Este é um tempo muito estranho, tempo de
truculência escancarada. Parece que uma parte da população sente-se hoje à
vontade e – talvez! – até estimulada a exibir seus preconceitos mais profundos,
mais enraizados, sua falta de equilíbrio e moderação, seu ódio mais destilado, sua tolerância zero a
tudo o que os desagrada. Encontra-se de tudo nesse "pacote de inconveniências", desde a
simples falta de educação despreocupadamente ostentada até o feminicídio
assustadoramente frequente.
Qual seria a causa, o alimento, o adubo, o
exemplo que afeta ou influencia o time barulhento e radical responsável por
essa paralisada ou retrocesso no processo civilizatório? Para mim tem um nome,
uma fama, um modo de falar, um comportamento que me faz suspeitar ser ele o start, o botão de partida, a chave de
ignição desse motor barulhento.
Para quem acha que estou falando de forma cifrada
ou com mais rodeios que a festa do peão de Barretos direi apenas que optei por
falar assim, por ser apenas crítico, por ser contra a queima e destruição de
ônibus, de trechos da floresta amazônica ou “apenas” das relações pessoais.
Entendeu agora? Ainda não? Está difícil? Vou contar um pequeno caso que sintetiza
ainda que superficialmente o que acabei de escrever.
Minha mulher tem uma amiga que conheceu ainda
no tempo do ensino médio. “Quis o destino” (clichê!) que as duas fossem aprovadas no
vestibular do curso de Letras da mesma universidade e fossem colegas de sala, o
que estreitou mais ainda essa amizade e fez com que minha mulher a considerasse sua
melhor amiga da faculdade.
Depois de formadas cada uma seguiu seu
caminho. Casaram-se, tiveram filhos e se afastaram geograficamente, pois a
amiga mudou-se para São Paulo. Apesar disso os reencontros ocasionais sempre
foram e continuam sendo motivo de alegria para as duas colegas de faculdade.
Anteontem, minha mulher recebeu uma mensagem
via zap comunicando a morte da irmã dessa amiga, vítima de um AVC. A reação
imediata, natural foi a preocupação e o desejo de ir ao velório, dar um abraço
de condolência nos familiares da falecida.
O reencontro afetuoso com muitas lágrimas de
pesar, abraços e consternação foi o que normalmente se espera ocorrer nessas
ocasiões. Família numerosa (que minha mulher conheceu ainda no tempo de
faculdade), velório cheio pra caramba, tudo conforme “o combinado”.
Foi aí que aconteceu o inesperado. Fiquei
conversando por alguns minutos com a filha dessa nossa amiga, conversa iniciada
com um pedido de desculpas por eu não me lembrar de já ter sido apresentado a
ela quando foi com sua mãe à nossa casa.
Pedi desculpas pelos esquecimentos cada vez
mais frequentes, contei a piada da memória RAM que foi pro brejo, falei da
demência de minha avó, da minha mãe e do meu receio de ficar assim também.
Contei alguns casos engraçados, pitorescos ou constrangedores que minha avó e
minha mãe protagonizaram e exibi meu tradicional comportamento jotabélico, o do
cara simpático, prolixo, que mais fala que escuta e chato pra cacete.
Pedi desculpas por isso, me afastei e fiquei por
ali de bobeira, meio perdido naquele mar de gente desconhecida. Foi quando
nossa amiga, irmã da falecida, aproximou-se, apoiou a mão em meu braço e
perguntou:
- Que
você estava falando com minha filha? Você falou com ela sobre o PT? Porque ela
defende o Lula, mas eu sou Bolsonaro!
Disse-lhe para não se preocupar, que em
momento algum esse assunto tinha sido lembrado e que eu sou um futuro eleitor
da Simone Tebet. E ela resolveu explicar:
- Eu
não gosto do Bolsonaro, mas não tenho outra opção, pois o Lula é ladrão.
E o assunto morreu ali (jogo de palavras não proposital). Sinceramente fiquei
surpreso e até achei engraçada essa abordagem. Recordando: sua irmã estava
sendo velada e essa “maluca” preocupada com Lula e Bolsonaro minutos antes da
realização do sepultamento!
Para mim, um exemplo de que (como dizia minha
mãe) o povo “perdeu o juízo” e
começou a agir e se comportar sem nenhuma preocupação em manter o mínimo de bom
senso e moderação. Imagino que o mau exemplo, a vitamina, o adubo para esse comportamento indesejável e inadequado deve vir lá do planalto central do país.
Alguém agora poderá pensar ou dizer em voz
alta que “esse cara (eu, no caso) falou um tanto de abobrinhas só para contar
uma bobagem dessas? Idiota!”
Pois é, acho que sou mesmo um idiota
preconceituoso, pois esse casinho bobo é só um pequeno exemplo do descontrole
emocional que vem sendo exibido de forma crescente por algumas pessoas. O
aumento das manifestações de falta de educação, intolerância, grosseria ou até mesmo de ameaça à
integridade física, mental ou moral de quem se posiciona criticamente e “nos”
desagrada deve ter um exemplo, um estímulo subliminar.
Quando fico sabendo que mais um boçal
agrediu, espancou, tatuou, esfaqueou ou assassinou sua namorada, companheira ou esposa, a
única coisa que vem à minha cabeça é que essa expansão e visibilidade dessa recorrente falta
de educação, grosseria, truculência ou intolerância não pode ser apenas
coincidência.
Fico tentado a pensar que um vento de radicalismo, um miasma vindo de Brasília pode estar
envenenando e intoxicando a mente de muita gente. E que fatos aparentemente
desconexos tendo apenas a intolerância como ponto de contato podem ser uma
prova disso.
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