domingo, 31 de dezembro de 2023

FELIZ 2024!

 
O Blogson também é celebração, é festejo, é reveillon, por isso não poderia passar de liso na mudança de DD, de Die Domini, porque, afinal de contas nada como comemorar a passagem do 738.759º para o 738.760º DD (porque é muito banal passar do 2023º para o 2024º AD - Anno Domini, concordam?). Entenderam agora?
 
Pois é, então, para celebrar essa virada, nada como ouvir uma música alegre e festiva. E a escolhida foi “A Lua e Eu”, do velho e bom Cassiano. Para elevar ainda mais o astral, apropriei-me destes versos: “Quando olho no espelho, estou ficando velho e acabado”. E se me perguntarem sobre minha identificação com o restante da letra, serei forçado a dizer como uma personagem de programa humorístico: “Prefiro não comentar”.
 
Em 2024 o Blogson Crusoe completará dez anos de pura irrelevância, e talvez não passe disso nem desse ano. Por isso, vamos celebrar enquanto é possível, tirando uma onda (já que na falta de mar é impossível pular uma). Som na caixa!

 


sábado, 30 de dezembro de 2023

SONHOS - BERNARDO COELHO

 
Hoje recebi de minha mulher o texto a seguir, com a seguinte observação: “Achei muito bonito este texto”. Por concordar com sua avaliação, resolvi publicá-lo aqui no Blogson. Por não ter título, tomei a liberdade de sugerir um. Lê aí.
 
 
Dizem que Freud afirmou que os sonhos são a manifestação dos desejos inconscientes. Nas duas últimas semanas passei por dois sonhos pitorescos, sonhei que estava sonhando (sonhos tristes) e acordava dentro desses sonhos chorando muito, tipo novela mexicana e logo depois disso eu acordava de verdade. Eu não sou nem nunca fui de chorar desse jeito, sempre tentei me conter, é da minha natureza.
 
Há alguns anos escrevi um pensamento em resposta às várias vezes em que fui perguntado: "Você não bebe?" "Você nunca usou drogas?" "Você nunca fumou?", e a resposta saiu assim: "minha mente é meu ópio", traduzindo, não preciso de drogas para dar uma viajada.
 
Hoje avaliando esses sonhos sob a ótica dessa frase cheguei a conclusão de que ela é mais profunda do que eu pensava. Através desses sonhos eu saciei um desejo inconsciente de libertar as amarras que me impedem de expor meus sentimentos, principalmente minha tristeza, mesmo que eu tenha feito isso apenas dentro de mim, apenas em uma "viagem". Hoje percebi que minha mente é realmente meu ópio, pois enquanto eu puder sonhar, terei minha mente livre para viver aquilo que eu desejar e precisar viver...
Bernardo Coelho


sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

MIL E UMA NOITES


Segundo li recentemente no noticiário internacional, o presidente da Argentina já botou as manguinhas de fora ao expressar a necessidade ter de poderes excepcionais para governar sem dar bola para o Congresso.
 
Aliás, parece ser essa a sina de todos os governantes extremistas, a alergia que têm de conviver com a democracia e opiniões contrárias a seu modo bitolado e radical de ser e de pensar.
 
Pelo jeito, o povo argentino precisa botar as barbas de molho, pois seu costeletudo presidente pode não ser a Xerazade, mas quer mais que Mileiuma noites de exceção para governar sem dar satisfação ao Congresso


MIL PERDÕES

 
Estamos vivendo em uma época extremamente violenta e cheia de tragédias. E nem estou me referindo às guerras que estão ocorrendo, refiro-me às tragédias familiares que têm sido noticiadas com uma frequência alarmante.  Homens que matam suas companheiras na frente dos filhos, homens que invadem a casa da ex-companheira e a esfaqueiam, homens que se suicidam depois de tirar a vida da ex-esposa, uma barbárie sem fim.
 
Por isso, destaca-se nesse universo de violência doméstica um acontecimento divulgado recentemente nos portais de noticias da internet. A manchete da notícia dizia que uma mulher decepou o pênis do marido e o jogou no vaso sanitário. Mesmo espantado com a notícia preferi manter distância dos detalhes.
 
Hoje, entretanto, saiu outra manchete sobre esse caso. Disse o homem que teve o pênis cortado pela esposa: “Da minha parte, está perdoada”.
 
Aí não resisti, pois baixou em mim o espírito do Jotabê sem noção e surgiu esta piada idiota:
 
Esse homem deveria ter dito de qual parte veio o perdão, da que sobrou ou da que se foi, concordam?

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

METÁFORA DO JUMENTO E DA VARA

 
Não sou bom analista político. Na verdade não sou bom analista de nada. Sou um jegue, um jumento, sem os atributos físicos desses animais. Por isso, depois de tomar alguns “chega pra lá” por conta de minhas opiniões sobre a política e políticos brasileiros, resolvi falar de minha incapacidade de análise, através de metáfora. Duas, na verdade, esperando pelo menos divirtam os 2,3 leitores desta bagaça.
 
O falecido ator, compositor, cantor e apresentador de TV Rolando Boldrin era um especialista em contar “causos” engraçados e pitorescos. Um deles é a história de um criador de porcos. Que é mais ou menos assim:
 
 
O FISCAL E O CRIADOR DE PORCOS
Um sitiante estava dando comida à sua criação de porcos quando apareceu um fiscal de saúde animal e perguntou o que o caboclo estava dando para a porcada.
- Tô dando o milho.
- Que absurdo, tanta gente passando fome no país e você aí dando milho pros seus porcos! E vou ser obrigado a te multar, pois os porcos precisam de mais variedade de alimentos.

Passado algum tempo o fiscal volta ao sítio do criador de porcos.

- O que é que você está dando de alimentação agora pra sua criação?
- Hoje? Tô dando lavagem. Tudo o que sobra das nossas comidas eu dou para eles. Arroz, feijão, verdura, fruta, casca de batata, casca de banana, tudo o que sobra. Olha como estão comendo com gosto!
- Comida? Onde já se viu? Com tanta fome no país, o senhor joga no chiqueiro comida da gente? Tá multado de novo.

Lavra a multa e vai embora. Passa mais um tempo e o fiscal mala está de volta.

- E então? Como o senhor está alimentando agora seus porcos?
- Pra falar a verdade, não estou dando mais nada para eles.
- Ficou doido? Assim sou obrigado a te multar de novo, por estar deixando seus animais morrer sem ter o que comer. Isso é crueldade animal!
- Pode ficar tranquilo, moço, eles não vão morrer de fome. Agora, diariamente eu dou uma nota de R$10,00 para cada um e eles compram o que quiserem comer. Olha como tá tudo gordinho!
 
 
O VELHO, O MENINO E O BURRO
(fábula antiga apresentada em versos por Olívia Couto)
 
Conta tradição antiga
Que um velho camponês
Precisando de dinheiro
Em certa altura do mês
Manda o filho caçula
Buscar o burro ou a mula
Para vender dessa vez.
 
O menino vem ligeiro
Trazendo o belo burrinho,
Seguiram os três pra cidade
Logo de manhã cedinho
Ninguém montou no animal
Pra ele não dar sinal
De cansaço do caminho.
 
Porém numa curva
Da estrada
Viram um viajante
Que falou: - “Que “besteira”!
O animal vai vazio
E o pobre velho senil
Vai a pé na caminhada”
 
- “Vejam, só, que grande asneira
É promessa ou penitência?”
E o velho lhe deu razão
E foi no burro montando
E o menino  puxando
Na mais pura inocência.
 
E foi dizendo o velhote
- “Só assim ninguém reclama
E tapo a boca do mundo!”
Logo à frente as lavadeiras
Lavando nas corredeiras
Gritaram: - “Mas que burrama!”
 
  - “Um marmanjão com saúde
Muito contente montado
E um pobre menininho
Puxando o burro! Ah, malvado!...
Este mundo está perdido
Desça daí seu bandido
Que o menino está cansado!”
 
Depois dessa, o pobre velho
Indignado acenou
E na garupa do burro
O seu menino montou
E disse ali sem demora:
- “Quero ver quem fala agora!?”
E o seu caminho continuou
 
Mas não deu nem dez minutos
Desponta ali na frente
Montado na bicicleta
Um roceiro e diz: - “Oxente!
O pobre desse animal
Não vai chegar ao final
Com esse peso em dia quente!”
 
 Disse isso e foi-se embora
E o velho concordando
Desce, deixando o menino
E sai na frente puxando
Mas encontra outro sujeito
Que ao menino curva o peito:
- “Majestade!” O vai saudando.
 
Logo pergunta o menino:
- “Por que falas: majestade?”
- “Porque somente os príncipes
Tem servo na tua idade
Puxando as montarias
Não fosses rei não terias
Lacaio à tua vontade!”
 
- “Lacaio, eu?” – Diz o velho
- “Mas que grande desaforo!”
Desça ligeiro menino
Pra não ouvir este coro
Vamos com o burro nas costas
Pra ver se o mundo assim gosta
E não faça mais agouro
 
E os dois com o burro nas costas
Qual estranho ritual
Encontram alguns rapazes
Que fazem tal carnaval
Gritando: - “Vejam três burros
Só falta soltarem zurros
Quem é o mais burro afinal?”
 
E o velho grita: - “Sou eu!
Burro de orelha também
Querendo escutar o mundo
Sendo aconselhado além
Quem segue o mundo maluco
Vai morrer doido e caduco
Sem nunca agradar ninguém!”
 
Os “causos” aqui apresentados compartilham a mesma "moral": precisamos nos informar, coletar informações fidedignas, não palpites nem fake news), para formar nossas próprias opiniões e tomar nossas próprias decisões, mesmo sabendo que não há verdades absolutas e imutáveis.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

CHUPA!

 
A tradicional revista britânica The Economist é uma respeitadíssima publicação de notícias e assuntos internacionais sobre economia. É publicada sem interrupção desde 1843, ano de sua fundação. Entre seus acionistas encontra-se o ramo britânico da família Rothschild de banqueiros. E segundo Geoffrey Crowther, que foi seu editor de 1938 a 1956, "A The Economist gosta de se imaginar como parte dos radicais. A posição histórica da publicação é o extremo-centro".
 
Com esse perfil, anualmente divulga os resultados de sua premiação The Economist’s country of the year”. Ao ler sobre a premiação de 2023 na mídia brasileira, resolvi buscar por - precaução - a reportagem original, que traduzi com a ajuda do poliglota Google, transcrita a seguir. Para que não reste dúvida sobre a veracidade da tradução, transcrevo também o artigo original, escrito na língua do Ray Charles.
 
 
O país do ano segundo The Economist
É possível implementar reformas econômicas dolorosas e ainda assim ser reeleito

Os historiadores não olharão para 2023 como um ano feliz para a humanidade. As guerras eclodiram, os regimes autocráticos foram arrogantes e, em muitos países, homens fortes desrespeitaram as leis e restringiram a liberdade. Este é o cenário sombrio do nosso premio anual de “país do ano”. Se o nosso prêmio fosse a resiliência das pessoas comuns face ao horror, haveria uma abundância de candidatos, desde os palestinos e israelenses no seu amargo conflito até aos sudaneses que fogem enquanto o seu país implode.

No entanto, desde que começamos a nomear os países do ano em 2013, procuramos reconhecer algo diferente: o local que mais melhorou. A busca por um ponto positivo em um mundo sombrio levou alguns de nossos funcionários ao desespero e propor Barbie Land, a utopia rosa fictícia de um sucesso de bilheteria de Hollywood. Mas na vida real, existem dois conjuntos de países que merecem reconhecimento.
 
O primeiro inclui lugares que resistiram ao bullying por parte de vizinhos autocráticos. Não se pode dizer que a vida na Ucrânia melhorou, mas o país continuou valentemente a sua luta contra a máquina de guerra de Vladimir Putin, apesar da vacilação dos seus apoiadores ocidentais. A Moldávia resistiu à intimidação russa. A Finlândia aderiu à aliança da OTAN e a Suécia seguirá em breve. Na Ásia, vários países mantiveram a coragem face à agressão chinesa, muitas vezes em colaboração com a América. As Filipinas defenderam as suas fronteiras marítimas e o direito do mar contra navios chineses muito maiores. Em Agosto, o Japão e a Coreia do Sul deixaram de lado as suas queixas históricas para aprofundar a sua cooperação. O estado insular de Tuvalu, com uma população de 11 mil habitantes, acaba de assinar um tratado com a Austrália que protege a sua população contra as alterações climáticas e inclui uma garantia de segurança para evitar que caia sob o domínio da China.
 
O nosso segundo grupo de países defendeu a democracia ou os valores liberais a nível interno. A Libéria, frágil e marcada pela guerra, conseguiu uma transferência pacífica de poder. O mesmo aconteceu com Timor leste, que manteve a sua reputação de respeitar os direitos humanos e de ter uma imprensa livre. Em alguns países de média dimensão, como a Tailândia e a Turquia, a esperança vacilou à medida que a oposição pressionava fortemente para expulsar regimes autocráticos, mas esses regimes que resistiram nas eleições distorceram-se a seu favor.
 
Três países destacam-se por voltarem à moderação depois de uma caminhada pelo lado selvagem. O Brasil empossou um presidente de centro-esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, após quatro anos de populismo mentiroso sob Jair Bolsonaro, que espalhou teorias conspiratórias divisivas, mimou policiais violentos, apoiou agricultores que incendiaram florestas tropicais, recusou-se a aceitar a derrota eleitoral e encorajou seus devotos para tentar uma insurreição. A nova administração rapidamente restaurou a normalidade – e reduziu o ritmo do desmatamento na Amazônia em quase 50%. O desempenho impressionante do Brasil foi manchado, no entanto, pelo hábito de Lula de se aproximar de Putin e do déspota venezuelano, Nicolás Maduro. Com isso, o Brasil fica de fora do prêmio.
 
 
The Economist’s country of the year
It is possible to enact painful economic reforms and still get re-elected
 
Historians will not look back on 2023 as a happy year for humanity. Wars blazed, autocratic regimes swaggered and in many countries strongmen flouted laws and curbed liberty. This is the grim backdrop to our annual “country of the year” award. If our prize was for the resilience of ordinary people in the face of horror, there would be an abundance of candidates, from the Palestinians and Israelis in their bitter conflict to the Sudanese fleeing as their country implodes.
 
Yet since we started naming countries of the year in 2013, we have sought to recognise something different: the place that has improved the most. The search for a bright spot in a bleak world led some of our staff to despair and propose Barbie Land, the fictional pink utopia of a Hollywood blockbuster. But in real life, there are two sets of countries that deserve recognition.
 
The first includes places that have stood up to bullying by autocratic neighbours. One cannot say that life in Ukraine improved, but the country valiantly continued its struggle against Vladimir Putin’s war machine, despite wobbling by its Western supporters. Moldova resisted Russian intimidation. Finland joined the nato alliance and Sweden will follow soon. In Asia a number of countries held their nerve in the face of Chinese aggression, often in collaboration with America. The Philippines defended its maritime boundaries, and the law of the sea, against much bigger Chinese ships. In August Japan and South Korea put aside their historical grievances to deepen their co-operation. The island state of Tuvalu, with a population of 11,000, has just signed a treaty with Australia that insures its population against climate change and includes a security guarantee to prevent it from falling under China’s thumb.
 
Our second group of countries defended democracy or liberal values at home. Fragile, war-scarred Liberia managed a peaceful transfer of power. So did Timor-Leste, which maintained its reputation for respecting human rights and a free press. In some mid-sized countries, such as Thailand and Turkey, hope flickered as the opposition pushed hard to eject autocratic regimes, but those regimes held on at elections skewed in their favour.
 
Three countries stand out for turning back to moderation after a walk on the wild side. Brazil swore in a centre-left president, Luiz Inácio Lula da Silva, after four years of mendacious populism under Jair Bolsonaro, who spread divisive conspiracy theories, coddled trigger-happy cops, supported rainforest-torching farmers, refused to accept electoral defeat and encouraged his devotees to attempt an insurrection. The new administration quickly restored normality—and reduced the pace of deforestation in the Amazon by nearly 50%. Brazil’s impressive record was marred, however, by Lula’s habit of cosying up to Mr Putin and Venezuela’s despot, Nicolás Maduro. As a result, Brazil misses out on the award.
 
 
Apesar da pisada no tomate dada pelo Lula ao aproximar-se do Putin e do Maduro - fazendo com que a Grécia e não Brasil fosse eleita pela revista o país do ano -, que mais eu poderia dizer depois desse artigo? Acho que só exclamar “Chupa, Carlucho!”

 


terça-feira, 26 de dezembro de 2023

PAPAI NOEL É UMA PIADA?

 
Eu tinha quase oito anos quando confirmei de forma definitiva que Papai Noel não existia. Éramos pobres, morávamos na casa de nossa avó materna e ganhávamos brinquedos, livros e roupas que alguns dos oito tios e tias solteiros compravam para nos presentear. Um dia, por pura inveja de meus primos ricos, pedi que Papai Noel me trouxesse uma merendeira de couro igual à que eles levavam à escola. Depois disso, uma de minhas tias chegou do serviço com alguns embrulhos que deixou em cima de sua cama. Sempre curioso, comecei a examinar os pacotes e notei que um deles era leve e mole. Rasguei um pedacinho do papel e percebi que ali estava minha merendeira sonhada.
 
Essa descoberta resolveu um problema que me incomodava um pouco, pois Papai Noel parecia preferir mais nossos primos ricos que a mim e meu irmão, tal a quantidade e qualidade dos brinquedos que ganhavam se comparados aos nossos. Papai Noel não era injusto, injusto era o mundo em que vivíamos. E a merendeira foi usada apenas umas duas vezes.
 
Depois, disso, perdi completamente o interesse pelo Natal e suas ceias e presentes. Esse desinteresse persistiu até o nascimento de nossos dois primeiros filhos. Foi quando o Papai Noel ressurgiu com entusiasmo total, pois começamos a comprar para eles todos os brinquedos que imaginávamos torná-los felizes (e talvez apagar as lembranças de crianças pobres que minha mulher e eu carregávamos).
 
E tome overdose de presentes para eles, para os irmãos, cunhados, sobrinhos, vizinhos, sogros e sogras, parentes, amigos e quem mais tivesse algum vínculo conosco (passadeira, manicure, etc.). Lembro-me de um ano em que compramos presentes para setenta pessoas, gastando todo o décimo terceiro e mais um pouquinho do salário normal. Os natais passados na casa de meu sogro eram ruidosos, alegres e com presentes que se espraiavam pela sala a partir da árvore de natal. E Papai Noel lá, marcando ponto.
 
Um dia, percebendo que estava provocando nos sobrinhos de minha mulher a mesma frustração que eu havia sentido na infância, dei um jeito de reunir a meninada para explicar para eles a dura realidade da vida. Mas, em vez de dizer simplesmente que Papai Noel não existia, expliquei que ele não conseguia levar todos os presentes que as crianças pediam. Por serem muitas, ele levava apenas um presente para cada criança. Os outros quem comprava eram os pais, tios e avós.
 
Não sei se fui muito convincente, apenas tentei manter a magia representada por alguém que saía do Polo Norte montado em um trenó puxado por renas, voando pelos céus do mundo só para deixar um presente para cada criança. Hoje sou avô de quatro menininhas, duas com quatro e duas com cinco anos, que conversam sobre seus desejos, suas expectativas e suas dúvidas – “como Papai Noel achará a casa de alguém que não tem uma árvore luminosa na sala?”
 
Essa inocência, essa pureza indica que ainda não foram contaminadas pelas mazelas do mundo adulto, um mundo onde idiotas encharcados de ideologia, crendice e radicalismo conseguem enxergar maldade onde ela não existe. E refiro-me aos tolos que acreditam que uma cor pode sinalizar sua aprovação às ideias, crenças e comportamentos de “inimigos”.
 
Parece que nós brasileiros temos um talento especial para tornar condenáveis ou indesejáveis temas, histórias e personagens que foram, são ou poderiam ser e fazer a alegria de crianças pequenas, pois de repente começamos colar nesses temas, histórias e personagens a praga da ideologia e do radicalismo, não nos preocupando com a alegria proporcionada às crianças em sua imersão nessas fantasias.
 
É como se um adulto tomasse de seu filho ou sua filha o brinquedo que ganhou e dissesse que a partir de agora quem brincará com o presente é o adulto. Entendeu o que eu falei? Não? Peço desculpas por estar escrevendo tão mal. Mas vou falar uma expressão mágica para que você entenda: Papai Noel.
 
Se você ainda não tinha percebido, estou falando dos boçais que veem o “perigo comunista” nas roupas vermelhas do Papai Noel, roupas que a Coca-Cola soube tão bem associar nas propagandas quase centenárias ao refrigerante mais consumido do mundo, um produto tipicamente capitalista, que desde sempre traz o rótulo e a tampa nas cores vermelho e branco. Alguém já pensou ou já enxergou a Coca Cola como um produto comunista? Claro que não, né? Por que o Papai Noel idealizado pelos publicitários do refrigerante seria? Essa visão brasileira é tão ridícula que dá até náusea.
 
O que um empresário de sucesso, dono de lojas de departamentos pretende ao se exibir vestido de verde e amarelo? E, pior ainda, colocar em suas lojas um Papai Noel com roupa azul e branca? Para mim, o idiota pretende substituir na cabeça das pessoas a fantasia do “bom velhinho” tradicional, por sua própria fantasia, a de ser nacionalista e patriota.
 
O que se poderia pensar de outro boçal que vestiu um pequeno exército com roupas de Papai Noel verde e amarelo? Ou ainda de um midiático empresário que junto com seus familiares ladeou um Papai Noel vestidinho de amarelo para tirar uma foto em família? Sinceramente, isso tudo é muito ridículo, só perdendo para um personagem que tentaram arranjar para expulsar do Brasil o Papai Noel fofinho, rechonchudo, de cabelos e barba branca que já tinha cativado adultos e crianças na década de 1930.
 
O substituto criado por integralistas e outros nacionalistas de miolo mole foi o “Vovô Índio”, um “índio” velho vestido de tanga e cocar na cabeça, que chegou a distribuir presentes em um estádio no Rio de janeiro, mas parece que o “ibope” do personagem peladão não foi dos mais positivos. A julgar por uma ilustração que fizeram, fico imaginando que aquela figura esdrúxula deve ter causado mais medo que alegria na criançada. Pelo menos no desenho, o Vovô Índio ficou com cara de doido ou pedófilo.

 
Para não me estender demais, deixo claro que morro de vergonha e tristeza quando um bando de idiotas enxerga o Papai Noel através da lente da ideologia radical, fazendo uma leitura adulta e equivocada de uma fantasia infantil, esquecendo-se ou ignorando que as fantasias são uma forma das crianças conviverem com a complexidade do mundo adulto, pois desempenham um papel significativo no desenvolvimento emocional, social e cognitivo das crianças pequenas. (quem diz isso é a Dona Psicologia).
 
Mas se quiserem brincar com a ideia do bom velhinho, que pelo menos utilizem o bom humor, como na cidade de Belgrado, onde centenas de homens e mulheres disputam uma corrida vestidos de Papai Noel, ou em Budapeste, onde um bando de malucos sai correndo pelas ruas vestindo apenas um gorro e uma cueca vermelha. Vendo essa sandice uma criança poderá dizer que o Papai Noel verdadeiro não está naquele grupo, pois os sacos são muito pequenos para carregar brinquedos.



sábado, 23 de dezembro de 2023

UM TEMPO NUNCA VIVIDO

 
Quando vejo retratos antigos
Registros de momentos fugazes
Manchados, amarelecidos
Me quedo a olhar as imagens
Fraques, botinas, polainas, vestidos
Olhares austeros, sem riso, contidos
 
Logo uma saudade me invade
Estranha saudade essa minha
Não da ausência de amigos
Nem lembranças de infância, parentes
Ou lugares a que fui, conheci
Visões de momentos vividos, recentes
 
Sinto saudade de um tempo
Passado em que não vivi,
E logo me pego a pensar
Que é ali, naquele tempo e lugar
Que eu gostaria de morar, viver e estar
Um tempo há muito distante
Um tempo nunca vivido.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

AND SO THIS IS CHRISTMAS


O mote, o lema do Blogson Crusoe ao ser criado era “O blog da solidão ampliada”, por eu acreditar ser essa a sua sina. Depois, graças à visibilidade e influência do blog “A Marreta do Azarão” fui me alegrando ao ter contato com outros blogueiros que orbitavam o blog do Marreta. Assim, durante um bom tempo “eu fui feliz”, pois trocava mensagens com gente divertida, alguns posts que eu publiquei eram reproduzidos em outros blogs, etc.
 
A magia acabou quando alguns desses blogs foram apagados e quando a polarização pré-eleitoral fez com que alguns leitores demonstrassem que eu era uma persona non grata para eles. Hoje o blog é acessado provavelmente por apenas duas ou três pessoas, fazendo jus ao lema original. Mas deixo claro que isto não é vitimização nem mimimi, é apenas registro histórico.
 
Por isso, resolvi dar um presente para essa reduzida mas seleta dupla de leitores. E por estar sem nenhuma inspiração, resolvi pedir ajuda ao sempre prestimoso ChatGPT  para fazer uma crônica de Natal. O problema é que tenho a mente meio anárquica, meio "fora da caixa". Assim, minha instrução foi esta:
 
“Faça um conto de Natal baseado no livro 1984”. Fui prontamente atendido e, vou ser sincero, eu adorei o resultado.
 
Era uma noite fria e sombria em Airstrip One. A neve caía silenciosamente sobre os edifícios cinzentos e as ruas vazias. As janelas estavam todas escuras, exceto por algumas telas luminosas que transmitiam as mensagens do Partido. Era véspera de Natal, mas o espírito natalino estava ausente na sociedade controlada pelo Grande Irmão.
Winston Smith caminhava pelas ruas desoladas, seu rosto marcado pela fadiga e pela desconfiança constante. Ele não podia esquecer o que a data costumava significar antes da ascensão do Partido. A alegria, a família, a liberdade - tudo agora parecia um sonho distante.
Ao chegar em seu apartamento, Winston notou que uma figura solitária o aguardava na escuridão. Era Julia, sua companheira clandestina. Ela trouxe consigo algo que raramente se via naqueles tempos sombrios: um pequeno pinheiro, com alguns enfeites improvisados e uma luz fraca que piscava intermitentemente.
"Eu encontrei isso", disse Julia, sussurrando como se o simples ato de falar mais alto pudesse atrair a atenção do Partido. "Pensei que poderíamos ter um pouco de normalidade, pelo menos por uma noite."
Os dois começaram a decorar o pequeno pinheiro, compartilhando sorrisos furtivos e olhares cautelosos. Era um ato de rebelião, uma pequena brecha na constante vigilância do Partido. Eles sussurraram palavras proibidas, compartilharam memórias proibidas e, por um breve momento, sentiram a liberdade que só o Natal podia proporcionar.
Enquanto estavam imersos na criação de seu próprio mundo de alegria, uma voz ecoou na sala. "O que vocês estão fazendo aqui?" Era O'Brien, o rosto severo e os olhos penetrantes. A alegria que o pequeno pinheiro trouxe rapidamente se dissipou, substituída pelo medo.
"Você é um traidor, Winston," disse O'Brien. "O Partido não tolerará tal desvio do padrão estabelecido."
Julia e Winston foram arrastados para fora de seu refúgio temporário, levados para longe da única centelha de calor que encontraram naquele Natal. Enquanto eram escoltados pelas ruas frias e silenciosas, Winston olhou para trás uma última vez para o pequeno pinheiro, agora abandonado e apagado.
Naquela noite, enquanto as luzes brilhavam nos monitores do Partido e a neve caía sobre uma sociedade controlada, o espírito de resistência ainda queimava nos corações de alguns. O Natal pode ter sido suprimido, mas a esperança persistia, mesmo que apenas em pensamento.

Para quem não leu o livro (também ajudado pelo ChatGPT):

O'Brien e Winston são personagens do romance "1984" de George Orwell, publicado em 1949. Eles desempenham papéis importantes na trama, que se passa em um regime totalitário distópico chamado Oceania.
Winston Smith é o protagonista da história. Ele é um funcionário do Ministério da Verdade, encarregado de reescrever registros históricos para se alinhar com a propaganda do Partido. No entanto, Winston começa a questionar a autoridade do Partido e a se rebelar contra o controle totalitário, alimentando pensamentos subversivos e buscando formas de resistência.
O'Brien, por outro lado, inicialmente parece ser um colega de Winston, mas mais tarde é revelado como um membro de alto escalão do Partido Interior, totalmente dedicado ao controle e à manutenção do poder do Partido. Ele se torna uma figura central no processo de lavagem cerebral e tortura que Winston enfrenta após ser capturado por desafiar o regime. O'Brien é conhecido por seu papel ambíguo, pois inicialmente parece apoiar as ideias rebeldes de Winston, mas, na realidade, ele é leal ao Partido e ao Grande Irmão.
A relação entre Winston e O'Brien é complexa e simboliza a luta entre a individualidade e o controle totalitário, explorando temas de manipulação, autoridade, liberdade e resistência.


quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

DIGA PRUNES

Como sabem os dois leitores deste blog, sinto uma atração especial por fotografias, por entender que são a melhor representação de “fração de segundo” – mesmo que isso não fosse verdade quando os primeiros retratos começaram a ser feitos.
 
Por isso, depois de ler o artigo “Retratos antigos raramente têm sorrisos. Quando sorrir virou hábito em fotos?”, resolvi fazer um post sobre esse assunto. Mas que ninguém espere filosofanças e refluxões. Hoje o que eu quero mesmo é cronicar (o modo Odorico Paraguaçu estava habilitado).
 
SAIS DE PRATA
Depois de passar no vestibular resolvi estudar Engenharia Química por pura macaquice, pois meu irmão já estava no terceiro ano desse curso. Quando ele  resolveu mudar para Engenharia Civil eu mudei também.
 
Mas enquanto eu fazia nada no curso de Química, fui colega do filho de um professor da UFMG que também fazia nada (o filho, obviamente). Talvez por isso tenhamos ficado amigos. Seu pai havia criado um processo para recuperar a prata envolvida no processo de revelação das fotografias. Imagino que devia ser um bom negócio, pois logo esse colega abandonou a faculdade para dedicar-se integralmente a essa atividade. Espero que tenha tido tempo de enriquecer antes do advento das câmeras digitais e smartphones.
 
CONHECIMENTO É TUDO
É sempre motivo de alegria e diversão quando as netinhas vêm à nossa casa. Na vinda mais recente comentei com a Cacá que vi e achei lindo o filme em que ela e a Bia aparecem dançando na escolinha.
- Não é filme.
- Não?
- É vídeo!
- Huumm...
 
DIGA PRUNES!
Segundo o artigo que li, uma pesquisa da Universidade da Califórnia analisou 37 mil retratos de anuários americanos tirados entre 1905 e 2013. E a pesquisa constatou o que eu já sabia ao olhar fotografias antigas: ninguém ria! Ainda segundo a reportagem, na década de 1910, as bocas saiam praticamente horizontais na foto. E o sorriso só apareceu a partir de 1940.
 
Mas por que as pessoas não riam nas fotos antigas? O escritor Mark Twain explicou:
“Uma fotografia é um documento importante, e não há nada mais condenável para a posteridade do que um sorriso tolo capturado e mantido para sempre”. Ou seja: sorrir era coisa de gente estúpida.
 
Outra razão é cultural. Segundo a reportagem uma boca pequena fazia parte do padrão de beleza do século 19. Em vez do “xis”, alguns fotógrafos pediam que os retratados falassem “prunes” (ameixa, em inglês), formando um ligeiro biquinho.
 
Se era assim, que terá acontecido para que hoje, todas as pessoas ao se verem na mira de um smartphone ou câmera fotográfica tenham que sorrir? Dá a impressão que alguém atrás do "fotógrafo" está fazendo chifrinhos em sua cabeça, oferecendo um pedaço de pizza ou, até mesmo, mostrando a bunda.
 
DIGA XIS
Parece que a principal responsável pela libertação do xis e por inserir os sorrisos nas fotos foi a Kodak, uma empresa de fotografia analógica. “À medida que as câmeras ficaram mais acessíveis e populares, a Kodak fez campanhas de marketing para associar a fotografia a algo prazeroso, como férias e comemorações. Fotógrafos profissionais eram instruídos a vender sessões de fotos para famílias em férias e momentos de lazer”.
 
Quando vejo um “case” de sucesso como este eu tenho de aplaudir muito os marketeiros que bolaram essa estratégia, pouco se lixando para os ensinamentos do Mark Twain. A Kodak investiu em slogans do tipo “Guarde seus momentos felizes com a Kodak” e “Mais prazer em seus momentos”. Um anúncio de 1908 já mostrava uma moça sorrindo enquanto segurava uma câmera portátil.
 
Na década de 1920, seguindo a trilha deixada pela Kodak, diversas empresas tentaram associar seus produtos à felicidade – assim, as fotos de campanhas de marketing passaram a mostrar pessoas alegres. E de tanto ver sorrisos em fotos, as pessoas se acostumaram a sorrir também.
 
OLHA O PASSARINHO!
Hoje, em quase todos os retratos tirados, há sempre alguém sorrindo ou fazendo biquinho. E quem maneja o equipamento nem sempre pede para dizer "xis”. Em churrascos e confraternizações, por exemplo, muitas vezes com todo mundo já chapado de cerveja, o “fotógrafo” pode pedir para substituir o “xis” por “pênis”. E há muita gente que adooora a ideia.
 
BIQUINHO
Umas coisas mais esquisitas que eu acho é quando alguém tira uma foto fazendo biquinho. Sério mesmo. Por isso, já que a Kodak foi a principal introdutora do sorriso nas fotografias, eu penso que o patrono honorário da ideia de se fazer biquinho poderia ser considerado – com muita justiça, diga-se – o fabricante do gel lubrificante íntimo K-Y.
 
KODACHROME
E para encerrar este post com cara de pizza a palito, de frango a passarinho, a música "Kodachrome”, composta pelo Paul Simon e apresentada em 1981 em concerto no Central Park, quando a dupla Simon&Garfunkel já tinha se separado – mas ainda tinha cabelo. Escutaí.
 



 

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

PROFUUUUNDO!

Meu amigo Marreta ironizou a mudança de pensamento que eu disse ter acontecido depois de beber alguns goles de cerveja sem álcool, nove anos depois de ter proclamado “para o mundo” que não beberia mais nenhum tipo de bebida alcoólica. Ri muito da observação feita pelo filhadaputa: “Rapaz, se um golinho de cerveja sem álcool já te conduziu a tantos e profuuuundos pensamentos, imagine, então, se tomar uma meia dúzia da comum”.
 
Mas é aí que a coisa pega, pois continuo sem nenhuma vontade de tomar cerveja, seja ela com ou sem álcool, apenas tirei o "nunca mais", a certeza absoluta da história (e ainda continuo sem ter consumido bebida alcoólica).
 
O que aconteceu na minha mente é semelhante ao código binário, no "DNA" dos computadores só existem o "zero" e o "um" (e suas múltiplas combinações). Basta um clique para a luz se acender ou apagar. Falando de forma mais coloquial, qualquer pessoa só é virgem uma única vez. Pode transar milhões de vezes depois, mas a cabeça (aquela que fica acima do pescoço) muda radicalmente só após a primeira vez, só após o primeiro beijo. Assim, aquele golinho de cerveja foi o catalisador que transformou o “off” em “on”. E meia dúzia da cerveja comum seria apenas uma boa sugestão para coma alcoólico (este texto está horrível!).
 
Mas que ninguém espere grandes filosofadas pós cerveja. A partir de agora não me importo mais em tentar impressionar com meus desenhos toscos, meus textos que fingem ser poesias, minhas frases "inteligentes" e minhas reflexões rasas e banais, tão inúteis como espelho em casa de vampiro. A partir de agora o que pretendo ser é cronista – de mim mesmo e do cotidiano, resumindo para os dois leitores do blog o que li e gostei.
 
Algum bambambam disse estar cansado de ser moderno, pois o que queria era ser eterno. Eu já penso o contrário: cansei-me de tentar ser eterno, o que eu quero agora é ser moderno, sem rótulos, sem regras, sem expectativas. E sem cerveja, se for o caso.

 

 

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

PROSIT!

 
Na sexta-feira passada aconteceu a reunião anual de confraternização dos primos por parte de pai da minha mulher, que foi recebida quase como uma rainha, tanta festa fizeram as vinte pessoas presentes quando a viram.
 
No dia anterior ela havia colocado no grupo dos primos um zap onde detalhou suas batalhas e seus progressos na luta contra uma doença que quase tirou sua esperança de um dia voltar a ter uma vida o mais próximo da que levava anteriormente.
 
Agora, como parece estar acontecendo uma melhora muito encorajadora em seu estado geral de saúde, resolveu ir ao encontro dos primos. Recebeu muitos abraços e até presentes, pois ganhou uma orquídea e uma caixa de bombons (e só ela ganhou).
 
Na mais flagrante marmelada foi também “sorteada” e ganhou uma tábua para usos diversos feita com roxinho, uma madeira trazida de Bonito/MS.
 
Bebeu três latinhas de cerveja sem álcool, tirou retratos, conversou bastante e o melhor de tudo é que não sentiu dor. Saímos de lá à meia noite, quatro horas depois de ter chegado.
 
E foi durante essa reunião agradável que aconteceu uma mudança em mim: minha mulher pediu para que eu provasse a cerveja sem álcool que nem eu nem ela nunca tínhamos provado. Recusei, negaceei, mas acabei provando. Para minha surpresa aquela Heineken tinha cor, espuma e gosto de cerveja. E eu, que desde 2014 nunca mais tinha colocado nenhuma bebida alcoólica na boca, tive um pequeno prazer de sentir aquele gosto outra vez.
 
Isso fez com que eu comentasse com quem estava ao meu lado que tinha sido quebrado o “feitiço” que me levou a parar de beber nove anos antes.
 
Depois, refletindo sobre tudo o que tinha acontecido de agradável e de inesperado, percebi que eu, o mais radical crítico dos donos das verdades eternas sempre tinha sido um deles também, pois eu criticava quem não comungava com minhas próprias “verdades eternas”.
 
Muitas vezes eu disse me sentir como uma rolha flutuando em um riacho, indo para onde as águas me levavam. E esclarecia: como se fosse um camaleão, eu tentava me adaptar a cada pessoas, a cada momento, tal como ele se apresentava.
 
O que eu nunca percebi foi que só aceitava ser “rolha” se a calha do riacho tivesse sido retificada tal como eu a imaginava. Em outras palavras eu era o mais intolerante dos tolerantes.
 
E é isso que mudou, que começou a mudar a partir de um gole de cerveja sem álcool. Hoje o que eu mais quero, o que realmente pretendo é não ter certeza de nada, é aceitar e negar, é concordar e discordar de todo tipo de atitude, comportamento, ideologia, religião, costumes, educação. Como diz um samba antigo, “deixa a vida me levar, vida leva eu”.

E que eu possa beber cerveja (ou não) se me sentir tentado a fazer isso, sem drama, sem culpa, sem falso moralismo, sem certezas absolutas de nada, sem agenda a cumprir e sem decisões irrevogáveis a obedecer.

domingo, 17 de dezembro de 2023

SORTE DOS PAIS QUE TÊM FILHOS ASSIM

 
Tive ontem uma conversa surpreendente e reveladora com um de nossos filhos. Depois que ele saiu fiquei pensando no que ouvira. E resolvi mandar um zap para ele. A troca de mensagens que se seguiu me fez tão bem que resolvi arquivá-la na blogoteca para que eu a pudesse reler quando estivesse me sentindo meio down. Se um dos dois leitores se sensibilizar com o que foi escrito, ótimo.
 
 
- Você foi o menino mais doce, o filho mais dócil que tivemos. Generoso, solidário, paciente, suavemente amoroso, dono de um amor intenso, profundo mas não explosivo. Pensar que eu te provoquei sofrimento mental em todos os milhares de vezes que briguei com sua mãe não me causa vergonha, não me causa arrependimento. Quem dera o que estou sentindo agora fosse só isso!
 
- Pai, vocês não me causaram sofrimento nenhum, óbvio que isso causou medo. Claro, nenhuma criança quer a separação dos pais, nenhum filho quer, mas quando digo que esperava que vocês fossem se separar a cada grande briga, existia um misto de medo, mas de esperança de que assim vocês ficassem em paz e felizes. Hoje obviamente percebo que isso não era necessário para se atingir a paz, e que mesmo se isso ocorresse ela poderia não vir (veja o exemplo do tio Edson).
 
- Como pude entristecer, magoar, tornar insegura uma criança tão maravilhosa como você foi? Você e seus irmãos mereciam um pai muito, muitíssimo melhor, menos egoísta, menos alheio e eu não merecia os filhos maravilhosos que tive, que tivemos. Não vou te pedir perdão pelo que fui, pois o rio passou. Mas queria muito ter te abraçado demorada e amorosamente todos os dias. Beijão. Te amo!
 
 - Quando te mostrei essa parte da minha alma, não foi para te causar sofrimento. Pelo contrário, foi para mostrar para você que você é importante para a gente sim, como pai, como amigo, como marido. Eu quero você aqui com a gente, não quero que você se vá nunca, nem a mamãe. Sei que isso é impossível, mas quero que vocês tenham vontade de viver conosco o máximo que conseguirem.
 
- Eu tenho, a partir de hoje eu tenho. Beijão e abração de três horas.
 
 - Não quero que você se prenda ao passado, ele é importante para mostrar quem somos hoje, como chegamos aonde chegamos. Mas o passado jamais vai determinar nosso futuro. Nosso futuro se faz nas escolhas do presente.
 
- Eu não pensava em fazer nada, nunca pensei. Mas você me salvou de mim mesmo hoje.
 
- Só uma pergunta sincera. Você não tá pensando em fazer nada não, né?
 
- Não entendi. Fazer o quê? Você tá falando de morte? Não, claro que não! Quero ir à festa de quinze anos da Bia e da Cacá.
 
- Que bom. Fiquei preocupado com sua mensagem
 
- Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente...
 
 
E aí começamos a falar de música, de festas e o post acaba aqui.

VOCÊS ENCHERAM MINHA VIDA DE SONHOS E DE SONS

 
Estava vendo no computador o show do Paul McCartney no Maracanã, um senhor cantando com voz ligeiramente trêmula as músicas que compôs, um homem de 81 anos dando o melhor de si, alegre, sempre entusiasmado, quando um sentimento de nostalgia e tristeza foi tomando conta de mim.

Pensei que talvez seja esta a última vez que ele virá ao Brasil, que terá disposição e saúde para fazer uma turnê mundial. E aí resolvi agradecer aos músicos e compositores já falecidos as músicas e versos que compuseram e que melhor costuraram as alegrias, as tristezas e as esperanças em minha vida.

Obrigado Beatles, obrigado George

Obrigado Tom Jobim, obrigado Vinícius

Obrigado Carlos Lyra, obrigado João Gilberto

Vocês encheram minha vida de sonhos e de sons

Com os sons que criaram e com os sonhos que sonharam

Obrigado do fundo do meu envelhecido e emocionado coração

sábado, 16 de dezembro de 2023

R.I.P. CARLOS LYRA!

 
Pois é, foi só escrever sobre a sensação de orfandade, de perda que sinto quando algum bambambam da música morre ou se aposenta, para tomar uma tijolada na cara com a notícia da morte de Carlos Lyra, um compositor refinadíssimo e cantor de voz agradável, autor de uma penca de músicas lindas da época da bossa nova e que me fizeram ter vontade de tocá-las no violão.
 
Em 2016 escrevi um post sobre o Carnaval e o que eu sentia quando ele acabava. Para musicar esse sentimento coloquei o link da belíssima “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas” composta por ele e pelo Vinicius de Moraes. Se alguém quiser ler e ouvir essa maravilha o link do post é este:
https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2016/02/marcha-da-quarta-feira-de-cinzas-carlos.html
 
Sim, ele estava velho, tinha 90 anos, mas como eu sonhei cantar "se você quer ser minha namorada, ah, que linda namorada você poderia ser" para a menina que eu queria que fosse minha namorada!

Para homenageá-lo hoje escolhi  a música “Coisa mais Linda”, que ele canta com sua filha Key Lyra.



sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

AS SIRENES ESTÃO TOCANDO

 
Algumas notícias que leio sobre o meio musical me deixam incomodado. Mais que incomodado, assustado e triste. Refiro-me ao encerramento das carreiras de músicos e bandas que alegraram a minha vida e de mais meio mundo de gente.
 
Tudo bem que a maioria seja de pessoas com idade próxima à minha ou mais velhos ainda e que alguns estejam até incapacitados fisicamente de continuar fazendo shows e turnês. O problema é que muitos deles fizeram ou fazem parte da trilha sonora de minha vida. E a lista é grande!
 
Dentre os que “viajaram fora do combinado” em 2021 estão o Cassiano, o rolling stone Charlie Watts e o tecladista de jazz Chick Corea. Em 2022 foram embora a Olivia Newton-John, o Galvão dos Novos Baianos, o roqueiro porra louca Jerry Lee Lewis, a Gal Costa, o Erasmo Carlos e o Rolando Boldrin, autor da frase entre aspas.
 
Em 2023 aconteceram as perdas de Rita Lee, João Donato, Tony Bennet, Tina Turner e Sinéad O’Connor. Sem falar em uma porrada de músicos com nomes menos conhecidos mas que fizeram parte de bandas super badaladas. Alguns, de tão velhos já estavam “devendo cemitério”, como dizia meu sogro. Mesmo assim foram perdas irreparáveis e que me entristeceram muito.
 
Mas o que pega mesmo são aqueles que decidem curtir uma régia aposentadoria (e põe régia nisso!). Desses eu acabo me sentindo órfão, mesmo que muitos nem tenham me impactado tanto, caso do atualmente semi inválido Phil Collins, por exemplo.
 
Então, descobrir que as turnês de Milton Nascimento, Elton John, Phil Collins, Aerosmith, Peter Frampton, Roger Waters e Eagles (só para citar alguns) não mais acontecerão me fazem perceber que o tempo passou, que passou mais depressa do que eu jamais poderia imaginar. Para alguns ainda há esperança de retorno, caso do Skank. Ou de Caetano Veloso, que continuará a fazer shows, mas só em seu estado natal.
 
E é ai que entra o motivo de estar escrevendo este texto: a banda de heavy metal Sepultura anunciou que fará uma turnê de despedida dos palcos, quarenta anos depois de ter sido criada por quatro adolescentes marrentos no bairro onde moro. Porra, já não bastava a banda Titãs com a turnê “Encontro pra dizer Adeus”?

Pela importância da Música e de muitos desses músicos em minha vida, a morte de alguns ou decisão de outros com idade próxima à minha de encerrar suas carreiras deveria, precisaria ser entendida por mim como um sinal, um alerta, ou como foram um dia os sons das sirenes antes da chegada dos aviões alemães na Londres da Segunda Guerra: talvez fosse a hora de ficar quietinho, de procurar abrigo fora do blog,talvez devesse ser a hora de parar de escrever banalidades e torcer para que os e-books lindamente exibidos no blog graças à inestimável ajuda da Maju ficassem mais conhecidos.

Mas eu sou um prisioneiro do Blogson, um blogadicto que continuará publicando o que der na telha, mesmo que tenha zero leitores, ainda que possa ser desprezado ou criticado por mudar de opinião, pois mesmo que não tenha mais saco para ouvir Raul, continuo a ser uma metamorfose ambulante. Por isso eu me desdigo, volto atrás de minhas decisões definitivas, repagino sempre as mesmas ideias ou mudo de opinião sem pestanejar, ora criticando o Lula, ora o defendendo, ora criticando o Bozo, ora o criticando ainda mais.

Ainda bem que existem bandas e músicos que se recusam a parar. A impressão que me causam é que depois de comer a carne e roer os ossos até ficar luzidios ainda pretendem fazer farinha da ossada. É assim que eu pretendo agir com o Blogson. Como ele é uma entidade apenas digital, sem carne nem esqueleto, usarei os ossos do ofício para fazer uma farinhada. 
 
E se quiser ouvir música nova passarei a ouvir as gravações recentes de Sir Paul McCartney, pois aquele ali com a vitalidade e o bom humor que tem provavelmente ainda viverá uns duzentos anos. Tocando seu baixo Höfner e em cima de um palco, obviamente.


quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

A BÍBLIA PERVERSA

 
Mesmo que esteja cada vez mais me afastando das práticas religiosas eu suspeito ter o “gene da religiosidade”. Por isso, qualquer artigo sobre religiões, sobre religião que passa na minha frente eu traço. Em outras palavras, eu leio tudo ou quase tudo que encontro sobre as manifestações religiosas ao longo da história. E um artigo super interessante que acabei de ler no site Megacurioso fala da “Bíblia Perversa” e é este o tema deste post.
 
Transcrevendo, “No auge do século XVII, a Bíblia era a base da lei e da sociedade ocidentais, sobretudo na Europa. Além de ser a principal fonte dos ensinamentos religiosos — no que diz respeito ao Cristianismo —, também era a base moral e ética ao fornecer um conjunto de princípios que refletiam os ensinamentos bíblicos, tudo frequentemente relacionado à interpretação das escrituras. Os líderes políticos usavam a Bíblia para justificar a maioria de suas ações e decisões, tanto quanto punir e condenar, invocando os preceitos bíblicos como forma de fundamentar a autoridade governamental e as leis.
 
Um exemplo disso foi a Bíblia King James Version (KJV), mais conhecida como Bíblia dos Pecadores, produzida em um período de grande importância histórica, durante o reinado do rei James I da Inglaterra, de 1603 a 1625. A tradução da Bíblia chegou em um momento propício, quando a Inglaterra passava por uma série de tensões religiosas e sua tradução visava unificar as diferentes facções religiosas da época.
 
A contagem oficial é de que a KJV contém 783.137 palavras, com 3.116.480 caracteres, então imagina dar conta de tudo isso em uma época em que a impressão, tradução e versão eram feitas de modo manual? Para os impressores do século XVII, publicar esse tipo de obra era um trabalho extremamente estressante e tedioso, portanto, fadado a erros – muitos erros.
 
Mas isso não podia acontecer com a obra "mais importante da humanidade, da sociedade e do governo" daquela época. Qualquer tipo de erro significava que todos esses pilares poderiam entrar em conflito ou, pior, em colapso. Os impressores reais da Grã-Bretanha de 1631, Robert Barker e Martin Lucas, descobriram isso da pior maneira possível, após obter a permissão do rei Carlos I para imprimir uma edição da Bíblia do Rei James.
 
A produção rendeu aproximadamente mil volumes do livro sagrado, no entanto, após uma inspeção minuciosa do produto final, eles descobriram um erro escandaloso. No livro do Êxodo 20:14, onde há a lista dos Dez Mandamentos, o “não” ficou de fora em “não cometerás adultério”.
 
A gravidade do problema repercutiu rapidamente, com o rei Carlos I sendo o primeiro a expressar sua extrema indignação com o erro, assim como o arcebispo da Cantuária, Jorge Abade. Os impressores Barker e Lucas foram convocados diante do monarca e receberam cada um uma chicotada, foram multados em 300 libras (o equivalente a um mês de salário na época) e tiveram sua licença como impressores cassada.
 
O monarca exigiu que cada cópia da "Bíblia Perversa" fosse caçada e destruída. Seus homens cumpriram a missão com excelência, tanto que apenas 16 cópias restaram. Sete estão na Grã-Bretanha, sete na América do Norte, uma na Nova Zelândia e outras são de propriedade privada. Inclusive, uma das cópias foi vendida em 2015 na casa de leilões Bonhams, em Londres, por mais de 31 mil euros.
 
Ao longo dos anos, análises feita por estudiosos encontraram um segundo erro de digitação de Barker e Lucas. Em Deuteronômio 5:23, “a grandeza de Deus” é substituída por “a grande farsa de Deus”.
 
Devido à natureza muito aparente desse segundo erro, muitos acreditam que houve sabotagem e, provavelmente, da parte de Bonham Norton. Ele era um ex-parceiro de Barker que havia se endividado; portanto, para ganhar o contrato real milionário, teria inserido deliberadamente os erros para incriminar o colega.
 
Como se pode ver, o espírito que norteia a publicação de fake news tem um antepassado ilustre na sabotagem do trabalho do coitado do impressor. Por ser gritante a diferença entre as duas expressões traduzidas para o português, tentei descobrir se haveria alguma semelhança na língua inglesa. Com auxílio do ChatGPT descobri que “a grandeza de Deus” na língua em que foi impressa a Bíblia é “a greatness of God”. E que “a grande farsa de Deus” é “a great farce of God”.
 
Sinceramente, só um bêbado encontra semelhança entre “greatness” com “great farce”. Então, deve mesmo ter rolado uma sabotagem no trabalho do impressor.
 
Mas o de que mais gostei foi a pena da chicotada. Já pensou se todo político ou personalidade pública recebesse uma chicotada ao falar ou fazer merda? Provavelmente faltariam chicotes e chicoteadores para dar conta do recado!

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

REUNIÃO DE CIGARRAS E FORMIGAS

 
Mesmo que não esteja mais trabalhando, tive outro pesadelo envolvendo minha insegurança profissional ao longo da vida, causada pela absurda irresponsabilidade, comportamento leviano e negligência durante a faculdade. Acordei com a boca amarga, pensando na fábula da cigarra e da formiga. Depois do café resolvi escrever um texto utilizando essa fábula.

Com o texto já escrito, tive a ideia de fazer sua "tradução" para o modo de falar de Portugal e Angola, pois tive um grande amigo e colega nascido em Luanda, filho de pais portugueses. Para isso, pedi ao ChatGPT que “traduzisse” o original. Mas nem todas as alterações propostas pela IA foram aceitas, pois eu queria manter os neologismos que criei. Se a “tradução” está correta ou se ficou boa só meu amigo Ryk@rdo poderá dizer, pois perdi o contato com esse amigo desde que se mudou para Portimão na década de 1980 (ou "voltou", como ele dizia). 
 
 
Um dia, um português resolveu aterrar no Brasil, deixando na pátria mãe a progenitora e uma noiva com quem sonhava desposar. Apesar da sua iliteracia, labutava arduamente para amealhar uns cobres e regressar à terrinha.
 
Todavia, o destino quis que a mãe batesse a bota antes do planeado regresso, levando-o a decidir permanecer no Brasil. Dá que pensar que a finada era como que uma fiadora do retorno do filho, uma garantidora do cumprimento de um compromisso nupcial. Com seu falecimento ficou o dito pelo não dito.
 
O tuga acabou por se enroscar com uma descendente de espanhóis, de quem teve dez rebentos educados sob o férreo regime luso. Aí, essa linhagem começou a alargar. Apesar de sua iliteracia, o tuga deixou um casarão para cada pimpolho, usando a simples artimanha do trabalho em mutirão. Comprou um enorme terreno na periferia da cidade, delimitado por uma rua e uma avenida 
em dois de seus lados e ali a maioria das casas foi erguida.

Nos fins de semana, os oito rebentos machos punham mãos à obra, atuando como pedreiros, carpinteiros ou simples ajudantes. Assim, as residências foram sendo levantadas uma a uma, e entregues a cada um dos filhos por ordem de matrimónio ou nascimento.
 
Recordando-me da fábula da cigarra e da formiga, percebo que o tuga criou uma família de formigas, gente simples, com pouca educação formal – apenas um frequentou a faculdade –, mas trabalhadora e sobretudo batalhadora.
 
Estas dez formigas deram à luz trinta netos e netas para o velho tuga, mas nem todos “formigaram”, pois cinco não chegaram à maioridade, vitimados por acidentes ou sequelas na primeira infância. Dos vinte e cinco restantes, pelo menos dezoito concluíram o terceiro grau, dois enriqueceram sobremaneira e seis ficaram muito abastados.
 
Dos dezessete de classe média que sobraram, sete foram seduzidos pelo canto da cigarra e “cigarrearam” com gosto durante a juventude. Alguns deles adaptaram-se tanto a essa forma de vida que continuam cigarreando até hoje.
 
Nos próximos dias, como é hábito no final de cada ano, a maioria das formigas e alguns dos cigarreados reunir-se-ão numa confraternização de primos e agregados. Pretendo ir como agregado, casado que sou com uma mulher que formigou laboriosamente a vida inteira.
 
Eles gostam de mim, talvez por crer que eu também sou formiga. Mal sabem eles que eu sou a mais genuína e arrependida das cigarras! Irei com prazer a esse encontro pois também gosto deles. No entanto, não terei nada para relatar nem entoar.

 

 

 


terça-feira, 12 de dezembro de 2023

EU GÊNIO!!!!

 
Alguns dos três leitores desta bagaça criticam a avaliação severa que faço de mim mesmo. Até já disseram que eu me vitimizo ou que fico só fazendo mi mi mi. Logo eu, que amo tanto o do re mi fa sol la si da Música!
 
Por isso, para provar que eu me amo e que não posso mais viver sem mim, resolvi usar meu cérebro privilegiado e minha inspiração inesgotável para fazer um poema que celebre minhas qualidades e virtudes.
 
Depois, pensando melhor, resolvi passar essa empreitada para o ChatGPT, sempre tão solícito e pronto a atender meus pedidos como se fosse a versão digital do gênio de Aladim. E fiz isso porque mesmo não sendo o Aladim sou bastante ladino.
 
Assim, enquanto ele gastou horas burilando os versos, eu fiquei bebendo água de coco sentado à sombra de uma palmeira onde canta o sabiá. E o resultado está apresentado a seguir.
 
Não tenho comportamentos a serem censurados,
Histórias de sucesso são parte do meu passado.
Conduta exemplar é meu norte a seguir,
Atitudes louváveis sempre busco exibir.
 
Conquistas notáveis são meu cartão de visita,
Jornadas memoráveis, na vida, são a fita.
Mensagens construtivas, palavras edificantes,
São o alicerce de minhas ações vibrantes.
 
Comentários encorajadores são bem-vindos,
Proezas notáveis, em mim, têm seus indícios.
Realizações destacadas, desempenho excepcional,
São metas que alcancei, com esforço e ideal.
 
Expressões motivadoras guiam meu caminhar,
Palavras inspiradoras, sempre a me impulsionar.
E se me perguntam sobre sucesso e fracasso,
Eu sou o coach da superação, não do embaraço.
 
Ao contrário do que possa parecer comum,
Não escondo minha luz, não finjo o jejum.
Não sou apenas uma sombra no normal,
Sou a realidade mais que excepcional.

Não sei como ele conseguiu me radiografar tão bem!

MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4