Eu tinha quase oito anos quando confirmei de
forma definitiva que Papai Noel não existia. Éramos pobres, morávamos na casa
de nossa avó materna e ganhávamos brinquedos, livros e roupas que alguns dos
oito tios e tias solteiros compravam para nos presentear. Um dia, por pura
inveja de meus primos ricos, pedi que Papai Noel me trouxesse uma merendeira de
couro igual à que eles levavam à escola. Depois disso, uma de minhas tias
chegou do serviço com alguns embrulhos que deixou em cima de sua cama. Sempre curioso,
comecei a examinar os pacotes e notei que um deles era leve e mole. Rasguei um
pedacinho do papel e percebi que ali estava minha merendeira sonhada.
Essa descoberta resolveu um problema que me
incomodava um pouco, pois Papai Noel parecia preferir mais nossos primos ricos
que a mim e meu irmão, tal a quantidade e qualidade dos brinquedos que ganhavam
se comparados aos nossos. Papai Noel não era injusto, injusto era o mundo em
que vivíamos. E a merendeira foi usada apenas umas duas vezes.
Depois, disso, perdi completamente o
interesse pelo Natal e suas ceias e presentes. Esse desinteresse persistiu até o
nascimento de nossos dois primeiros filhos. Foi quando o Papai Noel ressurgiu
com entusiasmo total, pois começamos a comprar para eles todos os brinquedos
que imaginávamos torná-los felizes (e talvez apagar as lembranças de crianças
pobres que minha mulher e eu carregávamos).
E tome overdose de presentes para eles, para
os irmãos, cunhados, sobrinhos, vizinhos, sogros e sogras, parentes, amigos e
quem mais tivesse algum vínculo conosco (passadeira, manicure, etc.). Lembro-me
de um ano em que compramos presentes para setenta pessoas, gastando todo o décimo
terceiro e mais um pouquinho do salário normal. Os natais passados na casa de
meu sogro eram ruidosos, alegres e com presentes que se espraiavam pela sala a
partir da árvore de natal. E Papai Noel lá, marcando ponto.
Um dia, percebendo que estava provocando nos
sobrinhos de minha mulher a mesma frustração que eu havia sentido na infância,
dei um jeito de reunir a meninada para explicar para eles a dura realidade da
vida. Mas, em vez de dizer simplesmente que Papai Noel não existia, expliquei
que ele não conseguia levar todos os presentes que as crianças pediam. Por
serem muitas, ele levava apenas um presente para cada criança. Os outros quem comprava eram os pais, tios e avós.
Não sei se fui muito convincente, apenas tentei
manter a magia representada por alguém que saía do Polo Norte montado em um trenó
puxado por renas, voando pelos céus do mundo só para deixar um presente para cada
criança. Hoje sou avô de quatro menininhas, duas com quatro e duas com cinco
anos, que conversam sobre seus desejos, suas expectativas e suas dúvidas – “como Papai Noel achará a casa de alguém que
não tem uma árvore luminosa na sala?”
Essa inocência, essa pureza indica que ainda
não foram contaminadas pelas mazelas do mundo adulto, um mundo onde idiotas encharcados
de ideologia, crendice e radicalismo conseguem enxergar maldade onde ela não
existe. E refiro-me aos tolos que acreditam que uma cor pode sinalizar sua
aprovação às ideias, crenças e comportamentos de “inimigos”.
Parece que nós brasileiros temos um talento
especial para tornar condenáveis ou indesejáveis temas, histórias e personagens
que foram, são ou poderiam ser e fazer a alegria de crianças pequenas, pois de
repente começamos colar nesses temas, histórias e personagens a praga da
ideologia e do radicalismo, não nos preocupando com a alegria proporcionada às
crianças em sua imersão nessas fantasias.
É como se um adulto tomasse de seu filho ou
sua filha o brinquedo que ganhou e dissesse que a partir de agora quem brincará
com o presente é o adulto. Entendeu o que eu falei? Não? Peço desculpas por
estar escrevendo tão mal. Mas vou falar uma expressão mágica para que você
entenda: Papai Noel.
Se você ainda não tinha percebido, estou
falando dos boçais que veem o “perigo comunista” nas roupas vermelhas do Papai
Noel, roupas que a Coca-Cola soube tão bem associar nas propagandas quase
centenárias ao refrigerante mais consumido do mundo, um produto tipicamente
capitalista, que desde sempre traz o rótulo e a tampa nas cores vermelho e
branco. Alguém já pensou ou já enxergou a Coca Cola como um produto comunista? Claro
que não, né? Por que o Papai Noel idealizado pelos publicitários do
refrigerante seria? Essa visão brasileira é tão ridícula que dá até náusea.
O que um empresário de sucesso, dono de lojas
de departamentos pretende ao se exibir vestido de verde e amarelo? E, pior
ainda, colocar em suas lojas um Papai Noel com roupa azul e branca? Para mim, o
idiota pretende substituir na cabeça das pessoas a fantasia do “bom velhinho”
tradicional, por sua própria fantasia, a de ser nacionalista e patriota.
O que se poderia pensar de outro boçal que
vestiu um pequeno exército com roupas de Papai Noel verde e amarelo? Ou ainda
de um midiático empresário que junto com seus familiares ladeou um Papai Noel
vestidinho de amarelo para tirar uma foto em família? Sinceramente, isso tudo é
muito ridículo, só perdendo para um personagem que tentaram arranjar para expulsar
do Brasil o Papai Noel fofinho, rechonchudo, de cabelos e barba branca que já
tinha cativado adultos e crianças na década de 1930.
O substituto criado por integralistas e
outros nacionalistas de miolo mole foi o “Vovô Índio”, um “índio” velho vestido
de tanga e cocar na cabeça, que chegou a distribuir presentes em um estádio no
Rio de janeiro, mas parece que o “ibope” do personagem peladão não foi dos mais
positivos. A julgar por uma ilustração que fizeram, fico imaginando que aquela
figura esdrúxula deve ter causado mais medo que alegria na criançada. Pelo
menos no desenho, o Vovô Índio ficou com cara de doido ou pedófilo.
Para não me estender demais, deixo claro que morro
de vergonha e tristeza quando um bando de idiotas enxerga o Papai Noel através
da lente da ideologia radical, fazendo uma leitura adulta e equivocada de uma
fantasia infantil, esquecendo-se ou ignorando que as fantasias são uma forma
das crianças conviverem com a complexidade do mundo adulto, pois desempenham um
papel significativo no desenvolvimento emocional, social e cognitivo das
crianças pequenas. (quem diz isso é a Dona Psicologia).
Mas se quiserem brincar com a ideia do bom
velhinho, que pelo menos utilizem o bom humor, como na cidade de Belgrado, onde
centenas de homens e mulheres disputam uma corrida vestidos de Papai Noel, ou em
Budapeste, onde um bando de malucos sai correndo pelas ruas vestindo apenas um
gorro e uma cueca vermelha. Vendo essa sandice uma criança poderá dizer que o
Papai Noel verdadeiro não está naquele grupo, pois os sacos são muito pequenos
para carregar brinquedos.
Obrigado!
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