quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

REUNIÃO DE CIGARRAS E FORMIGAS

 
Mesmo que não esteja mais trabalhando, tive outro pesadelo envolvendo minha insegurança profissional ao longo da vida, causada pela absurda irresponsabilidade, comportamento leviano e negligência durante a faculdade. Acordei com a boca amarga, pensando na fábula da cigarra e da formiga. Depois do café resolvi escrever um texto utilizando essa fábula.

Com o texto já escrito, tive a ideia de fazer sua "tradução" para o modo de falar de Portugal e Angola, pois tive um grande amigo e colega nascido em Luanda, filho de pais portugueses. Para isso, pedi ao ChatGPT que “traduzisse” o original. Mas nem todas as alterações propostas pela IA foram aceitas, pois eu queria manter os neologismos que criei. Se a “tradução” está correta ou se ficou boa só meu amigo Ryk@rdo poderá dizer, pois perdi o contato com esse amigo desde que se mudou para Portimão na década de 1980 (ou "voltou", como ele dizia). 
 
 
Um dia, um português resolveu aterrar no Brasil, deixando na pátria mãe a progenitora e uma noiva com quem sonhava desposar. Apesar da sua iliteracia, labutava arduamente para amealhar uns cobres e regressar à terrinha.
 
Todavia, o destino quis que a mãe batesse a bota antes do planeado regresso, levando-o a decidir permanecer no Brasil. Dá que pensar que a finada era como que uma fiadora do retorno do filho, uma garantidora do cumprimento de um compromisso nupcial. Com seu falecimento ficou o dito pelo não dito.
 
O tuga acabou por se enroscar com uma descendente de espanhóis, de quem teve dez rebentos educados sob o férreo regime luso. Aí, essa linhagem começou a alargar. Apesar de sua iliteracia, o tuga deixou um casarão para cada pimpolho, usando a simples artimanha do trabalho em mutirão. Comprou um enorme terreno na periferia da cidade, delimitado por uma rua e uma avenida 
em dois de seus lados e ali a maioria das casas foi erguida.

Nos fins de semana, os oito rebentos machos punham mãos à obra, atuando como pedreiros, carpinteiros ou simples ajudantes. Assim, as residências foram sendo levantadas uma a uma, e entregues a cada um dos filhos por ordem de matrimónio ou nascimento.
 
Recordando-me da fábula da cigarra e da formiga, percebo que o tuga criou uma família de formigas, gente simples, com pouca educação formal – apenas um frequentou a faculdade –, mas trabalhadora e sobretudo batalhadora.
 
Estas dez formigas deram à luz trinta netos e netas para o velho tuga, mas nem todos “formigaram”, pois cinco não chegaram à maioridade, vitimados por acidentes ou sequelas na primeira infância. Dos vinte e cinco restantes, pelo menos dezoito concluíram o terceiro grau, dois enriqueceram sobremaneira e seis ficaram muito abastados.
 
Dos dezessete de classe média que sobraram, sete foram seduzidos pelo canto da cigarra e “cigarrearam” com gosto durante a juventude. Alguns deles adaptaram-se tanto a essa forma de vida que continuam cigarreando até hoje.
 
Nos próximos dias, como é hábito no final de cada ano, a maioria das formigas e alguns dos cigarreados reunir-se-ão numa confraternização de primos e agregados. Pretendo ir como agregado, casado que sou com uma mulher que formigou laboriosamente a vida inteira.
 
Eles gostam de mim, talvez por crer que eu também sou formiga. Mal sabem eles que eu sou a mais genuína e arrependida das cigarras! Irei com prazer a esse encontro pois também gosto deles. No entanto, não terei nada para relatar nem entoar.

 

 

 


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