terça-feira, 26 de dezembro de 2023

PAPAI NOEL É UMA PIADA?

 
Eu tinha quase oito anos quando confirmei de forma definitiva que Papai Noel não existia. Éramos pobres, morávamos na casa de nossa avó materna e ganhávamos brinquedos, livros e roupas que alguns dos oito tios e tias solteiros compravam para nos presentear. Um dia, por pura inveja de meus primos ricos, pedi que Papai Noel me trouxesse uma merendeira de couro igual à que eles levavam à escola. Depois disso, uma de minhas tias chegou do serviço com alguns embrulhos que deixou em cima de sua cama. Sempre curioso, comecei a examinar os pacotes e notei que um deles era leve e mole. Rasguei um pedacinho do papel e percebi que ali estava minha merendeira sonhada.
 
Essa descoberta resolveu um problema que me incomodava um pouco, pois Papai Noel parecia preferir mais nossos primos ricos que a mim e meu irmão, tal a quantidade e qualidade dos brinquedos que ganhavam se comparados aos nossos. Papai Noel não era injusto, injusto era o mundo em que vivíamos. E a merendeira foi usada apenas umas duas vezes.
 
Depois, disso, perdi completamente o interesse pelo Natal e suas ceias e presentes. Esse desinteresse persistiu até o nascimento de nossos dois primeiros filhos. Foi quando o Papai Noel ressurgiu com entusiasmo total, pois começamos a comprar para eles todos os brinquedos que imaginávamos torná-los felizes (e talvez apagar as lembranças de crianças pobres que minha mulher e eu carregávamos).
 
E tome overdose de presentes para eles, para os irmãos, cunhados, sobrinhos, vizinhos, sogros e sogras, parentes, amigos e quem mais tivesse algum vínculo conosco (passadeira, manicure, etc.). Lembro-me de um ano em que compramos presentes para setenta pessoas, gastando todo o décimo terceiro e mais um pouquinho do salário normal. Os natais passados na casa de meu sogro eram ruidosos, alegres e com presentes que se espraiavam pela sala a partir da árvore de natal. E Papai Noel lá, marcando ponto.
 
Um dia, percebendo que estava provocando nos sobrinhos de minha mulher a mesma frustração que eu havia sentido na infância, dei um jeito de reunir a meninada para explicar para eles a dura realidade da vida. Mas, em vez de dizer simplesmente que Papai Noel não existia, expliquei que ele não conseguia levar todos os presentes que as crianças pediam. Por serem muitas, ele levava apenas um presente para cada criança. Os outros quem comprava eram os pais, tios e avós.
 
Não sei se fui muito convincente, apenas tentei manter a magia representada por alguém que saía do Polo Norte montado em um trenó puxado por renas, voando pelos céus do mundo só para deixar um presente para cada criança. Hoje sou avô de quatro menininhas, duas com quatro e duas com cinco anos, que conversam sobre seus desejos, suas expectativas e suas dúvidas – “como Papai Noel achará a casa de alguém que não tem uma árvore luminosa na sala?”
 
Essa inocência, essa pureza indica que ainda não foram contaminadas pelas mazelas do mundo adulto, um mundo onde idiotas encharcados de ideologia, crendice e radicalismo conseguem enxergar maldade onde ela não existe. E refiro-me aos tolos que acreditam que uma cor pode sinalizar sua aprovação às ideias, crenças e comportamentos de “inimigos”.
 
Parece que nós brasileiros temos um talento especial para tornar condenáveis ou indesejáveis temas, histórias e personagens que foram, são ou poderiam ser e fazer a alegria de crianças pequenas, pois de repente começamos colar nesses temas, histórias e personagens a praga da ideologia e do radicalismo, não nos preocupando com a alegria proporcionada às crianças em sua imersão nessas fantasias.
 
É como se um adulto tomasse de seu filho ou sua filha o brinquedo que ganhou e dissesse que a partir de agora quem brincará com o presente é o adulto. Entendeu o que eu falei? Não? Peço desculpas por estar escrevendo tão mal. Mas vou falar uma expressão mágica para que você entenda: Papai Noel.
 
Se você ainda não tinha percebido, estou falando dos boçais que veem o “perigo comunista” nas roupas vermelhas do Papai Noel, roupas que a Coca-Cola soube tão bem associar nas propagandas quase centenárias ao refrigerante mais consumido do mundo, um produto tipicamente capitalista, que desde sempre traz o rótulo e a tampa nas cores vermelho e branco. Alguém já pensou ou já enxergou a Coca Cola como um produto comunista? Claro que não, né? Por que o Papai Noel idealizado pelos publicitários do refrigerante seria? Essa visão brasileira é tão ridícula que dá até náusea.
 
O que um empresário de sucesso, dono de lojas de departamentos pretende ao se exibir vestido de verde e amarelo? E, pior ainda, colocar em suas lojas um Papai Noel com roupa azul e branca? Para mim, o idiota pretende substituir na cabeça das pessoas a fantasia do “bom velhinho” tradicional, por sua própria fantasia, a de ser nacionalista e patriota.
 
O que se poderia pensar de outro boçal que vestiu um pequeno exército com roupas de Papai Noel verde e amarelo? Ou ainda de um midiático empresário que junto com seus familiares ladeou um Papai Noel vestidinho de amarelo para tirar uma foto em família? Sinceramente, isso tudo é muito ridículo, só perdendo para um personagem que tentaram arranjar para expulsar do Brasil o Papai Noel fofinho, rechonchudo, de cabelos e barba branca que já tinha cativado adultos e crianças na década de 1930.
 
O substituto criado por integralistas e outros nacionalistas de miolo mole foi o “Vovô Índio”, um “índio” velho vestido de tanga e cocar na cabeça, que chegou a distribuir presentes em um estádio no Rio de janeiro, mas parece que o “ibope” do personagem peladão não foi dos mais positivos. A julgar por uma ilustração que fizeram, fico imaginando que aquela figura esdrúxula deve ter causado mais medo que alegria na criançada. Pelo menos no desenho, o Vovô Índio ficou com cara de doido ou pedófilo.

 
Para não me estender demais, deixo claro que morro de vergonha e tristeza quando um bando de idiotas enxerga o Papai Noel através da lente da ideologia radical, fazendo uma leitura adulta e equivocada de uma fantasia infantil, esquecendo-se ou ignorando que as fantasias são uma forma das crianças conviverem com a complexidade do mundo adulto, pois desempenham um papel significativo no desenvolvimento emocional, social e cognitivo das crianças pequenas. (quem diz isso é a Dona Psicologia).
 
Mas se quiserem brincar com a ideia do bom velhinho, que pelo menos utilizem o bom humor, como na cidade de Belgrado, onde centenas de homens e mulheres disputam uma corrida vestidos de Papai Noel, ou em Budapeste, onde um bando de malucos sai correndo pelas ruas vestindo apenas um gorro e uma cueca vermelha. Vendo essa sandice uma criança poderá dizer que o Papai Noel verdadeiro não está naquele grupo, pois os sacos são muito pequenos para carregar brinquedos.



Um comentário:

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