sexta-feira, 5 de junho de 2020

REBANHO OU MANADA?

Recentemente, em um programa tipo “talk show” que passa no canal “People& Arts", um dos convidados contou um caso de família muito divertido. Segundo ele, quando atingiu a idade em que os dentes de leite começam a ser substituídos, começou a colocá-los debaixo do travesseiro, para que a Fada dos Dentes viesse buscá-los. Na manhã seguinte sempre encontrava uma moeda de cinquenta “cents”. Intrigado com aquilo, perguntou ao pai por que seus colegas sempre ganhavam uma Libra (o programa é inglês) enquanto que a fada só deixava para ele aquela mixaria. O pai, olhando para sua mãe, respondeu: “É porque a esposa da Fada dos Dentes não trabalha”.

Por que reproduzi esse caso? Calma, você já, já saberá, mas só no final deste post. Por isso, acomode-se na cadeira, relaxe e faça uma boa viagem.

Você sabe o que é “Efeito Rebanho”? Confesso que eu não sabia, pelo menos não com esse nome. Conheço (e pratico) imunidade ou imunização de grupo, mas só fiquei sabendo da expressão pelos comentários de Luiz Henrique Mandetta, na época em que ainda era ministro da Saúde. Descobri na Internet (onde faço meu pós-doutorado em assuntos diversos e/ou irrelevantes) que "Imunização de grupo, ou Efeito Rebanho é um termo muito usado quando se fala de vacinação. Ele se refere ao fato das vacinas não protegerem apenas quem é vacinado, mas sim a todas as pessoas que estão ao seu redor!".

Em outras palavras, "O efeito rebanho faz com que mesmo pessoas não vacinadas sejam protegidas contra doenças. Mas só funciona se muita gente se vacinar". Em nossa casa contamos com esse efeito para proteger minha mulher da gripe, pois ela é alérgica a um dos componentes da vacina que todo ano o governo disponibiliza para combater eventuais surtos de Influenza. Eu e o filho que mora conosco tomamos essa vacina e torcemos para que se crie em torno de minha mulher uma barreira ou escudo imunológico que a proteja.

O drama atual é que ainda não existe vacina contra o Corona vírus para criar uma mega biosfera natural. Ou melhor, não há vacina que permita criar um “Efeito Rebanho” através da vacinação em massa. Mas há uma alternativa, defendida pelo ex-ministro da cidadania Osmar Terra e, parece, corroborada até recentemente pelo Mito, que é criar um efeito rebanho à moda antiga, nos moldes da Gripe Espanhola, ou seja, deixar rolar a epidemia, até que 70% da população tenha sido contaminada. Quando isso acontecer, o vírus será finalmente controlado.

A propósito dessa ideia, o ex-ministro Mandetta fez esta declaração: “Ele (Osmar Terra) tem uma visão própria sobre o coronavírus, acha que todos deveriam se contaminar para ter uma imunização rápida. Para quem morresse, seria uma morte calculada".E arremata de forma irretocável:  "Esse efeito de rebanho é contra os meus princípios”. Grande Mandetta!

O médico infectologista e professor do Departamento de Clínica Médica da UFMG, Unaí Tupinambás, tem a mesma opinião do ex-ministro Mandetta. Caso se buscasse a imunidade de rebanho, "Em Minas Gerais, por exemplo, morreriam cerca de 150 mil pessoas", segundo sua estimativa.

O que me impressionou no Osmar Terra foi saber que ele é o parlamentar (o cara é deputado federal) que mais difundiu fake news sobre a Covid-19 pelo Twitter. Também teria dito através de sua assessoria que "desinformação é informação que a mídia não gosta ou não concorda." Aparentemente, o deputado e ex-ministro aprecia aquele ditado popular que ensina que "se o cu não é meu, pau nele". Ou aquele outro que diz que "pimenta no cu dos outros é refresco".

Que se pode dizer de sério sem ser ofensivo a um sujeito assim? Perguntar a ele se "cachorro que late n'água late em terra"? (ué, qual o problema? O cara tem mar e terra no nome!). "Jacaré no seco anda"? Não tem jeito, não dá para levar a sério um sujeito com esse tipo de pensamento. Mas tem gente que aprova! Fico imaginando que entre seus apoiadores (estou falando do Terra!) muitos devem estar ligados às atividades econômicas que experimentariam um crescimento exponencial se suas ideias fossem adotadas. No caso, agências funerárias, fabricantes de caixões, floriculturas, etc.

E aí é que entra o “Efeito Manada”. Segundo minha preceptora Wikipédia, “efeito manada ou comportamento de manada é um termo usado para descrever situações em que indivíduos em grupo reagem todos da mesma forma, embora não exista direção planejada. O termo se refere originalmente ao comportamento animal. Por analogia, também se aplica ao comportamento humano, quando cada indivíduo decide imitar a decisão de outros supostamente mais bem informados, ou seguir a maioria”.

Ultimamente tenho visto as demonstrações mais deprimentes desse efeito manada, seja nas carreatas e manifestações em apoio ao Bolsonaro ou nas postagens mais delirantes que vejo no Facebook (imagino que seja assim também em outras mídias sociais). E fico me perguntando se isso é real ou um teatro para impressionar os idiotas e indecisos. Imagino que esse tipo de comportamento radical e ensandecido de pessoas aparentemente normais seja  uma reação ao comportamento que líderes mais ou menos messiânicos, mais ou menos populistas -, mas sempre radicais -  exibem. 

E isso se aplica tanto aos adoradores do Lula quanto aos seguidores incondicionais do presidente atual.  É como se todos fossem cegos e só conseguissem enxergar pelos olhos de seu ídolo.  E aí vai a manada seguindo bovinamente tudo o que seu mestre mandar, fizer ou falar, acreditando sem crítica, sem refletir, em tudo o que dizem. E nessa festa de ruminantes quem corre o risco de ser mascado e babado é o resto da população. Eu, particularmente, confio mais na Fada dos Dentes que nesses dois boçais. Foda!

14 comentários:

  1. Os ruminantes são 90% ou mais da população; o tal resto que corre o risco de ser mascado e babado não é significativo do ponto de vista de grupo, da espécie. É o efeito manada que, infelizmente, garante a permanência e a propagação das espécies no planeta; desgraçadamente, no caso da nossa.
    E assim caminha o triste e patético bicho homem : seguindo em multidões o aboio e o toque do berrante de qualquer boiadeiro, seja ele um político, um artista, um guru, um livro sagrado.

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  2. Nós sempre estamos nos esquecendo que somos animais antes de tudo, sujeitos aos comportamentos selecionados durante milhões de anos. A merda é que adquirimos uma filha da puta de uma consciência que faz com que nos importemos (uns mais, outros menos) com o restante do grupo. Se eu fosse um gnu, nesta hora já teria sido comido por algum predador. Mas não sou, busco minha "eternidade".Por isso mesmo, posso ficar tentado a seguir alguém que me acena com o paraíso aqui na Terra, seja um cavalão ou um jumento. Particularmente, abomino esse comportamento de manada, justamente por tentar pensar de forma independente. Mas não tenho ferramental que me permita decidir ou aceitar essa ou aquela solução. Por isso, lembrando-me dos livros do Harari, creio que agora seria o momento ideal para a criação de um algoritmo que decidisse o que fazer, pois o que percebo há muito tempo é que os governantes podem ser sedutores, persuasivos e transpirando "credibilidade", mas são tão ignorantes quanto eu, só que mais determinados e às vezes indecentemente passionais. Isso é que fode a situação. Eu nunca tive esse grilo de ufanismo (aliás, não tenho nenhum). Para mim, o que funciona, o que demonstrou funcionar deve ser copiadao, imitado, seguido. Os japoneses fizeram isso muito bem em termos de tecnologia. Infelizmente, os donos da "verdade" acabam sempre sendo os líderes da manada, flautistas de Hamelin. É por aí.

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  3. Igrejas seriam erguidas em nome desse tal algoritmo, partidos seriam fundados em sua inspiração, pode ter certeza. E mesmo por detrás do algoritmo, ainda que de alguma forma ele se tornasse independente, teria havido a figura de um homem. O algoritmo também teria todos os vícios, as imperfeições, os pendores, a moral e a visão de mundo de seu criador.

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    1. Eu fico tentado a acreditar que sua criação estaria menos poluída com essas questões "menores" (vida, morte, etc.), pois seria criada por nerds e fanáticos por programação. Agora, quanto às igrejas e partidos talvez você tenha razão. Já pensou numa igreja evangélica chamada "Igreja Universal do Algoritmo de Deus"?

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    2. Duvida mesmo que ela possa existir?
      Tem um conto do Asimov, que li há décadas atrás, e que tratava de um robô - um cérebro positrônico, programado para não ferir de forma alguma um ser humano, nem por inação deixar que ele próprio se prejudique ou a outro - que foi colocado no comando de um planetoide de mineração, se não me engano. Observando os trabalhadores humanos e analisando suas interações sociais, o robô resolveu se tornar um ditador mão-de-ferro ( ou de titânio, acho que no caso). Pôs todos no planetoide sob o seu jugo cruel. Por quê? Simples. O cérebro do robô processou todas as relações entre os humanos e entendeu que o melhor para aquela raça é que alguém tomasse todas as decisões por ela. Conclui, o robÔ, que se fosse deixados à sorte de suas próprias decisões, eles acabariam por decretar o próprio fim. Que a melhor maneira de seguir sua programação, era tomar todas as decisões por eles.
      Tenho tentado achar esse conto na net sem sucesso. O nome deve ser alguma coisa parecida com o Robo Ditador, o Tirano, ou algo do gênero.

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    3. Engraçado ser esse conto escrito por quem criou as leis da robótica! Seria o conto anterior à sua formulação? Mas o em um de seus livros o Harari trata disso de forma não ficcional, mesmo que seja puramente especulativo. Mas é uma ideia instigante, perturbadora. A sorte é que eu não estarei por aqui para ver isso acontecer. Já pensou que chatice será esse mundo?

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    4. Devo dizer que fiquei impressionado de como vocês passaram de Osmar Terra para Asimov em poucos parágrafos.

      Na minha percepção, ainda que seja um apreciador de Asimov, o controle do comportamento humano tenderá a ser cada vez mais difuso, disperso no emaranhado de contingências das nossas vidas e culturas. O motivo? Quando o controle (principalmente aversivo) é muito óbvio e materializado, há maiores chances de se ter o que os analistas do comportamento chamam de "contra-controle"; uma forma de evitar a coerção e as implicações decorrentes dela. O sindicato é uma forma de contra-controle aos mandos e desmandos do patrão, por exemplo (era para ser/foi). O racismo, assunto em pauta, quando é estrutural, é mais difícil de se combater, pois é disseminado e não tem um único local ou entidade responsável por ele, dificultando o contra-controle e mudanças sociais. Utilizando o assunto em questão, ainda, a morte de uma pessoa negra por um policial branco (o que ocorre descaradamente no Brasil), facilita e gera essa reação populacional, pois materializa as recorrentes circunstâncias.
      Sugiro como leitura o livro do Murray Sidman, "Coerção e suas implicações".

      Osmar Terra, junto com Olavo de Carvalho, são os maiores charlatões desse país. Mas não acho que é a boiada que segue cegamente esses sujeitos. Acho que eles são seguidos por falarem o que já se pensava; apenas ecoam as ignorâncias sociais e o extremismo que muitas pessoas manifestam e "camuflam" em um discurso que se diz de "direita". O mesmo com o Bozo. Ele é preconceituoso, machista, racista, ignorante, e tudo o que se possa dizer, mas não é ele que gera isso nos seus seguidores. Ele é um eco do preconceito e ódios já existentes entre as pessoas. Claro que, uma figura pública do porte que é, ensina outras pessoas a se comportarem de forma tosca, mas não é a causa disso; é a consequência.

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    5. Também torço para que eu não esteja mais aqui; nem meu filho. Torço, inclusive, para que o homo sapiens seja extinto antes.
      Todos os contos de robôs do Asimov se baseiam nas três leis, todos eles trazem uma interpretação não esperada da sau tábua dos três mandamentos; foi justamente uma interpretação muito particular do cérebro positrônico do tal robô que o fez tomar a decisão. Ou alguém leva o ser humano pelo cabresto, ou ele se mata. É bem o pensamento de muito ditador por aí. E quer saber? Em certas situações, em relação a certos povos e nações, não é uma ideia que chega a me causar repulsa.

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    6. Rapaz, que erudição! pelo que entendi da primeira parte, quanto mais difuso o controle, mais intenso e eficiente ele será. O mesmo raciocínio se aplicaria a outras situações (racismo, misoginia, etc.) Seria isso?
      Quanto ao trio citado, o mais pernicioso na minha opinião - por mais visível e influente - é seu presidente. Ele pode até ser consequência, a ponta do iceberg, mas é uma puta influência para quem até então vivia alheio a tudo. Conheço uma pessoa (infelizmente muito de perto) que sempre foi um aproveitador, egoísta até o último furo, aético, alguém de uem eu dizia ter todas as qualidades e defeitos para ficar rico. Não ficou pois os defeitos prevaleceram. Mas é um bolsonarista ensandecido e, agora, um moralista que vive falando em patriotismo e que considera "comunista" quem se atreve a criticar seu ídolo. O Bozo saiu desse "caldo de cultura", mas tem ajudado muito a fazer eclodir esse tipo de comportamento.

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    7. Então, depende para quem. Sim, o controle comportamental será mais eficiente para quem controla (geralmente agências, não pessoas), mas o comportamento humano depende de variabilidade, o que sem contra-controle fica complicado. Ou seja, quanto maior o controle do controlador, pior para a sociedade. Principalmente quando você nem sabe quem controla.
      O raciocínio se aplica sim ao racismo e outros casos. Contra quem se revoltar quando o racismo é estrutural? Não é o caso de querer mudar uma ou outra pessoa racista; isso é ineficaz. A questão é alterar as situações que possam gerar comportamento racista ou uma cultura racista. Diminuir o poder da polícia, por exemplo, é uma forma. Mas só isso nada muda. Um planejamento educacional que inclua nas suas pautas diálogos sobre racismo (de forma não punitiva), ajudaria bastante.
      Enfim, enquanto a sociedade insistir no papinho de "meritocracia", estaremos na merda, pois ela não criará qualquer ambiente meritocrático (por mim excluía esse termo do vocabulário). No fim, as pessoas para lutar contra o racismo e outras causas se revoltam "contra o sistema". O uso da palavra "sistema" é uma forma clara de elucidar o que eu disse: ninguém sabe o que é o "sistema". O uso é apenas uma forma de tentar tatear a generalização do racismo, misoginia, etc.

      E respondendo sobre o trio, sim, por ser uma figura mais popular. Infelizmente existem esses casos. E são os que mais resistirão na defesa ao Bolsonaro. O motivo? Eles são fáceis de manipular e cair em generalização. E geralmente já são preconceituosos e nada entendem de princípios econômicos e filosóficos. Ainda que costumem ter diploma de faculdade. (E escondem algo da própria sexualidade).

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    8. respondendo ao comentário do Marreta: a empresa em que eu trabalhei muitos anos assinava uma porrada de revistas. Uma delas era "Visão", comprada pelo engenheiro e empresário Henry Maksoud. Esse cara fundou a Hidroservice, que viria a se transformar na maior empresa de projeto do Brasil. Enricou, construiu o hotel Maksoud Plaza, o único "seis estrelas" da época (a classificação máxima da Embratur era cinco estrelas). Antes disso, já havia comprado a revista. E resolveu expor suas ideias nela, como editoriais. Em determinado momento surgiu com a palavra "demarquia", que seria a democracia exercida e controlada por uma oligarquia, algo parecido com a democracia ateniense. e tome demarquia em todos os artigos que publicou. Se não me engano, reuniu todos em um livro. Então era mais ou menos como a ideia do robô: com cabresto sim, mas sem ditadura. Mas eu sou contra a ideia de que o povo não sabe votar. Sabe sim, principalmente depois das urnas eletrônicas. O que ele não sabe é escolher. Mas, claro, não sabe porque eu não concordo com as escolhas que faz (mas que fique aqui entre nós, não sabe mesmo!)

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    9. Respondendo ao GRF: há muitos anos eu digo a piada-verdade de que o Brasil ainda gastará uns trezentos anos para transformar-se em um país decente. E ainda assim estaremos no lucro, pois a Europa gastou 1.000 anos para ser o que é hoje. Como nos fomos "descobertos" em 1500, com mais 300 anos chegaremos ao ano de 2320. teremos, portanto, uma vantagem de 180 anos. Grande vantagem! Mas você falou em excluir a palavra meritocracia do vocabulário. Esse é um pensamento autoritário, pois não a língua talvez seja a coisa mais livre e incontrolável que existe. O que acaba são os modismos.

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    10. Não acredito tanto nessa relação "tempo x progresso". Mas, entendo a questão e seu ponto.
      E, sim, sou a favor de excluir a palavra "meritocracia", não do uso popular, mas do uso em leis e outras áreas de prescrição da regulação social. Enquanto não se tem qualquer ambiente "meritocrático", de que serve essa palavra? Um som sem referente no contexto, serve para o que? No uso popular, que se mantenha, até como ideal para se alcançar. Enfim, use-a quem desejar, eu prefiro evitar.

      P.S.: o idioma é sim um emaranhado de variáveis, permite novas sentenças e maneiras no uso. Mas o comportamento verbal e o comportamento de escolha, não estão "soltos" no mundo: por vezes refletem muito bem o mundo em que vivemos e são determinados pelas variáveis culturais e idiossincráticas, plausíveis de serem analisadas e inferidas.

      Tem um texto curto muito interessante sobre o que comentei anteriormente: https://www.comportese.com/2020/05/agencias-de-controle-o-que-sao

      Abraços!

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    11. Sabe, GRF?, conseguir trazer seus comentários aqui para o Blogson foi uma grande conquista! Lerei o texto com o máximo prazer, mas talvez volte a comentar o assunto idioma.

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