Em 1970 eu, meu irmão e um amigo viajamos
para Guarapari, no Espírito Santo. Creio que ganhamos essa viagem graças ao de
triste lembrança “Show Engenharia”. Mas pouco importa o motivo. O fato é que
estávamos lá e resolvemos ir até a Praia do Morro, naquela época uma praia
deserta e vazia, sem construções próximas, totalmente diferente do que já vi em
fotos recentes.
Além de nós três, talvez estivessem por ali mais umas
duas pessoas. O sol estava ótimo, o céu tinha poucas nuvens e o dia
parecia mais que perfeito. Foi quando resolvi entrar no mar, deixando meu irmão
e o amigo estirados na areia.
Fui entrando, furando as ondas que se
aproximavam, nadando um pouco, até perceber que tinha passado da região onde as
ondas começam a tomar forma para quebrar-se na praia. Olhei meu irmão e ele parecia pouco mais que um risco escuro na areia. Fiquei com medo de ser
atacado por algum tubarão ou coisa parecida e resolvi voltar para a praia.
A partir de agora, vou deixar o Rubem Braga
contar o que aconteceu comigo, pois foi a experiência mais aterrorizante que já
vivi (resolvi sublinhar os trechos semelhantes ao que experimentei no dia). No meu caso, não havia pedras onde pudesse ser arremessado pelas ondas;
havia apenas uma corrente que me puxava para longe da praia, para o mar aberto. Eu nadava, nadava e quase não saia do lugar. Quando as ondas começaram a quebrar sobre mim o que eu senti foi alívio de, finalmente, estar próximo da praia. E não ne alegrei, realmente senti apenas alívio de estar vivo. Mas o dia ensolarado e agradável tinha acabado para mim.
Espero que curtam esta crônica. Para ser sincero,
é um relato tão vívido que fico tentado a acreditar que isso pode ter realmente
acontecido com ele.
Não, não dá pé. Ele já se sente
cansado, mas compreende que ainda precisa nadar um pouco. Dá cinco ou seis
braçadas, e tem a impressão que não saiu do lugar. Pior: parece que está sendo
arrastado para fora. Continua a dar braçadas, mas está exausto.
A força dos músculos esgotou-se;
sua respiração está curta e opressa. É preciso ter calma. Vira-se de barriga
para cima e tenta se manter assim, sem exigir nenhum esforço dos braços
doloridos. Mas sente que uma onda grande se aproxima. Mal tem tempo para
voltar-se e enfrentá-la. Por um segundo pensa que ela vai desabar sobre ele, e
consegue dar duas braçadas em sua direção. Foi o necessário para não ser
colhido pela arrebentação; é erguido, e depois levado pelo repuxo. Talvez
pudesse tomar pé, ao menos por um instante, na depressão da onda que passou.
Experimenta: não. Essa tentativa frustrada irrita-o e cansa-o. Tem dificuldade
de respirar, e vê que já vem outra onda. Seria melhor talvez mergulhar, deixar
que ela passe por cima ou o carregue; mas não consegue controlar a respiração e
fatalmente engoliria água; com o choque perderia os sentidos. É outra vez
suspenso pela água e novamente se deita de costas, na esperança de descansar um
pouco os músculos e regular da respiração; mas vem outra onda imensa. Os braços
negam-se a qualquer esforço; agita as pernas para se manter na superfície e
ainda uma vez consegue escapar à arrebentação.
Está cada vez mais longe da praia,
e alguma coisa o assusta: é um grito que ele mesmo deu sem querer e parou no
meio, como se o principal perigo fosse gritar. Tem medo de engolir água, mas
tem medo principalmente daquele seu próprio grito rouco e interrompido. Pensa
rapidamente que, se não for socorrido, morrerá; que, apesar da praia estar
cheia nessa manhã de sábado, o banhista da Prefeitura já deve ter ido embora; o
horário agora é de morrer, e não de ser salvo. Olha a praia e as pedras; vê
muitos rapazes e moças, tem a impressão de que alguns o olham com indiferença.
Terão ouvido seu grito? A imagem que retém melhor é a de um rapazinho que,
sentado na pedra, procura tirar algum espeto do pé.
A ideia de que precisará ser salvo
incomoda-o muito; desagrada-lhe violentamente, e resolve que de maneira alguma
pedirá socorro; mesmo porque naquela aflição já acha que ele não chegaria a
tempo. Pensa insistentemente isto: calma, é preciso ter calma. Não apenas para
salvar-se, ao menos para morrer direito, sem berraria nem escândalo. Passa
outra onda, mais fraca; mas assim mesmo ela rebenta com estrondo. Resolve e é
melhor ficar ali fora do que ser colhido por uma onda: com certeza, tendo perdido
as forças, quebraria o pescoço jogado pela água no fundo. Sua respiração está
intolerável, acha que o ar não chega a penetrar nos pulmões, vai só até a
garganta e é expelido com aflição; tem uma dor nos ombros; sente-se
completamente fraco.
Olha ainda para as pedras, e vê
aquela gente confusamente; a água lhe bate nos olhos. Percebe, entretanto, que
a água o está levando para o lado das pedras. Uma onda mais forte pode
arremessá-lo contra rochedo; mas, apesar de tudo, essa ideia lhe agrada. Sim,
ele prefere lançado contra as pedras, ainda que se arrebente todo. Esforça-se
na direção do lugar de onde saltou, mas acha longe demais; de súbito, reflete
que à sua esquerda deve haver também uma ponta de pedras. Olha. Sente-se tonto
e pensa: vou desmaiar. Subitamente, faz gestos desordenados e isso o assusta
ainda mais; então reage e resolve, com uma espécie de frieza feroz, que não
fará mais esses movimentos idiotas, haja o que houver; isso é pior do que tudo,
essa epilepsia de afogado. Sente-se um animal vencido que vai morrer, mas está
frio e disposto a lutar, mesmo sem qualquer força; lutar ao menos com a cabeça;
não se deixará enlouquecer pelo medo.
Repara, então, que, realmente, está
agora perto de uma pedra, coberta de mariscos negros e grandes. Pensa: é melhor
que venha uma onda fraca; se vier uma muito forte, serei jogado ali, ficarei
todo cortado, talvez bata com a cabeça na pedra ou não consiga me agarrar nela;
se não conseguir me agarrar da primeira vez, não terei mais nenhuma chance.
Sente, pelo puxão da água atrás de
si, que uma onda vem, mas não olha para trás. Muda de ideia; se não vier uma
onda bem forte, não atingirá a pedra. Junta todos os restos de forças; a onda
vem. Vê então que foi jogado sobre a pedra sem se ferir; talvez instintivamente
tivesse usado sua experiência de menino, naquela praia onde passava as férias,
e se acostumara a nadar até uma ilhota de pedra também coberta de mariscos. Vê
que alguém, em uma pedra mais alta, lhe faz sinais nervo para que saia dali,
está em um lugar perigoso. Sim, sabe que está em um lugar perigoso, uma onda
pode cobri-lo e arrastá-lo, mas o aviso irrita; sabe um pouco melhor do que
aquele sujeito o que é morrer e o que é salvar-se, e demora ainda um segundo para
se erguer, sentindo um prazer extraordinário em estar deitado na pedra, apesar
do risco. Quando chega à praia e senta na areia está sem poder respirar, mas sente
mais vivo do que antes o medo do perigo que passou.
“Gastei-me todo para salvar-me,
pensa, meio tonto; não valho mais nada." Deita-se com a cabeça na areia e
confusamente ouve a conversa de uma barraca perto, gente discutindo uma fita de
cinema. Murmura, baixo, um palavrão para eles; sente-se superior a eles, uma
idiota superioridade de quem não morreu, mas podia perfeitamente estar morto, e
portanto nesse caso não teria a menor importância, seria até ridículo de seu
ponto de vista tudo o que se pudesse discutir sobre uma fita de cinema. O
mormaço lhe dá no corpo inteiro um infinito prazer.
Rio, novembro; 1949
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