emocional que vem sendo exibido de forma crescente por algumas pessoas. O aumento das manifestações de falta de educação, intolerância, grosseria ou até mesmo de ameaça à integridade física, mental ou moral de quem se posiciona criticamente e “nos” desagrada deve ter um exemplo, um estímulo subliminar.
 
Quando fico sabendo que mais um boçal agrediu, espancou, tatuou, esfaqueou ou assassinou sua namorada, companheira ou esposa, a única coisa que vem à minha cabeça é que essa expansão e visibilidade dessa recorrente falta de educação, grosseria, truculência ou intolerância não pode ser apenas coincidência.

Fico tentado a pensar que um vento de radicalismo, um miasma vindo de Brasília pode estar envenenando e intoxicando a mente de muita gente. E que fatos aparentemente desconexos tendo apenas a intolerância como ponto de contato podem ser uma prova disso.

sábado, 28 de maio de 2022

O PADEIRO – RUBEM BRAGA

Aqueles que leem o blog há mais tempo, o “pessoal das antigas” (embora a maioria não tenha nem a idade de meu filho mais velho), sabe que um dos melhores alimentos para minha alma é o lirismo. Todas as vezes em que leio um poema ou crônica cuja qualidade principal seja o lirismo nele impregnado, esqueço-me ainda que momentaneamente da brutalidade dos dias atuais. Em lugar do cheiro asfixiante do gás lacrimogênio jogado na parte traseira de uma viatura policial, sinto-me como se estivesse envolvido por um perfume suave, muito agradável e delicado.
 
Basta chegar a sexta-feira para que aqueles que trabalham sonhem com as possibilidades de diversão que surgem: cerveja com os amigos, uma balada esperta, show com aquele músico que acabou de lançar novo disco, futebol, motel, museu, caminhar de mãos dadas com o/a namorado/namorada, fazer rapel e sei lá mais o quê.
 
A mim me resta o eventual encontro com as netas, fazer compras no supermercado, assistir na TV ao programa do Mion ou do Huck, ouvir música no youtube ou ler. E não há melhor leitura que os textos produzidos pelos escritores que admiro, mesmo que já os tenha lido mais de uma vez. Hoje resolvi hoje reler Rubem Braga, um dos meus ídolos máximos. E foi dele que peguei a crônica transcrita a seguir. Como eu gostaria de escrever com a metade de sua qualidade literária e lirismo! Espero que gostem. Olhaí.
 
 
Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a "greve do pão dormido". De resto não é bem uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.
 
Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. E enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:
 
- Não é ninguém, é o padeiro!
 
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?
 
Então você não é ninguém?"
 
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...
 
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como pão saído do forno.
 
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!"
 
E assobiava pelas escadas.
Maio, 1956
 

sexta-feira, 27 de maio de 2022

PISCESCOLOGIA APLICADA

 
Acordei hoje meio assustado, depois de sonhar que havia feito uma tomografia astral do meu cérebro e descoberto que ele era um emaranhado de anzóis (tenho sonhado muito). Aí, mesmo que eu não acredite em nada disso, resolvi buscar no Google alguém que conseguisse explicar o significado oculto desse sonho.

Como todos estão cansados de saber (adquirir conhecimento cansa muito e dá trabalho!), o Google é uma ferramenta de mil e uma utilidades, ou melhor, de um googol e uma utilidades. E o danado encontrou!  Em algum site que esqueci de anotar o endereço, encontrei esta fantástica explicação:

Se você sonhou com anzol na cabeça, saiba que este é um alerta para você prestar atenção em sua vida pessoal. Você está se sentindo confuso e os seus pensamentos parecem estar fora de ordem, atrapalhando as suas relações e a sua produtividade. Você está enxergando tudo como um completo caos, sentindo que está em um beco sem saída.

Para conseguir superar essa fase, você deve manter a calma e começar a cuidar de si. É uma ótima oportunidade para começar atividades que promovam o relaxamento. Estando mais calmo, você se sentirá capaz de colocar os seus pensamentos em ordem e começar a organizar a sua vida.

Depois disso, eu, que estava só impressionado com o sonho, comecei a ficar cabreiro com essa interpretação. Até tentei racionalizar ao dizer a mim mesmo que talvez a piscescologia pudesse ter uma explicação para tanto anzol, mas o trocadilho infame só fez aumentar a ansiedade.

Foi aí que eu senti como que um puxão na minha vara (vara de pesca, obviamente), sinal de que tinha alguém mordendo a isca. Gostaria que fosse uma sereia, mas era só um peixinho (ambos apenas metafóricos, naturalmente) e tudo ficou claro para mim. Meu cérebro jotabélico estava cheio de anzóis por estar sempre tentando pescar alguma ideia para publicar no blog. Elementar, meu caro Water (& son)!

Olhai o resultado da tomografia astral (talvez eu possa ganhar uma boa grana se criar um curso de piscescologia aplicada pela deep web, voltado só para charlatães. Foda será se aparecer uma baleia interessada).







quinta-feira, 26 de maio de 2022

MEU CARO AMIGO

 
As redes sociais são a horta mais adubada, a terra mais fofa, o terreno mais fértil para que algumas pessoas “plantem” seus preconceitos, suas verdades eternas e visão estreita de mundo. Tenho tentado passar direto quando percebo alguma dessas cobranças de comportamentos ou receitas de vida bitoladas ou preconceituosas.
 
Conheço superficialmente um sujeito por quem tenho pouca ou nenhuma simpatia, justamente por ser do tipo que bate na mesa, eleva a voz e fala abobrinhas que dariam para lotar duas centrais de abastecimento. Como parece ser incapaz de pensar por conta própria, às vezes publica textos do tipo que mencionei acima. O mais recente foi este:
 
Depois de ler esse lixo, resolvi mandar uma mensagem privada para ele com meu comentário. E a postagem de tudo isso atende a vocação “blogoteca” do Blogson, ou seja, é apenas o arquivamento de uma “carta digital” (a vantagem é que não preciso comprar o selo). Olhaí.

 
Cada pessoa teve um tipo de infância, um tipo de cobrança, um tipo de exemplo. Não há modelo único. Por isso, resolvi te contar a criação que tive. Nasci em 1950 e morei na casa de minha avó materna até me casar, pois meu pai quebrou quando eu ainda era criança e nunca se recuperou plenamente nem do ponto de vista financeiro nem mentalmente (imagino que tinha depressão quase incapacitante).
 
Provavelmente usei fralda de pano - o que não é nenhuma vantagem, pois meus filhos usaram também. Na casa de minha avó não se cozinhava com banha de porco e nunca tive bicicleta. Na casa onde eu morava viviam duas crianças e doze adultos. Nunca apanhei na minha vida e só comecei a trabalhar quando entrei para a faculdade.
 
Durante muito tempo não teve aparelho de televisão na casa de minha avó. Por isso, eu ia assistir TV na casa de minha tia, que morava pertinho. Não me lembro se fiz juramento à bandeira mas sabia cantar o hino nacional e o hino da independência.
 
Nunca bebi água de torneira e sofri MUITO bullying na escola. Celular, tablet e computador pessoal surgiram quando eu já era adulto (o primeiro microcomputador em que coloquei minha mão foi comprado por um colega de trabalho, lá por volta de 1982).
 
Nunca ajudei minha mãe em nada e ela nunca me cobrou isso. A única coisa que meus pais fizeram foi me incentivar a estudar. Uma das tias comprava coleções de livros de literatura vendidos em banca de revista e eu passei o final da minha infância e boa parte da adolescência lendo tudo o que passava na reta.
 
Como pode ver, não há infâncias nem lembranças iguais. Algumas pessoas tendem a romantizar sua infância e juventude e até a reclamar que os jovens de hoje não tenham o comportamento “exemplar” que havia no “seu tempo”, mas só sei que tudo muda e que eu não tenho NENHUMA saudade daquela época. Abraços.

 


"REMARKABLE"

 
Tenho tentado propositalmente privilegiar textos e posts idiotas para publicar aqui no Blogson.  Se alguém perguntar por que eu tenho esse tipo de preferência (já que o “humor” que produzo é uma merda), apenas direi que gosto de rir, de sorrir, mesmo que seja no estilo hiena. Além do mais, se existem pessoas que gostam de campari, por que não posso gostar das minhas piadas?
 
Justamente por isso até já estava com mais um texto “sem noção”, programado para ser publicado hoje. “Estava”, disse-o bem, pois resolvi deixar para depois, seguindo aquele ditado que diz “Deixe para depois o que está pronto desde ontem”. E por mais que eu queira pensar que o motivo foi o que os gringos chamariam de remarkable, excepcional, foi, na verdade, uma motivação muito ordinária, talvez até extra ordinária, pois resolvi hoje fazer uma passagem do mundo virtual para o mundo real (não estou falando de mim, pô!).
 
Para acalmar todas as pessoas que ficaram agora com palpitação, incapazes de dar palpite e sem ação, direi que existe a partir de hoje uma versão física da história dos micro-organismos de 3,5 bilhões de anos atrás. Pois é...
 
Na falta do que fazer (além de lavar vasilhas, estender a roupa lavada no varal e varrer a casa), resolvi criar um arquivo dessa história para ser impresso na papelaria do bairro. Deu um trabalho do cacete ajustar a sequência correta de páginas a imprimir, cortar folha por folha na guilhotina, criar uma capa bem fuleira, grampear o conjunto, etc. etc.
 
O resultado dessa missão ficou bastante jotabélico (sinônimo de tosco), mas está vivo e pronto para ser folheado por alguma vítima que eu consiga abduzir. Agora já posso até morrer, pois plantei uma árvore, fiz quatro filhos e publiquei uma revistinha! Alguns comentários são pertinentes neste momento:

- A árvore foi cortada, pois a filha da puta cresceu demais e os imensos galhos tinham uma propensão danada para quebrar com qualquer ventinho e detonar o que estivesse em baixo;
- Os filhos só me dão alegria (e netas também);
- E a revistinha, bem... pode não ser um livro, mas é feita de papel e tem valor, pois sua impressão custou dezesseis pratas. Quer mais? Olha a abantesma aí:



Mas se alguém quiser ler a versão digital (“a propaganda é a alma etc. etc.”) os links são estes:





quarta-feira, 25 de maio de 2022

LULA: O HONESTO ENGANADO - RICARDO KERTZMAN

Ricardo Kertzman é um jornalista com colunas publicadas pela Folha e pelo jornal Estado de Minas, de BH. Como a Folha bloqueia o acesso a seus textos para quem não é assinante, acabo lendo o que escreve no portal do “jornal dos mineiros”. Não sou um leitor fiel, pois nem sei quando seus artigos são publicados. Só sei que gosto lê-los, porque ele espanca tanto o Lula quanto o Bolsonaro. Gostei tanto do mais recente que li que resolvi reproduzi-lo aqui no Blogson. Na minha opinião, impossível discordar dele. Olhaí.
 
 
Um gambá cheira o outro, diz o ditado. A alma mais honesta do Brasil jura de pés juntos que é… a alma mais honesta do Brasil. Porém, suas amizades mais íntimas dizem o contrário. São raros os que não foram presos. Vejamos:
 
Delúbio Soares e João Vaccari, ex-tesoureiros do PT. José Dirceu e Antônio Palocci, companheiros históricos e ícones do partido. Marcelo Odebrecht e Leo Pinheiro, dois dos maiores empreiteiros do País. E Lula, tadinho, sempre enganado.
 
Pois é. Mais uma vez, o inocente pai dos pobres se vê às voltas com as coincidências infelizes que vivem a lhe atormentar. A mansão onde mora atualmente, com sua nova esposa, pertence a um argentino nada, digamos, ‘ficha limpa’.
 
O imóvel, de 700 metros quadrados, cinco suítes e oito banheiros, foi alugado pelo humilde líder sindical por módicos 20 mil reais mensais, pouco menos do que vinte salários mínimos da ‘classe trabalhadora oprimida pelo capitalismo selvagem'.
 
O dono é um tal de Frederico las Heras, que já foi preso e acusado de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Lula, aliás, também já foi acusado, condenado e preso pelo mesmo ‘branqueamento de capitais’. Que coincidência, não? 
 
De um lado, temos o chefe de um clã ligado às milícias, que pratica peculato e condecora assassinos de aluguel, além de indultar criminosos condenados pelo STF. Trato aqui de Jair Bolsonaro, o verdugo do Planalto, é claro.
 
De outro, Lula da Silva, o pai do Ronaldinho dos Negócios, homem inocente e puro que vive cercado de bandidos que se aproveitam de sua inocência e ingenuidade. São estes - ou um ou outro - os próximos presidentes do Brasil. 
 
Eduardo Leite? Gay! João Doria? Babaca! Felipe D'Ávila? Mauricinho! Simone Tebet? Mulher! Sergio Moro? Traíra! Ninguém presta; apenas Lula e Bolsonaro. E tem quem não entenda por que estamos nesta merda toda.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

EMBARAÇADO NO CORDEL



 
 Nunca pude sair de mim mesmo. Só posso escrever o que sou. E, se as personagens se comportam de modos diferentes, é porque não sou um só. (Graciliano Ramos)
 
Mesmo sem querer, fala em verso quem fala a partir da emoção. (João Cabral de Melo Neto)
 
 
Ao chegar à estação
Não sabia o que fazer
Nem para onde eu iria
Nada podia antever
 
E assim começou a viagem
Era um menino preso
Não tinha nenhum traquejo
Estava sempre em desvantagem
 
Só sei que era magrinho
Um menino bem franzino
Que nem sonhava o destino
Que um dia iria ter
 
Depois que aprendi a ler
Não dava importância a mais nada
De curiosidade ou por tédio
Lia tudo o encontrava
Revistinhas, alfarrábios
E até bulas de remédio.
 
Com essas leituras, absorto
Nunca pensei procurar
Entender por onde iria.
Estrada reta, caminho torto
Ou quem seria meu guia
 
Quis talvez o acaso
Que tivesse estampada no rosto
Enorme e peluda pinta
Aposta de Deus com o capeta?
Só sei que era bem feia,
Escura, preta, retinta
 
E durante algum tempo
Trouxe apenas desgosto
Pois dinheiro nunca sobrou
Para marcar a cirurgia
E acabar com o sofrimento
 
O tempo passou e eu cresci
Mas só no tamanho e idade
Pois nunca estava disposto
A encarar a realidade
 
Vivia sempre sonhando
Sonhando sempre acordado
E juízo me faltava para cuidar
E manter-me atento
A quem estava ao meu lado
 
E no sonho que eu vivia
Às vezes me parecia
Que no lugar onde eu estava
Não havia mais ninguém
Pra me fazer companhia
 
Era um lugar esquisito
Era estranha lotação
Parecia um terminal
De bonde, metrô ou até
De um trem azul, o vagão
 
E eu sentado sozinho
Sem querer ver, sem notar
A paisagem da janela
Que passava velozmente
Velozmente, sem parar
 
Estranha, enevoada imagem
Mas eu nem a percebia
Para mim só interessava
O que o vidro refletia.
 
Foi assim que eu pretendi
Contar a vida que vivi
Uma vida descuidada
Vida tão desperdiçada
 
Pois sem sequer saber
Onde e quando ia descer
Comecei a perceber
Que o trem estava parado
 
E a paisagem distante
Que eu via passar sem dar tento
Não era nenhuma paisagem
Era meu perdido tempo.


A imagem utilizada foi retirada de um blog de receitas desenhadas, o excelente Mixidão (https://mixidao.com.br/)

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 22 de maio de 2022

PAROLA FLÁCIDA

 
Já fazia muito tempo que eu não agredia o pessoal que acessa este blog mambembe com meus “versos fabulosos”. Mas tive um sonho. Nada parecido com a grandeza da frase “I have a dream”, dita por Martin Luther King. Meu sonho estava mais para pesadelo, talvez um sonho-pesadelo, onde recitava um poema de cordel. Aquilo ficou na minha cabeça e eu resolvi me enrolar nesse barbante.
 
Até tentei aprender como é a estrutura dessa forma de poesia, mas, por impaciência, desisti. E como eu sou quase um jegue nordestino, resolvi criar minha versão dessa manifestação popular. Está pronta e já na sala de embarque, ansiosa pela viagem, logo depois desta parola flácida.
 
Mesmo que ninguém tenha nada com isso, amanheci com vontade de conversar fiado, de jogar conversa fora. Maaas, como não tenho ninguém com quem falar besteiras, resolvi entupir a orelha do blog com uma conversa mole bem descompromissada, bem coloquial, sem nenhuma intenção de usar palavras e expressões difíceis, do tipo “parola flácida”.
 
Segundo o Aurélio, parola é sinônimo de conversa fiada, sequência de palavras ocas, tagarelice, justamente o que estou fazendo agora. Há muito tempo – isso significando que talvez a juventude que acessa este bolog não conheça – uma das brincadeiras colegiais era utilizar palavras mais chiques, eruditas, para redefinir expressões populares. Como esta, por exemplo: “É de mais valia um bípede alado na destra que dois deles desafiando a lei da gravidade” ou “mais vale um pássaro na mão que dois voando”.
 
Mesmo que não estejam com a intenção de fazer piadinhas, há muitas pessoas que acreditam ser muito chique escolher palavras “difíceis” para escrever seus textos meia boca. E não se preocupem, pois minha carapuça (essa palavra é muito feia!) já está colocada. Como bem disse Graciliano Ramos (obrigado, Google!), “Dicio­nário, para mim, nunca foi apenas obra de consulta. Costumo ler e estudar dicionários. Como escritor, sou obrigado a jogar com palavras. Logo, preciso conhecer o seu valor exato”.
 
Apesar de super mal humorado, ele sabia das coisas. Porque algumas palavras são tão “difíceis”, refinadas e chiques, que para usá-las o sujeito deveria precisar apresentar carteira de identidade e atestado de bons antecedentes. Sério! Tenho tentado me livrar da tentação de utilizar palavras que conheço só de vista, a que mal fui apresentado. Claro, ajudado pela “cebola da memória”.
 
O britânico Winston Churchill deu esta receita: “Das palavras a mais simples; das mais simples, a menor”. Como eu nunca serei primeiro-ministro, estou pouco me lixando para o conselho do inglês. Prefiro prestar atenção no nordestino João Cabral (aquele, o de Melo Neto) quando diz (mesmo sem ter nada a ver com este texto) que “Escrever é estar no extremo de si mesmo”.
 
Por isso, como prévia do que irão encontrar no próximo post, resolvi preparar o espírito da moçada que acessa o blog com este comentário sobre o Graciliano (o Ramos!):
 
Graciliano era exigente com tudo o que escrevia
Revia, revirava, riscava, cortava, polia
Gostava de textos enxutos e de adjetivos corria
Eu, ao contrário dele (e isso não é qualidade)
Não reviso quase nada, utilizo mal as vírgulas
Gosto de unir sinônimos e dos parênteses abusar
Escolho mal as palavras (excesso de vaidade)
Pois tudo o que eu quero mesmo
É ver do texto o final só pra poder publicar.

sábado, 21 de maio de 2022

AGRADECIMENTO SINCERO

 
Na adolescência, minha mulher correspondeu-se com um cara de outro país. Ele não falava português, ela não sabia sua língua. Mesmo assim, quando ainda nem se sonhava com tradutor instantâneo e carta não era um objeto anacrônico, trocavam correspondência, misturando espanhol e francês.
 
Apesar da distância e da barreira da língua eram amigos, talvez mais até que muitos de seus conhecidos ou vizinhos. A mesma coisa acontece hoje comigo, pois considero amigos e amigas virtuais as doze pessoas que teoricamente sempre leem o que publico no blog. Mesmo sem que nunca tivéssemos nenhum contato fora do mundo virtual, são mais amigos e amigas que muitos “amigos de facebook”, por exemplo, a quem conheço e com quem convivo ou já convivi no mundo real.
 
E um desses amigos virtuais é um sujeito que sempre me surpreende pela preocupação que tem comigo (pelo menos é assim que eu vejo). Creio que ele é novo pra cacete e eu sou velho pra caralho. Apesar da diferença de idade, às vezes sinto como se ele fosse o pai e eu o filho, tantas são as dicas, orientações, links e comentários que faz quando o “black dog” cisma de morder meu calcanhar. Por essa atitude proativa até já o nomeei meu coach de otimismo (atividade sem vínculo empregatício e sem remuneração).
 
A mais recente manifestação aconteceu depois que publiquei o post “Cebola das palavras”, em que falei de meu receio de estar empobrecendo um vocabulário já naturalmente pobre. O Scant (é assim que o conheço) mandou logo uns três ou quatro links, indicando livros, sugestões de atividades e suplementos alimentares.  Impossível deixar de agradecer toda essa atenção. E é isso que faço agora.
 
Mas uma coisa ele ainda não sabe – e demorará muito a saber. Ele é um ótimo coach de orimismo, mas não tem a “velhitude” necessária para entender que os idosos podem ter diferentes formas de depressão. E eu te digo, meu caro amigo Scant, não há remédio, leitura ou ginástica que interrompa, que impeça a erosão que o Tempo provoca.
 
Podem retardar, podem dar uma freada, podem diminuir a velocidade da “descida”, mas lá no fundo, bem lá no fundo, sempre estará preservado aquele gosto amargo que a velhice provoca. Mesmo assim, obrigado, obrigado de coração pelo interesse, pelas dicas, pela amizade. Você é o cara!

sexta-feira, 20 de maio de 2022

CHANEL, CORDEL

 
Na hora de dormir, normalmente sou avesso a todo tipo de coberta. Geralmente uso apenas cueca. Dependendo do calor, sigo o exemplo da Marylin Monroe – mas sem Chanel nº Cinco (em outras palavras, durmo nu, peladão).
 
Mas o frio polar que atingiu BH fez com que eu alterasse minha rotina. Passei a dormir “paramentado” como se estivesse saindo para uma expedição à Patagônia – meias grossas, calça comprida e blusa de moleton de mangas compridas. Cedi o cobertor para que minha mulher se enrolasse nele e passei a me cobrir com uma manta pesada, dobrada ao meio.
 
Creio que essa mudança de hábitos impactou um pouco o meu sono, pois passei a ter alguns sonhos louquíssimos (que prefiro não detalhar, pois minha integridade física vale mais. Só posso dizer que não fiz corpo mole).
 
Mas um desses talvez valha a pena registrar, pois lembra filme de sessão da tarde. E tudo começou com uma viagem, sem que eu me desse conta disso. O mais bizarro é que o sonho aconteceu como se existisse alguém fazendo dois papéis: eu, viajante, e eu mesmo como narrador, tentando fazer uma narrativa rimada, tipo cordel (devo ter exagerado no Toddy das dez da noite).

Não me lembro da maioria das rimas, todas muito ruins (que talvez nem tenham existido). Mas o sonho me motivou a tentar escrever uma poesia tipo cordel. Só posso dizer que já estou trabalhando nela, mas está difícil. Minha esperança é conseguir repetir esse sonho-pesadelo, só para ver como termina a história.

CEBOLA DAS PALAVRAS


Ontem, eu, minha mulher e duas de suas irmãs fomos visitar sua prima mais velha, senhora na faixa dos oitenta anos, que está com Alzheimer e fica hoje apenas na cama. Quando chegamos e perguntada por sua filha quem éramos nós, lembrou-se do nome das primas e até do meu. Pode parecer pouco, trivial, mas não é. Só quem passa pelo dissabor de ter um parente com algum tipo de demência sabe a barra que isso é.
 
Eu poderia dizer que sou quase diplomado nesse assunto, pois, na adolescência, durante seis anos, convivi diariamente com o processo de erosão mental de minha avó materna. Mais tarde, já casado, foi a vez de tentar manter um contato carinhoso com minha mãe, ainda que de forma esporádica.
 
Por isso, a visita à prima de minha mulher serviu para que eu revivesse pensamentos antigos sobre o impacto na memória provocado pelo envelhecimento e, em último caso, pela demência. Até por já ter escrito aqui no blog sobre isso, não quero falar sobre a demência de minha avó e minha mãe. Por isso, “para variar” (e até por ter algum conhecimento acumulado sobre o “assunto”), pensei em falar de mim mesmo e sobre o que suspeito já estar acontecendo comigo.
 
Alguma leitora ou leitor mais impaciente poderá até pensar ou dizer algo assim: 
- “Porra, que cara chato! Parece só saber ou querer falar sobre ele!”
E eu darei total razão a esse puxão de orelha. O problema é que a falta de assunto mais interessante está aliada ao que disse sobre o conhecimento acumulado que tenho sobre o “assunto” (o "assunto" sou eu).
 
E se alguém, ainda assim, continuar reclamando, sugiro que acesse o blog hardcore A Marreta do Azarão, muito mais interessante, variado e divertido. Ou direi educadamente “Foda-se!”
 
Tenho percebido – e ficado cada vez mais preocupado e puto com isso – que minha memória de fatos recentes está quase inexistente. Recontando uma gracinha que fiz há muito tempo, minha memória "rã" (ou ram) foi pro brejo, com todas as consequências possíveis. Esqueço onde coloquei algum objeto pequeno, esqueço palavras e o que queria dizer, já esqueci o cartão de banco na padaria, já deixei a chave da porta de entrada do lado de fora da casa, já deixei a chave do carro e o controle do portão eletrônico sobre o capô, na garagem, e por aí vai.
 
Se o muro de minha casa fosse mais baixo eu provavelmente já teria feito a alegria de algum ladrão, porque estou dando mais mole para vagabundo que piranha para cantor sertanejo. Entendeu agora, leitor rabugento, por que eu quero falar de mim?
 
É barra pensar que a brincadeira que meus filhos fazem ao me ameaçar com interdição pode não estar tão distante assim e deixar de ser piada. Porque não falta muito para que eu desapareça. Mesmo que continue respirando. Como disse o ator Terry Gilliam de seu colega Terry Jones (ambos do grupo Monty Python), que morreu com Alzheimer: - “acho que ele se cansou de ficar aqui e foi-se embora, deixando o corpo para trás.”
 
Já me disseram que não é assim que o cérebro funciona, mas a melhor imagem que consegui criar para explicar a lembrança vívida de fatos antigos e o esquecimento de situações que acabaram de acontecer é a de uma cebola, da estrutura de uma Allium cepa. Calma, “eu sou normal!”, como dizia um personagem de antigo programa humorístico.
 
Minha avó levantava-se para dançar quadrilha quando eu tocava e cantava “Your mother should know”. Provavelmente a melodia ou sua batida ritmada lembravam as festas e bailes de sua juventude. Minha mãe sempre colheu "na porteira da fazenda do Zaelho" (seu primo) qualquer flor comprada por minha irmã para enfeitar a sala de sua casa.
 
Ou seja, as lembranças mais antigas parecem ficar envolvidas, protegidas pelas mais recentes, num arranjo que (para mim!) lembra as várias camadas, os vários anéis de uma cebola.
 
E creio – ou tenho medo – que isso possa estar acontecendo comigo. Em outras palavras, minha batata pode até não estar assando, mas minha cebola parece estar querendo descascar (gostei desta idiotice!).
 
O motivo de estar dizendo isso é a perda de vocabulário que imagino estar me atingindo. Tenho achado meus textos tão merda que a culpa disso pode estar em grande parte relacionada à “cebola das palavras”. Não ria! (Ok, pode rir, mas só um pouquinho).
 
Minha suspeita é que as palavras aprendidas e descobertas através de leituras mais recentes, palavras mais cultas ou refinadas mas de utilização pouco frequente estão sendo “descascadas” e deixadas de lado, pois não se fixaram adequadamente, não conseguiram se posicionar no interior da cebola (essa cebola está mesmo bem idiota!).
 
Com isso, meus pensamentos e frases estão perdendo o pequeno brilho que porventura tenham tido, pois a maioria do vocabulário que está sendo utilizado foi obtida – até, no máximo – o fim da minha adolescência, época em que eu lia pra caramba. E não há linguagem coloquial que disfarce a pobreza, ou indigência vocabular. Porque é preciso – e isso vale para qualquer pessoa! – que se tenha intimidade com as palavras e expressões que se pretende utilizar. Como ainda não tenho certeza de que isso possa também estar acontecendo comigo (a perda de vocabulário), fico meio cabreiro. Meio, não, muito!
 
Para mim, uma das coisas mais constrangedoras é encontrar no texto de algum conhecido, aparentemente refinado, culto e com fama de bom escritor a troca de um s por z (por exemplo), denunciando a pouca intimidade do autor com a palavra que usou para tentar impressionar. E nem falei das frequentes agressões à gramática! Tenho um “amigo de facebook” exatamente assim. Por ter “thousands” de amigos nessa rede, é incensado por um bando de gente, mas vive pisando no tomate. 
 
Mas não comecei a escrever este texto para malhar ninguém (ainda está ai, leitor impaciente?). Meu objetivo é o registro dos meus medos, dos meus receios, pois ninguém nunca me ensinou o que significa ser idoso, tive de aprender sozinho (lembra quando eu falei que me sinto uma espécie  de coach de envelhecimento? Pois é...). Uma coisa é certa: o ardor dessa cebola das palavras ainda não me fez chorar pra valer, mas tem hora que dá vontade. Basta, por exemplo, reler o que acabei de escrever.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

GEMININIÑAS 03

 
Publiquei recentemente aqui no blog a transcrição de situações divertidas que os pais de duas de minhas netinhas contaram. Talvez alguns leitores possam achar esses casos piegas, desinteressantes ou falta de assunto. “E eu vos direi no entanto” que estão enganados. E o motivo é simples. Só registro o que acho divertido ou surpreendente. Além disso, uma coisa é certa: esses pequenos diálogos e frases ditas por quem ainda fala naquele tatibitate próprio das crianças muito novas são não só deliciosos para mim, como preciosos para que seus pais e elas próprias possam um dia recordar essa época.
 
Não fiz isso com nossos filhos e me arrependo muito dessa imprevidência. Por isso, repito a dica que dei no segundo dos posts Gemininiñas aos pais e mães de crianças pequenas (espero que aconteçam vários posts):
 
Registrem, anotem, escrevam tudo o que os pimpolhos disserem e que os façam ficar de queixo caído, emocionados ou rolando de rir. Tenho certeza de que não se arrependerão.
 
Hoje, pedi à minha mulher que mandasse via zap algumas dessas tchutchuquices que ela havia guardado há mais tempo. Todos os casos foram narrados por minha filha do coração e mãe de outra dupla de netinhas. Os dois primeiros aconteceram quando elas ainda eram bem novinhas e o terceiro caso é recente (hoje já são senhoras de três anos de idade). Lembro também que os apelidos não são os realmente utilizados por elas.
 
 
Lulu chega correndo na cozinha e solta:
- Caraca!
Eu, incrédula com aquele serzinho que sequer chegou aos dois anos de idade:
- Caraca???
Ela, arregalando os olhos como quem conta a maior das fofocas:
- Muito caraca!
(provavelmente deve ter dito "calaca")
 
 
 Aquele momento em que fico na dúvida entre ensinar a falar a palavra ou deixá-la daquele jeito erradinho e todo fofo por mais algum tempo...
Ela aponta o dedinho e diz:
- Igomes!
- Ah, é micro-ondas, amor! Repete para a mamãe: MI-CRO-ON-DAS (falo pausadamente).
E ela imediatamente, imitando minhas pausas e entonação:
- I-GO-MAS!
Já melhorou...
 
 
A gente apaga a luz do quarto para elas mamarem e deixa acesa a luz do corredor, pois depois da mamadeira, temos que escovar os dentes. Aí a Lelê falou:
- Papai, deixa aquela luz acesa?
- Não, Lelê, é hora de dormir. Tem que apagar a luz para descansar os olhinhos
- Papai, mas eu não gosto tudo escuro.
- Ô, Lelê, assim que é bom para dormir! Papai adora dormir no quarto bem escuro.
- Papai, então deixa o seu escuro e deixa o nosso clarinho.

MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4