Como prova de que eu sou um urso hibernando
(a barriga lembra um pouco), preciso dizer que de todos os colegas de ensino de
primeiro e segundo grau só tenho contato esporádico com um. Dos cinco anos de
faculdade sobrou apenas um colega a quem cumprimento amistosamente quando o
vejo. E dos trinta e quatro anos de vida profissional só consegui tirar dois
ex-colegas. Com um deles só mantenho algum contato via Facebook.
Por isso, ao me encontrar com alguns desses
jamais pergunto como estão os antigos colegas, quem morreu, quem ficou rico,
etc. Hoje, comprando algumas coisas em um supermercado, tive o ombro tocado
pelo ex-colega de ginásio. E o normal seria começarmos aquela lenga-lenga
tradicional – “E aí, como vai? Tudo bem?
Família boa?”, mas meu colega estendeu a conversa quando me perguntou se eu
me lembrava do Nazir dos tempos de ginásio.
- Nazir
ou Samir? Eu o chamava de Samir.
- Esse
mesmo. Nazir.
- Que
tem ele?
-
Fiquei sabendo que suicidou.
- Puta
que pariu! Agora?
- Não,
há uns dois anos. Ele morava com a mãe e entrou em depressão quando ela
faleceu. Passou um pouco de tempo e ele “caiu” do segundo andar do prédio onde
morava.
- Que
loucura! Mas ele era muito estranho. Ou melhor, muito retraído, muito tímido,
ficava vermelho só de alguém chamar seu nome. Eu me dava bem com ele, pois como
diz meu filho, “boi preto reconhece boi
preto”. Sacanagem!
- Pois
é. Deixe eu ir agora, pois minha mulher está me esperando para almoçar.
-
Falou.
-
Abração.
Chocado com a notícia lembrei-me de uma
conversa que tive com o Samir/Nazir ainda na juventude, quando nos encontramos
em uma festa junina, um monólogo para lá de constrangedor feito por ele, já
totalmente bêbado.
Acreditando que alguém poderia me condenar
por desejar postar no blog esta história esquecida, pensei em recrutar o
ChatGPT para fazer o trabalho braçal a partir do que me lembrava de ter ouvido
e produzir uma crônica de “ficção”, sem referência nenhuma à morte do
ex-colega, mas descobri que a AI
moralista e puritana não escreveria o texto que eu esperava que fizesse. Em vez
disso, apareceram mensagens em inglês com estes dizeres:
This
content may violate our content policy. If you believe this to be in error,
please submit your feedback – your input will aid our research in this area.
Que em língua de gente significa:
Este
conteúdo pode violar nossa política de conteúdo. Se você acredita que isso é um
erro, envie seu feedback – sua opinião ajudará nossa pesquisa nesta área.
E não houve meio de convencer o chato do GPT
a me ajudar. Por isso, mesmo parecendo ser um calhorda irrecuperável (talvez eu seja) até pensei em reproduzir o que o coitado do Samir/Nazir
me contou um dia, caindo de bêbado.
Imagino que depois, já sobrio, deve ter até se flagelado, ao se
arrepender de ter sido tão patético. E nunca mais nos falamos (ainda bem),
pois já estávamos em faculdades e cursos diferentes (creio que estudava pedagogia
ou coisa semelhante). Mas resolvi não escrever as confidências que me
fez, decidi não vender minha alma ao diabo. Mesmo que não acredite no diabo.
Sinceramente falando, ainda que pareça oportunismo da minha parte (é mesmo,
eu sei), este post estaria na linha do meu raciocínio sobre o esquecimento
definitivo das pessoas comuns quando ninguém mais se lembra de algum caso ou
sabe seu nome, etc. Assim, fica aqui registrado que um jovem muito tímido um dia bebeu tanto que resolveu me contar suas constrangedoras e patéticas primeiras experiências sexuais. O problema é que nem tenho certeza de seu nome real, se era mesmo Nazir ou Samir.
Mas nada mais direi sobre isso em respeito à memória de uma pessoa que não conseguiu suportar o peso da Vida. E deixem para me apedrejar em outra ocasião.
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