domingo, 1 de outubro de 2023

QUE ABRAÇO AQUELE!

O Gilberto Gil tem uma música legal chamada “Pai e Mãe”, que lembra aquelas gravações antigonas. A letra diz o seguinte:

 “Eu passei muito tempo aprendendo a beijar outros homens como beijo o meu pai (...). Diga a ele que não se aborreça comigo quando me vir beijar outro homem qualquer, diga a ele que eu quando beijo um amigo estou certo de ser alguém como ele é (...)”.

Eu acho essa letra muito boa e expressiva, mas o assunto de hoje não é beijo (que dá quem quer), é abraço (que também dá quem quer). Aliás, uma outra visão do mesmo tema, já abordado no post "Aquele abraço!". Para tanto, vou falar de mais uma experiência que tive e que conclusões tirei disso. Aparentemente conflitantes em sua motivação, as duas abordagens acabam chegando ao mesmo lugar no final. Vamos lá:

Meu pai nos deixou um exemplo que acho precioso e que pratico a toda hora. Ele nos deixou o exemplo da demonstração explícita de seu amor por mim e por meus irmãos. Quando chegávamos ou saíamos, ele nos beijava a testa e dizia palavras e recomendações carinhosas, quase como se pronunciasse um mantra.

Depois de me casar, quando nos encontrávamos, eu fazia questão de me curvar para que ele me beijasse na testa (na verdade, para não nos “sujar”, ele beijava as costas de sua mão apoiada sobre nossas cabeças). Eu fazia isso como que dizendo – “eu sempre serei seu filho, um filho que te respeita e te ama”. Com o tempo, passei a abraçá-lo também, um abraço meio de lado, meio constrangido, mas abraço. Sempre me lembro disso com carinho e prazer, pois nunca pensei que “aquela” poderia ser a última vez que faria isso.

Quando nossos filhos nasceram, expandi o exemplo recebido, beijando, abraçando e, eventualmente, só pra sacanear, lambendo os meninos (e eles ficavam putos de raiva!). Mas o tempo passa (e passa muito rápido) e surge a perspectiva da morte. Aí a coisa se complica um pouco para um neurótico como eu. Hoje, não sei onde, vi ou li uma frase que dizia mais ou menos isso:

“Abrace seu amigo (ou esposa ou namorada ou ...) e lhe diga o quanto você gosta dele, pois você nunca sabe quando será a última vez que irá vê-lo”.

Parece uma frase inofensiva e boa, extraída de um livro de autoajuda, concordam? Eu mesmo já entrei nessa com meus filhos. E não faz muito tempo! Bateu um “black dog” e eu disse quase a mesma coisa para eles, só que o “desaparecido” seria eu. Na prática, a mesma linha de raciocínio de um sujeito que disse para sua esposa (caso verídico) – “me use, pois eu estou acabando”.

Hoje, depois de ler a tal frase, fiquei matutando e concluí que dizer ou disseminar esse pensamento é uma puta chantagem emocional. Bem intencionada, mas chantagem.

Pense bem, abraço é gostoso, abraçar sua esposa, seus filhos, seus amigos é ótimo. Porque então criar uma perspectiva de culpa futura para alguém que é tímido ou introvertido, dizendo que “talvez seja essa a última vez que você me vê”? 

Se alguém me dissesse uma coisa parecida, eu ia cagar de medo (desculpem a expressão), iria abraçar e até lamber a pessoa, só para não ser destruído pela culpa se um meteoro pulverizasse o sujeito.

Então, a receita é essa: abraço não é premonição de morte nem a antevéspera da tragédia. Abraço é a celebração da vida e da alegria, da amizade e do amor. E é bom, é ótimo.

(22/01/2015)

7 comentários:

  1. Bonito pra caralho, cara!!! Me emocionou, de verdade!!!

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    1. Meu caro Marretão,
      Obrigado mesmo pelo comentário. Vindo de um sujeito que parece ser madeira de dar em doido (isso é um elogio, tá bom?), é bem legal. Valeu!

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    2. Em tempo : você já voltou a receber visita dos netos, voltou a abraçá-los? Ou ainda no aguardo da segunda dose?

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    3. Não. Eu e minha mulher temos uma coleção "invejável" de comorbidades, ela, mais ainda que eu. Por isso, só vemos as netas de dentro do carro, ninguém entra na nossa casa. Até já fiz uma piadinha sobre essa situação. Eu digo que podem ser contadas nos dedos das mãos do Lula as vezes em que saímos de casa desde março de 2020. Quanto à segunda dose, devo tomar amanhã!

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  2. deve estar carente depois de tanto isolamento social...

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    1. Sei lá, Scant, eu sou carente congênitamente. Mas, numa prova de que nos acostumamos até com prego no sapato, já nem penso tanto nisso. A coisa evoluiu para um cansaço da vida, um saco cheio de estar vivo. Uma coisa que tem-me dado muito prazer é fazer uma seleção de desenhos, historinhas e imagens gráficas para um e-book "de grátis". E isso, graças a você, meu coach de auto-estima! Buscar bo blog, copiar, ordenar, excluir, reduzir ou até acrescentar algum comentário, organizar por assunto ou por época tem sido muito divertido. Foda é a quantidade de besteiras. Já excluí vários, mas ainda preciso refinar, pois o "livro" está com quase 300 "páginas" (posts). Depois que acabar isso, pretendo fazer um de poesia e contos, um de humor, um de frases e textos curtíssimos e um de temas papo cabeça (como o post de hoje). Se são bons ou não, se alguém se interessará por isso ou não, se serão realmente convertidos em e-book ou não (eu não sei como fazer essa merda!), só o tempo dirá. Até lá, eu ainda terei alguma vontade de viver, de aproveitar o fato de ter sido vacinado. Tudo isso, graças a você. Spoiler: leia o post que será publicado hoje. abraços.

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    2. valeu cara
      vc podia acrescentar mais imagens aos posts
      imagens de meus posts antigos antigos ajudam minha memoria a funcionar melhor

      abs!

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