quarta-feira, 21 de setembro de 2022

LENDO SEM MODERAÇÃO

 
Como sabem os leitores mais constantes desta bagaça eu fui um menino preso até os onze anos, um prisioneiro do amor de meus pais, que morriam de medo de me deixar sair sozinho de casa. Depois disso, mesmo sendo autorizado a perambular pelas redondezas, tive poucas oportunidades de conviver com a molecada da vizinhança sem ser vítima de bullying. Talvez por isso eu tenha ficado mais introvertido e me auto-aprisionado dentro de casa, tendo por companhia todo tipo de leitura que caía em minhas mãos.
 
Alguns dos melhores momentos da minha infância e pré-adolescência eu passei lendo os livros infantis de Monteiro Lobato. Os assuntos eram os mais variados e, podem acreditar, muito instrutivos, sem ser cansativos. Exemplos: Viagem ao céu; História do mundo para as crianças; Emília no país da gramática; Aritmética da Emília; Geografia de Dona Benta; História das invenções e muitos outros.
 
Para mim, o mais interessante de todos os infantis é “A Chave do Tamanho”. Para quem não conhece, o tema é o seguinte: a boneca Emília decide ir a algum lugar onde estão as “chaves” que controlam tudo, para desligar a "Chave da Guerra" (esse livro foi escrito durante a Segunda Guerra Mundial). Como ela era muito pequena e os "disjuntores" ficavam lá no alto, ela erra a mão e, em vez da chave da guerra, desliga quase totalmente a chave do tamanho, fazendo com que toda a humanidade fique reduzida a uma altura menor que a de um passarinho, se não me engano. Creio que as pessoas são confundidas com "baratas descascadas".
 
Lembrei-me desse livro ao ler um poema de meu amigo virtual Marreta inspirado nos personagens da história alucinógena de Alice no País das Maravilhas, pois o livro do Lobato também é uma viagem.
 
Hoje, quando ouço falar de críticas a esses livros por seu conteúdo "racista", tenho vontade de vomitar. Só falta alguém propor que sejam reescritos ou que sejam retirados os trechos que "ofenderam" algum leitor mais sensível (e ignorante). É claro que se esse revisionismo vingar, a cada nova década qualquer livro de qualquer autor poderá ser submetido à revisão e nova censura, nova crítica, até que nada mais reste da obra original. Espero já estar morto se isso um dia acontecer. Mas, até lá, meu sentimento é de gratidão ao sobrancelhudo escritor (porque ele tinha as sobrancelhas!) por ter-me ajudado a atravessar a infância com poucos arranhões na alma. E se alguém quiser uma vacina contra a ignorância fica a dica: dispa-se do preconceito e leia sem moderação! Tudo, qualquer coisa, de qualquer época, prosa ou poesia, apenas leia, consciente de que cada época tem seu zeitgeist.





6 comentários:

  1. "...Só falta alguém propor que sejam reescritos ou que sejam retirados os trechos que "ofenderam" algum leitor mais sensível (e ignorante)."
    Bem, Jotabê, há mais de dez anos já fazem isso:
    https://veja.abril.com.br/educacao/caso-da-proibicao-a-livro-de-monteiro-lobato-vai-ao-stf/
    E essa é a mesma turma da "diversidade", e "contra o obscurantismo"...

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    1. Puta merda! Não sabia! Mas não vejo nada de errado em acrescentar uma nota explicativa, DESDE QUE seja incluida como apêndice ou anexo no final do livro. Senão é a mesma coisa de alterar ou incluir pausas em uma música composta no século XVIII ou coisa assim. Foda!

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    2. Se me permite, nobre Jotabê, gostaria de lhe deixar com esse vídeo, quem sabe possa gerar até um texto seu:
      https://www.youtube.com/watch?v=clWa8mSTC60

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    3. Assisti o vídeo até o final. Algumas coisas chamaram minha atenção. A narradora em determinado momento utiliza a expressão "filósofo do martelo", o que me parece pejorativo. Isso já indicaria uma severa rejeição do autor a tudo o que é de esquerda. Eu nunca fui de esquerda e também nunca fui de direita radical. Aliás, deploro o pensamento tipo "par ou impar", que não dá chance a visões intermediárias. Uma coisa eu sei: o atual presidente (em quem votei e por quem torci) provocou em mim um sentimento crescente de rejeição tão grande que cada vez que ele amplia isso mais eu me movo em direação à esquerda. Continuo não me sentindo de esquerda, mas se você disser que eu sou de centro-esquerda (ou de centro-direita) eu direi que não está errado.Por isso, meu caro Ozy, não conseguirei escrever nada que não te desagrade. Até por ter de rever mais umas duas vezes o vídeo para entender o que está sendo dito, pois não gostei do que ouvi. Abraços.

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    4. Vou rever o vídeo sobre essa parte, mas acredito que na parte do "filosofo do martelo" o vídeo se refere ao Nietzsche (https://monografias.brasilescola.uol.com.br/filosofia/nietzsche-e-a-condenacao-a-solidao.htm).
      Se fosse sobre o Marx, acredito que o mais apropriado seria a foice e o martelo, símbolo que ficou ligado ao autor, apesar de ser usado após a sua morte. Fique à vontade para escrever, mesmo me desagradando, as provocações fazem parte de um bom texto. Mas, acho que vale uma reflexão sobre resignificar palavras com propósito político-desonesto, como denuncia o vídeo.

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    5. Tenho muita dificuldade de escrever sobre esse assunto pois certamente exporei meus preconceitos, tal como fez o autor do texto. Por exemplo, eu me descabelo quando vejo alguém dizer a palavra "comunismo", pois para mim esse é um assunto enterrado. Por isso, fico tentado a acreditar que quem utiliza esses termos tem um "propósito político-desonesto" (citando suas palavras). Eu funciono mais ou menos assim: tudo bem que você (genericamente falando) pense do jeito que quiser, mas se começar a falar em voz alta eu vou acabar ficando puto. Sou partidário do que os franceses chamam de "laissez faire", deixe estar, let it be, fique na sua (mas não me incomode). Algo assim como convivência pacífica entre dois vizinhos que não se toleram.
      Eu não tenho medo da esquerda e muito menos do comunismo, mas morro de medo daqueles que têm, sacou?

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