quarta-feira, 28 de setembro de 2022

MAS O QUE EU QUERO É LHE DIZER

 
Tenho certeza de que os amigos e amigas virtuais do velho e enrugado Blogson são pessoas cultas e bem instruídas, pois este blog é contraindicado para analfabetos funcionais. Por isso, certamente já ouviram falar da carta de Pero Vaz de Caminha. Por serem muito novos (irritantemente muito novos) talvez não a tenham lido na íntegra. E aqui, falando sério, não sabem o que estão perdendo, pois é uma leitura saborosíssima e surpreendente, além de ser considerada a certidão de nascimento do Brasil.
 
Eu não a conhecia até poucos anos atrás, e me surpreendi com dois registros inimagináveis. O primeiro foi descobrir a provável origem do sobrenome de Jotabê, uma origem que combina bem com o caráter evasivo e flutuante deste blogueiro. Confere aí:
 
E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha -- segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas - os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho (...)
 
Chique demais! Mas o outro registro insuspeitado é a comprovação da primeira tentativa de corrupção no país - apenas uma semana depois do “descobrimento”! Olhaí:
 
E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro - o que d'Ela receberei em muita mercê. Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha.
 
O Jorge de Osório, genro do “Pero, Vais co'a Minha”, estava degredado na África, na Ilha de São Tomé por ter sido preso e condenado por assalto e agressão. E o sogrão tentou aliviar sua barra.
 
Então (then), quando ouço ou leio pessoas de bem criticando a corrupção passada, presente ou futura deste ou daquele candidato, eu fico na minha, ou melhor, co’a minha, pois sei que se esse é um gravíssimo defeito, sei também que a corrupção nas altas esferas (também nas médias, baixas e até nas bolas de boliche) está presente na história do Brasil, mais entranhada na sociedade (especialmente na anônima) que gordura nos bifes marmorizados das carnes Angus ou Wagyu.
 
Por isso, meu caro (e)leitor, minha cara (e)leitora, desencane, relaxe (e paro por aqui porque este é um blog que se dá ao respeito), pois o pior dos males pode ser não conseguir enxergar com clareza o que está bem à sua frente ou acreditar em tudo o que lhe dizem.

2 comentários:

  1. Que interessante! HAHAHAHA
    Não consegui conter a risada, é uma desgraça mesmo viu, como eu queria que a nossa situação fosse melhor!
    Conhecia a carta sim, mas não sabia desse fato sobre o genro do Pero Vaz de Caminha, é rir para não chorar, esse tal Jorge de Osório é um baita sortudo, isso sim.

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    Respostas
    1. Como o Pero Vaz morreu em combate logo que chegou na África nunca se soube se o genro picareta foi beneficiado. Eu rio da corrupção no Brasil, mas é um riso de hiena, pois é uma tragédia centenária. O Stanislaw Ponte Preta (aliás Sérgio Porto) criou uma frase maravilhosa, colocada na boca de "Tia Zulmira", uma das personagens que criou: "Ou locupletamo-nos todos ou restaure-se a moralidade". Por ter sido bolada por um jornalista pra lá de irônico e bem humorado, provavelmente acharam que era só uma piada. Mas nunca foi.

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