sexta-feira, 12 de junho de 2020

NOVO NORMAL

A pandemia de Covid-19 produziu efeitos colaterais inesperados, surpreendentes e até mesmo auspiciosos, verdadeiros efeitos colaterais do bem, que talvez tenham feito - ainda que por breve instante - com que esquecêssemos o medo do contágio e as agruras do isolamento social. Os níveis de poluição reduziram drasticamente na China, a camada de ozônio conseguiu recuperar-se um pouco, o planeta ficou mais silencioso, o céu noturno mais estrelado e, para mim o mais encantador e até lírico: a fauna selvagem sentiu-se confiante para explorar e se aproximar de lugares que há muito tempo instintivamente evitavam.

Sinceramente achei isso lindo e comovente. Quem dera o "novo normal" continuasse a apresentar esses sinais, indicadores de uma inflexão na curva que sinaliza para uma tragédia futura à espera da humanidade! Mas isso é só um desvario meu. Como cantou o John Lennon, "You may say I'm a dreamer (but I'm not the only one!)".

Tenho ouvido muito a expressão "Novo normal" para identificar o período pós-pandemia, quando o coroninha finalmente tiver se aquietado, à espera de uma mutação mais moderna e eficiente. Mas, o que será essa novidade? Para mim, excluídas as considerações econômicas e políticas, o novo normal será uma espécie de day after de um período triste, talvez o mais triste que viveremos no século XXI. Isso, claro, se não ocorrer ainda neste século nova pandemia provocada por um vírus mais feroz, mais eficiente e rápido, merecedor de um título ao estilo do olímpico "citius, altius, fortius" que no português de Macau significa “mais rápido, mais alto, mais forte”. No caso do novo vírus poderia ser “citius, acutius, letalius” ou “mais rápido, mais agudo, mais letal” (obrigado, internet!).

Até que esse atleta olímpico apareça, as pessoas estarão preocupadas em reconstituir suas vidas derretidas pela Covid-19, em lamentar a perda de entes muito queridos, em tentar arranjar novos empregos, em pagar velhas dívidas, em reconstruir velhos sonhos, em correr atrás do tempo perdido. As empresas estarão preocupadas em se estruturar para a realização de vendas pela internet. Empreendedores estarão criando ou aperfeiçoando novos negócios para ocupar nichos de mercado até então despercebidos. Enquanto isso, algumas micro e pequenas empresas serão pouco mais que alguns folders e cartões de visita, agora sem nenhuma utilidade.

Imagino também que muitas pessoas ficarão tentadas a explorar negócios que se mostraram à prova de isolamento, tais como os serviços de moto-boy ou bike-boy. Talvez as pessoas tornem-se mais poupadoras, de hábitos mais frugais, menos perdulárias. Provavelmente muitos dentes estarão em mau estado, as "roupas de sair" talvez estejam mais justas que deveriam, os músculos mais flácidos, a barriga mais proeminente. Talvez os novos hábitos de higiene se mantenham, talvez as pessoas se toquem e se abracem menos, talvez, pelo menos por algum tempo, fiquem mais sérias, preocupadas, depressivas ou melancólicas. Mas creio que o novo normal parará por aí, pois o velho normal voltará a se manifestar.

Serão as pessoas capazes de se lembrar de que graças ao isolamento, paralisação temporária de atividades e recolhimento impostos pelo Coronavírus os níveis de poluição reduziram drasticamente na China? Que o a camada de ozônio conseguiu recuperar-se um pouco? Que o planeta ficou mais silencioso e as estrelas mais visíveis? Que a fauna selvagem sentiu-se confiante para explorar e se aproximar de lugares que há muito tempo instintivamente evitavam?

Provavelmente não, pois preocupadas com a própria sobrevivência, continuarão apenas a exibir seus velhos preconceitos, sua velha intolerância e egoísmo, seu desejo de levar vantagem em tudo, certo? Meio ambiente? Poluição atmosférica? Fauna selvagem? Ora, isso é preocupação de ambientalista, maconheiro ou comunista! Só que não, infelizmente (ou felizmente!).

Essas alterações ambientais, mesmo que transitórias, demonstraram - apesar da fragilidade de cada indivíduo - a alta letalidade da espécie humana para o resto do planeta. E isso me entristece e deprime, pois percebo que não há solução boa para isso. Continuaremos a poluir e a consumir cada vez mais. Se é possível falar de sorte numa hora dessas, posso dizer que talvez tenha a sorte de não ver isso atingir níveis catastróficos, sem retorno. Mas sofro ao pensar em meus filhos e, mais ainda em minhas netinhas. E eu que acreditava que a solução para a superpopulação, o aquecimento global e todas as mazelas criadas pela espécie humana só seria possível com a queda de novo meteoro!

4 comentários:

  1. As pessoas não mudarão. Se algum dia for reestabelecida a antiga normalidade - eu espero que não, estou passando muito bem sem o contato que era forçado a ter com o ser humano -, em muito pouco tempo, poucos se lembrarão dos dias de isolamento.
    Sim. Não sei se por influência do Sapiens, ou pretensamente minha, você está certo : a espécie humana continuará a poluir e a parasitar cada vez mais os recursos naturais das já murchas tetas da Mãe Terra.
    E cada dinossauro tem o meteoro que merece e que lhe convém. Lembrei agora da arte feita por um de seus filhos, do corona adentrando e se inflamando na atmosfera terrestre.

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    1. Na verdade, o pensamento apocalíptico é um somatório de informações, opiniões "no mesmo diapasão" e reflexões puramente pessoais. É uma equação meio "matemágica": recursos finitos + explosão demográfica + visão imediatista de governantes e governados + instinto de sobrevivência = merda

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  2. "Continuaremos a poluir e a consumir cada vez mais." enfim, nada mudou
    um meteoro pode ser pior ainda pro planeta terra:

    último matou dinossauros "veganos" e permitiu a ascensão do homo sapiens; vai que o próximo dá uma ajuda evolucionária para as baratas?

    não sobraria mais nada

    abs!

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    1. Pode ser, mas agora eu percebo que talvez não seja necessário um meteoro para por "ordem na casa", basta apenas um vírus esperto para controlar a superpopulação da Terra. E as baratas? Quem sabe...

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