quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

A BÍBLIA PERVERSA

 
Mesmo que esteja cada vez mais me afastando das práticas religiosas eu suspeito ter o “gene da religiosidade”. Por isso, qualquer artigo sobre religiões, sobre religião que passa na minha frente eu traço. Em outras palavras, eu leio tudo ou quase tudo que encontro sobre as manifestações religiosas ao longo da história. E um artigo super interessante que acabei de ler no site Megacurioso fala da “Bíblia Perversa” e é este o tema deste post.
 
Transcrevendo, “No auge do século XVII, a Bíblia era a base da lei e da sociedade ocidentais, sobretudo na Europa. Além de ser a principal fonte dos ensinamentos religiosos — no que diz respeito ao Cristianismo —, também era a base moral e ética ao fornecer um conjunto de princípios que refletiam os ensinamentos bíblicos, tudo frequentemente relacionado à interpretação das escrituras. Os líderes políticos usavam a Bíblia para justificar a maioria de suas ações e decisões, tanto quanto punir e condenar, invocando os preceitos bíblicos como forma de fundamentar a autoridade governamental e as leis.
 
Um exemplo disso foi a Bíblia King James Version (KJV), mais conhecida como Bíblia dos Pecadores, produzida em um período de grande importância histórica, durante o reinado do rei James I da Inglaterra, de 1603 a 1625. A tradução da Bíblia chegou em um momento propício, quando a Inglaterra passava por uma série de tensões religiosas e sua tradução visava unificar as diferentes facções religiosas da época.
 
A contagem oficial é de que a KJV contém 783.137 palavras, com 3.116.480 caracteres, então imagina dar conta de tudo isso em uma época em que a impressão, tradução e versão eram feitas de modo manual? Para os impressores do século XVII, publicar esse tipo de obra era um trabalho extremamente estressante e tedioso, portanto, fadado a erros – muitos erros.
 
Mas isso não podia acontecer com a obra "mais importante da humanidade, da sociedade e do governo" daquela época. Qualquer tipo de erro significava que todos esses pilares poderiam entrar em conflito ou, pior, em colapso. Os impressores reais da Grã-Bretanha de 1631, Robert Barker e Martin Lucas, descobriram isso da pior maneira possível, após obter a permissão do rei Carlos I para imprimir uma edição da Bíblia do Rei James.
 
A produção rendeu aproximadamente mil volumes do livro sagrado, no entanto, após uma inspeção minuciosa do produto final, eles descobriram um erro escandaloso. No livro do Êxodo 20:14, onde há a lista dos Dez Mandamentos, o “não” ficou de fora em “não cometerás adultério”.
 
A gravidade do problema repercutiu rapidamente, com o rei Carlos I sendo o primeiro a expressar sua extrema indignação com o erro, assim como o arcebispo da Cantuária, Jorge Abade. Os impressores Barker e Lucas foram convocados diante do monarca e receberam cada um uma chicotada, foram multados em 300 libras (o equivalente a um mês de salário na época) e tiveram sua licença como impressores cassada.
 
O monarca exigiu que cada cópia da "Bíblia Perversa" fosse caçada e destruída. Seus homens cumpriram a missão com excelência, tanto que apenas 16 cópias restaram. Sete estão na Grã-Bretanha, sete na América do Norte, uma na Nova Zelândia e outras são de propriedade privada. Inclusive, uma das cópias foi vendida em 2015 na casa de leilões Bonhams, em Londres, por mais de 31 mil euros.
 
Ao longo dos anos, análises feita por estudiosos encontraram um segundo erro de digitação de Barker e Lucas. Em Deuteronômio 5:23, “a grandeza de Deus” é substituída por “a grande farsa de Deus”.
 
Devido à natureza muito aparente desse segundo erro, muitos acreditam que houve sabotagem e, provavelmente, da parte de Bonham Norton. Ele era um ex-parceiro de Barker que havia se endividado; portanto, para ganhar o contrato real milionário, teria inserido deliberadamente os erros para incriminar o colega.
 
Como se pode ver, o espírito que norteia a publicação de fake news tem um antepassado ilustre na sabotagem do trabalho do coitado do impressor. Por ser gritante a diferença entre as duas expressões traduzidas para o português, tentei descobrir se haveria alguma semelhança na língua inglesa. Com auxílio do ChatGPT descobri que “a grandeza de Deus” na língua em que foi impressa a Bíblia é “a greatness of God”. E que “a grande farsa de Deus” é “a great farce of God”.
 
Sinceramente, só um bêbado encontra semelhança entre “greatness” com “great farce”. Então, deve mesmo ter rolado uma sabotagem no trabalho do impressor.
 
Mas o de que mais gostei foi a pena da chicotada. Já pensou se todo político ou personalidade pública recebesse uma chicotada ao falar ou fazer merda? Provavelmente faltariam chicotes e chicoteadores para dar conta do recado!

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