domingo, 28 de março de 2021

PRÓPRIO PARA MENORES

Quando tive a ideia de remanejar textos publicados no blog (desde sua criação em 2014 até o o final de 2019), estava pensando em oferecer aos novos “amigos virtuais” (que tiveram um aumento quase exponencial nos dois anos) a oportunidade de ler posts que teriam mais qualidade, melhor humor e que fossem atemporais, não datados, sem a necessidade de fazer uma pesquisa "arqueológica" que ninguém normalmente tem curiosidade em fazer.

Além disso, tinha decidido também jamais mover um texto ou desenho que não fosse de minha autoria. Bem, essa era a intenção original e pretendo continuar seguindo essa linha. Mas no post do "blogsonês" escrevi que não me sinto à vontade de publicar textos com referências explícitas ao sexo e à prática sexual. Nada contra os que curtem fazer isso, mas acho muito difícil manter a linha que separa a elegância da vulgaridade explícita, a sensualidade insinuada da crueza escancarada.

Justamente por ter dito isso lembrei-me de um texto hilário do Millôr Fernandes publicado aqui no blog em 08/05/2017, tão engraçado, tão erudito (além de tão pertinente ao momento atual, em que é quase proibido falar mal do presidente sem tomar um processo na cara), que resolvi abrir uma exceção no meu "protocolo de movimentação de textos" só para trazer para 2021 um texto publicado no jornal "Pasquim" em março de 1970, em plena ditadura militar. E o tema é a censura prévia a que o jornalzinho tinha começado a sofrer, mas tratada de forma hilariante. Olhaí o texto original do post de 2017 (que apresenta a crônica de 1970).


Recentemente, o blog “A Marreta do Azarão” foi classificado como blog “de conteúdo adulto”. Em minha opinião, esse blog foi vítima de equívoco, injustiça ou descuido. Equívoco e injustiça porque cada um lê (ou vê) o que quer. Eu por exemplo, gosto de sua ironia afiada, mas passo a “léguas” (mineiro ainda fala assim) de distância de imagens e textos mais cabeludos (às vezes literalmente). Assim, alguém reeditar a censura a uma forma ou meio de comunicação é querer viver no passado.

A outra explicação é descuido. Ora, se esse blog mereceu agora essa classificação censória, alguém andou cochilando, pois ele é exatamente assim desde que foi criado há uns seis anos talvez. Só agora notaram isso?

Mas o que está feito, está feito (isso foi profundo!). Para contornar esse problema, minha sugestão é que ele crie um blog alternativo, algo como um suplemento-infanto-juvenil do Marreta, à maneira dos que existem ou existiam nos jornais de grande circulação. Em geral, esses anexos trazem ou traziam nomes diminutivos como título: Globinho, Folhinha, Tribuninha, Diarinho, Estadinho, etc.

E o nome poderia ser “A Marretinha do Azarão” ou “A Marreta do Azarinho”. Como indicativo claro de sua pureza e inocência, poderia ainda ter um mote assim: “próprio para menores”. Esse novo blog poderia trazer imagens e textos sobre “oncinhas pintadas, zebrinhas listradas e coelhinhos peludos", mas, pelamordedeus, jamais de coelhinhas peludas ou peladas (não vos deixeis cair em tentação)! Fica aí a sugestão.

Essa situação fez com que eu me lembrasse de um texto engraçadíssimo do genial Millôr Fernandes, publicado em um passado mais ou menos recente, quando a censura comia solta, na época da ditadura (designação de que aparentemente meu amigo Marreta discorda. Mas que era, era). Assim, para dar um pouco de qualidade a este post oportunista (ou opostunista), resolvi encerrá-lo com a transcrição desse hilariante texto. Olhaí.
   

UM PRESENTE PARA O LEITOR
(O Pasquim n.º 39)
Em absoluta sintonia com o alto espírito cívico que preside todas as nossas edições, qualquer de nossos artigos, a menor de nossas palavras e o mais íntimo de nossos gestos, O PASQUIM, sempre a favor da causa pública e da manutenção dos costumes atuais - que acreditamos imutáveis - oferece, hoje, a seus inúmeros leitores da TFM - não confundir com a Tradicional Família do Millôr - este magnífico regalo que pensamos seja o instrumento mais indicado, para manter a Estrutura, o Conceito e a Paz. De quê? Ah, bom, pô!
Com este instrumento na mão - o que, já de início, evitará que ponha a mão em qualquer outro instrumento o têéfeêmísta – teéfepista ou qualquer outro teéfista – estará a salvo de todos os ataques dos imorais desagregadores que pululam em todas as nossas publicações, sejam elas livros, revistas, jornais, opúsculos, bulas, alfarrábios, compêndios, cadernos, folhetos, panfletos, miliários, códigos, incunábulos ou enciclopédias. Com esta tesoura, dentada mas silenciosa, o leitor em questão deverá percorrer as bancas de jornais, estantes de livrarias, bibliotecas públicas, discotecas, cinematecas e outros ambientes deletérios, cortando, com a coragem e a tranquilidade dos justos, tudo aquilo que de malsão se lhe antolhar: seios femininos alguns masculinos também partes pudendas, atos iníquos, cenas eróticas, atitudes dúbias, comportamentos negativos, frases de duplo sentido, demonstrações, enfim, de impudicícia, carnalidade, ultraje ao pudor, pederastia, sodomia, polução voluntária, indecência, impureza, despudor, lubricidade, sedução, transvio, desvirginamento, estupro, sensualidade imoderada e mesmo algumas moderadas, meretrício, degradação, masoquismo, inversão sexual, orientação e pornografia tout court . O dito impertérrito cidadão, nossa tesoura mágica e dentada em punho - compre dois exemplares para o caso de um se gastar rapidamente - deve, ainda, estar atento a qualquer referência ou ilustração de: concupiscência, ereção, priapismo, concúbito, lascívia, luxúria, carne, desejo, filoginia, voluptuosidade, obscenidade, ditos fesceninos, turpilóquios, pretextata verba, rebolados, batuques, cheganças, órgãos genitais, regiões púbicas, acasalamentos, inseminações - artificiais e naturais - libidinagem, frascarias, desregramento, pecados - todos os sete - pouca vergonha, carnis desideria, apetite venéreo - amor livre, má vida, meretrício, safismo, safadeza, lesbianismo, adultério, menage à trois - ou a mais pessoas – concubinagem, mancebia, amizades ilícitas e... surubas.
Cumpre ainda estar de aviso para referências a locais ou regiões geográficas específicas, tais como; harém, bordel, alcoice, conventilho, lupanar, prostíbulo, calógio, bramadeiro, casa-da-tia, casa-de-passe, randevu, e das pessoas aí encontradiças: libertinos, cevões, bargantes, pistoleiros, mulheres da vida, lotários, proxenetas, cáftens, caftinas, madames, adúlteros, prevaricadores, cortesãs, traviatas, transviados, viados propriamente ditos, bichas e bichonas, cabras, troquilheiros, mulheres de rebuço, decaídas, meretrizes, rameiras, perdidas, ambulatrizes, culatronas, bandarras, bêbedos, pinóias, maganas, bagaxas, hetaíras, bandalhos, messalinas, mundanas, corsárias, mulheres de vida fácil, cabriolas, manolas, frinéis, gueixas, cocotes, marafonas, inculcadeiras, barregãs, sátiros, bordeleiras, mulheres-damas, michelas, piranhas, bacantes, teúdas e toda essa gente que perambula pelas vielas lúgubres da prostituição.
Evidentemente, como diria um prolixo nato, o espaço é pouco para que enumeremos todos os vícios, erros, desvios, perigos, anomalias, tortuosidades, desregramentos, indecoros, depravações, abjeções, infâmias, falporrições, relaxamentos morais, degenerescências de caráter, podridões, lascívias e execrações que o simples brandir de nossa tesoura alvinitente - papel acetinado de primeira - pode destruir e evitar. Lutando apenas contra o que enumeramos acima, o cidadão teéfeêmista já poderá dormir tranquilo, na sua retidão física e probidade moral. Os que, contudo, quiserem levar ainda um pouco mais longe seu zelo consular devem procurar também cortar pela raiz o mal terrível de palavras que se escondem perfidamente em outras, como abundante, acuidade, iconografia, culatra, acuado, recuar, anseio, asseio, passeio, parapeito, despeito, meditabunda, moribunda, vagabunda e tremebunda; nomes de logradouros que mal e mal disfarçam a imoralidade de quem os batizou: Cupertino Durão, Aquino Rego, Bulhões de Carvalho, Jacinto Leite. E expressões aparentemente triviais mas tremendamente desagregadoras em sua sonoridade dúbia: "Que time é o teu?", "Se eu cozinho não lavo", "Jacaré no seco, anda?", "Cachorro que late nágua, late em terra?" "A rosa no cume nasce". Enfim, todo cuidado é pouco. Tesoura em riste e mãos à obra. Qualquer desvio de atenção pode ser fatal.


3 comentários:

  1. Pareço menino que aprendeu a falar palavrão, tô com meu caderninho só anotando as perversidades e olha que no jurídico ouvimos uns bem diferentes. Bem legal.
    "J"

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    1. O Millôr foi um gênio, verdadeiro Pablo Picasso do humor, pois fez todas as experimentações possíveis: versos, fábulas, dicionários, desenhos, peças de teatro, crônicas, frases, hai-kais, traduções, o diabo. E era absurdamente culto e inteligente. vale a pena conhecer um pouco de sua obra. Se quiser, siga ess link http://www2.uol.com.br/millor/

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  2. A sugestão é boa. O Marreta tem 8 anos, existe desde 2009, quando a plataforma era o original Blogger. O Google comprou o Blogger, se não me engano, em 2013 e aí começaram as modificações. Inicialmente, apenas de aparências, de layout e essas viadagens, mas depois - andei pesquisando - passaram a colocar robots para vasculhar os blogs, à procura de material por eles considerado inadequado. Em 2015, houve um dia em que o Marreta recebeu mais de 6000 "visitas" dos EUA, até publiquei sobre : http://amarretadoazarao.blogspot.com.br/2015/01/o-marreta-do-azarao-nas-terras-do-tio.html
    Depois disso, volta e meia, eu era visitado pelo Tio Sam, apareciam lá 300, 400 visitas dos EUA pelo menos uma vez por mês. Em 2016, cheguei a ser notificado no painel do blog, assim que a gente faz o login, sobre a necessidade de eu pôr o aviso. Recebi duas notificações e caguei pras duas. Parece-me, então, que resolveram colocar por conta própria.
    Mas acredito, sim, que essa decisão do Google possa ter sido reforçada por alguma denúncia, e desconfio de uma biscate que trabalhou comigo há tempos, que quis se chafurdar na minha Marreta, mas como foi rejeitada, ficou puta da vida.
    De qualquer forma, estou, dentro do possível, me falta tempo, estudando outras plataformas. Veremos.
    Agora, da coelhinha peluda - bem peluda -, eu não abro mão.

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