sexta-feira, 2 de setembro de 2022

FERNANDO PESSOAS



Creio que ainda estava na faculdade quando fizeram uma exposição de fotos antigas de BH em um quarteirão fechado na área central da cidade. As fotos tinham sido impressas em painéis imensos, com uns dois metros de altura. As imagens eram tão lindas e comoventes que me fisgaram completamente, fazendo-me perceber que eu sentia saudade de um tempo em que não vivi.
 
Recentemente, circulou no Facebook uma frase de Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, que escreveu: “Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!”
 
Comparando esses dois pensamentos está claro para mim que quando duas pessoas resolvem escrever sobre seus sentimentos, suas esperanças ou desilusões, sobre a forma como veem o mundo e a si mesmas,  o que as diferencia é o talento com que  fazem isso, a elegância com que expõem suas carências, desejos e fraquezas.
 
Há tempos venho colecionando frases e textos publicados no Facebook por um perfil criado para divulgar a obra de Fernando Pessoa e seus heterônimos. E o motivo é a profunda identificação que sinto com seus pensamentos e sua visão de si mesmo expressos nos posts publicados. Sinto-me radiografado, interpretado, adivinhado, identificado, psicografado, tal é a semelhança do que leio com o que tenho pensado e escrito. Como disse, a diferença está no talento de cada um. Comparar Fernando Pessoa com Jotabê é como comparar um professor universitário de literatura com uma criança de jardim da infância.
 
Tive um colega que gostava de transformar nomes próprios em verbos (“que você está botelhando aí?”). Lembrando-me dele, poderia dizer:
- Bernardo Soares, você está "fernando" muito sobre o que penso e sinto!
 
A seguir, os textos que retirei do Facebook e que me traduzem tão bem que me fizeram até babar de satisfação. Quer saber? Você pegou pesado comigo, poeta!


Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim. O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto. (Bernardo Soares)
 
Sou, em grande parte, a mesma prosa que escrevo. Desenrolo-me em períodos e parágrafos, faço-me pontuações, e, na distribuição desencadeada das imagens, visto-me, como as crianças, de rei com papel de jornal, ou, no modo como faço ritmo de uma série de palavras, me touco, como os loucos, de flores secas que continuam vivas nos meus sonhos. (Bernardo Soares)
 
Desejei sempre agradar. Doeu-me sempre que me fossem indiferentes. Órfão da Fortuna, tenho, como todos os órfãos, a necessidade de ser o objecto da afeição de alguém. Passei sempre fome da realização dessa necessidade. Tanto me adaptei a essa fome inevitável que, por vezes, nem sei se sinto a necessidade de comer. Com isto ou sem isto a vida dói-me. (Bernardo Soares)
 
Não sou nada. Nunca serei nada, não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. (Alvaro de Campos)
 

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