Na sexta-feira passada aconteceu a reunião anual de confraternização dos
primos por parte de pai da minha mulher, que foi recebida quase como uma
rainha, tanta festa fizeram as vinte pessoas presentes quando a viram.
No dia anterior ela havia colocado no grupo dos primos um zap onde detalhou suas
batalhas e seus progressos na luta contra uma doença que quase tirou sua
esperança de um dia voltar a ter uma vida o mais próximo da que levava
anteriormente.
Agora, como parece estar acontecendo uma melhora muito encorajadora em
seu estado geral de saúde, resolveu ir ao encontro dos primos. Recebeu muitos
abraços e até presentes, pois ganhou uma orquídea e uma caixa de bombons (e só
ela ganhou).
Na mais flagrante marmelada foi também “sorteada” e ganhou uma tábua
para usos diversos feita com roxinho, uma madeira trazida de Bonito/MS.
Bebeu três latinhas de cerveja sem álcool, tirou retratos, conversou
bastante e o melhor de tudo é que não sentiu dor. Saímos de lá à meia noite,
quatro horas depois de ter chegado.
E foi durante essa reunião agradável que aconteceu uma mudança em mim:
minha mulher pediu para que eu provasse a cerveja sem álcool que nem eu nem ela
nunca tínhamos provado. Recusei, negaceei, mas acabei provando. Para minha
surpresa aquela Heineken tinha cor, espuma e gosto de cerveja. E eu, que desde
2014 nunca mais tinha colocado nenhuma bebida alcoólica na boca, tive um
pequeno prazer de sentir aquele gosto outra vez.
Isso fez com que eu comentasse com quem estava ao meu lado que tinha
sido quebrado o “feitiço” que me levou a parar de beber nove anos antes.
Depois, refletindo sobre tudo o que tinha acontecido de agradável e de
inesperado, percebi que eu, o mais radical crítico dos donos das verdades
eternas sempre tinha sido um deles também, pois eu criticava quem não comungava com minhas próprias “verdades eternas”.
Muitas vezes eu disse me sentir como uma rolha flutuando em um riacho,
indo para onde as águas me levavam. E esclarecia: como se fosse um camaleão, eu
tentava me adaptar a cada pessoas, a cada momento, tal como ele se apresentava.
O que eu nunca percebi foi que só aceitava ser “rolha” se a calha do
riacho tivesse sido retificada tal como eu a imaginava. Em outras palavras eu
era o mais intolerante dos tolerantes.
E é isso que mudou, que começou a mudar a partir de um gole de cerveja
sem álcool. Hoje o que eu mais quero, o que realmente pretendo é não ter
certeza de nada, é aceitar e negar, é concordar e discordar de todo tipo de
atitude, comportamento, ideologia, religião, costumes, educação. Como diz um
samba antigo, “deixa a vida me levar,
vida leva eu”.
E que eu possa beber cerveja (ou não) se me sentir tentado a fazer isso, sem drama, sem culpa, sem falso moralismo, sem certezas absolutas de
nada, sem agenda a cumprir e sem decisões irrevogáveis a obedecer.
Rapaz, se um golinho de cerveja sem álcool já te conduziu a tantos e profuuuundos pensamentos, imagine, então, se tomar uma meia dúzia da comum.
ResponderExcluir"Profuuundos" porra nenhuma! Mas sinceros. Eu continuo não gostando de cerveja, mas a ideia do "nunca mais" foi abandonada. Hoje, por exemplo, eu sou capaz de elogiar o Lula e escamar o Bozo. Ou malhar o Bozo e aplaudir o Lula. Mesmo não me vendo de esquerda.
ResponderExcluirMais duplipensar que isso, impossível.
ResponderExcluirÉs um ébrio em estado natural. Nem precisas mesmo beber.
Gostei! (mesmo que isso não seja necessariamente uma boa idéia). Depois de parar de beber descobri uma frase sensacional para explicar minha distância do álcool: "a realidade me basta". E é verdade, pois viajo na maionese o tempo todo, minha mente delira(va), a seco, sem nenhum aditivo.. Obrigado pelo comentário.
Excluirobrigado.
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