segunda-feira, 8 de julho de 2024

O PRIMO DA CHRISTINE

 
No início da década de 1980, eu era o feliz proprietário de um automóvel Brasília, e minha mulher estava grávida do nosso terceiro filho. Depois de ser aprovada no exame de habilitação e tirar sua carteira de motorista, resolvi dar a ela um carro para que pudesse ir aqui e ali sem depender de mim. No entanto, eu não tinha dinheiro para comprar mais um carro.
 
Então tive a “brilhante” ideia de vender a Brasília e comprar dois carros mais baratos. Já adianto que isso nunca aconteceu. O primeiro carro comprado foi um Dodge Polara, modelo que já havia saído de linha, mas inteirão e com pequenos luxos que a Brasília não possuía, tais como um acendedor de cigarros no painél.
 
Fazendo um retrospecto, com sua pintura verde água e cores internas discretas e neutras, ele passava a imagem de um carro de e para idosos, apesar de seus pneus em péssimo estado, pois os dois traseiros estavam carecas e os dianteiros tinham sulcos produzidos em borracharia. Fora o fato de ter quilometragem mais que o dobro da Brasília, nada nele denunciava o que poderia acontecer com quem fosse seu proprietário. Mas era um carro do demônio, um primo pobre e menos letal que Christine, o Carro Assassino da história de Stephen King.
 
Logo depois de comprá-lo, pedi a meu cunhado que o levasse à oficina de um conhecido para regular o motor ou algo do tipo. Subindo a rua inclinada onde ficava a oficina, meu cunhado fez a conversão para virar à esquerda. Descendo a rua, surgiu um motoqueiro meio distraído, que bateu na porta do passageiro e se esborrachou no chão. Começaram uma discussão sobre de quem era a culpa, mas testemunhas asseguraram que a culpa não era do meu cunhado. O motoqueiro não pagou nada, e o carro ficou parado uns quinze dias para conserto da porta amassada.
 
Uns dois meses depois, eu estava indo trabalhar quando ouvi um barulho que lembrava o de um caminhão desgovernado. Fiquei com medo que batesse na minha traseira, acelerei um pouquinho, mas parei no sinal que tinha acabado de fechar. Ao meu lado parou o “caminhão”, que na verdade era uma motocicleta com escapamento totalmente aberto. Quando o sinal ficou verde, o motoqueiro acelerou e fez a moto empinar. Ainda pensei que ele era muito louco para pilotar assim, mas a moto continuou a empinar e veio caindo para o meu lado. Ainda tentei desviar, mas o pneu da roda dianteira desceu raspando a lateral do carro. Olhando o motoqueiro e o garupa caídos no chão, nem pensei em parar para pedir ressarcimento para pagar o conserto. A sorte é que o pneu da moto tinha apenas deixado um friso de borracha na lataria.
 
Mas a epopeia continuava. Um dia, atrasado para levar um dos filhos ao médico, estava andando no limite de velocidade da avenida por onde descia. À minha frente seguia um carro novinho, e na pista à minha direita seguiam dois carros. O sinal amarelou, os dois carros da pista ao lado passaram, e eu acreditei que o motorista à minha frente faria o mesmo. Pisei no acelerador e ele no freio. Foi uma porrada que jogou o carro do sujeito uns três metros para a frente, graças a meus pneus lisos e frisados.

Expliquei que tinha seguro e que ele não precisava se preocupar. Consultada, a minha seguradora sugeriu que ele levasse o carro a uma concessionária. Trocaram a tampa do porta-malas, as lanternas traseiras e tudo o que foi possível trocar. E eu paguei uma baba por isso, pois meu seguro contra terceiros era muito pequeno, valor sugerido por um corretor pouco profissional.
 
Por ser o Polara um modelo fora de linha, fui obrigado a levá-lo a uma oficina não autorizada, ainda que muito conceituada. O carro ficou uns dois meses parado, esperando as peças cada vez mais difíceis de encontrar. Nessa altura do campeonato, já tinham se passado seis meses ou mais desde quando o tinha comprado.
 
Carro consertado, continuei a usá-lo normalmente. Um dia, apressado para voltar ao trabalho após o almoço, deixei o Polara estacionado na porta de nossa casa. De repente, ouvi um barulho gigantesco de colisão entre dois carros. Curioso, fui lá fora para ver o que tinha acontecido e quem eram os coitados envolvidos no acidente. Descobri que um deles era eu.
 
O motorista do outro carro desceu para comprar carne no açougue que ficava a quase duas quadras de minha casa. Talvez tenha puxado mal o freio de mão ou o tenha deixado desengrenado. Só sei que o carro desceu sem motorista, cada vez com mais velocidade. Atravessou uma das ruas principais do bairro sem encontrar nenhum obstáculo, continuou descendo até encontrar o velho e bom Polara. Depois de destruir a traseira do nosso carro, ainda desceu mais um pouco até se arrebentar em um poste.
 
O dono desceu correndo, disse que tinha seguro, que pagaria todo o conserto e bla bla bla. O carro foi para a oficina indicada e ficou quase dois meses parado, culpa das peças cada vez mais difíceis de encontrar no mercado (lanternas, para-choque cromado, frisos, etc.). No prazo de doze meses desde sua compra, o carro tinha ficado quase metade do tempo em oficinas. Resolvi vender aquele carro de má sina, pois já estava de saco cheio de não poder contar com ele para trabalhar, levar o filho recém-nascido ao pediatra, etc.
 
Depois de anunciado, apareceu um comprador que gostou do carro, pois estava realmente bonito e lustroso. Também, depois de tanto tempo na oficina, tinha mais é de estar! Perguntou se já tinha sido batido e eu, candidamente, disse não saber. Realizada a venda, quase suspirei de alívio por me ver livre daquele carro que parecia atrair acidentes.
 
O comprador morava em uma rua a duas ou três quadras de distância da nossa. Um dia, passando em frente à sua casa, vi que o carro contava agora com quatro pneus novinhos. Fiquei feliz por isso, felicidade que durou pouco. Mais ou menos um mês depois, passei novamente pela casa do comprador. O Polara estava dentro da garagem com a frente totalmente destruída. Foi aí que eu me convenci de que ele realmente era um carro do demônio. Mesmo que eu não acredite nisso.
 

3 comentários:

  1. Eu passei algo parecido com um Escort. Não teve um final feliz e até hoje, uns quinze anos após, não dirijo mais. Renovava minha carta à toa. Venceu de novo, tem um tempo e não sei se renovarei.

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  2. Mas rapaz, que coisa...
    Sei não, já pensou em uma maldição lançado pela Brasília vendida?

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    1. Pode ser. Talvez ela tenha ficado amarela de ciúmes...

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MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4