terça-feira, 15 de março de 2016

SEREMOS TODOS TROUXAS? - LYA LUFT

Sou fã da Lya Luft. Para quem não sabe, Lya Luft é escritora e tem 77 anos. Uma escritora já senhora, pode-se dizer. Mas, acima de tudo, uma senhora escritora, autora de mais de vinte livros (que nunca li, para ser sincero) e tradutora de mais de cem livros. Além disso, é cronista da revista VEJA, onde descobri seus textos elegantes, sóbrios e reflexivos.

Pois bem, minha reverência hoje é para ela e para sua crônica mais recente publicada em VEJA. Seus textos (as crônicas, pelo menos) nunca trazem palavras chulas ou vulgares, pois ela parece não precisar se apoiar nesse tipo de recurso. Como disse, seus textos sempre são elegantes e sóbrios – e de leitura agradabilíssima. Uma lady.

Por isso, achei curioso ela dizer que tem “escolhido muito cuidadosamente” suas palavras “nas tantas dezenas, já centenas, de artigos” publicados em VEJA. Mais adiante, comenta que “aos poucos as palavras começam a fugir dos arreios que a prudência lhes tem imposto, e reclamam, e se agitam, e se queixam, exigindo que as deixe brotar naturalmente”. E fiquei pensando quais palavras estariam “fugindo dos arreios”. Seria a palavra “trouxa”, usada no texto como gíria?

Talvez seja isso, pois seus textos são sempre tão limpos, claros e não apelativos que não consigo imaginar suas palavras “fugindo dos arreios”. Talvez por isso eu tenha desejado compartilhar essa crônica tão bem escrita, pois meus textos são sempre mancos, estropiados, mal arreados e com andadura claudicante.

Que mais eu posso falar? Só dizer, à moda dos fãs quando veem seus ídolos: “Lya Luft, eu te amo! Lya Luft, eu te amo!


Tenho escolhido muito cuidadosamente minhas palavras nas tantas dezenas, já centenas, de artigos aqui publicados, para não ser diretamente ofensiva e jamais incorrer em alguma injustiça que poderia ter sido prevenida, pois pobre de quem quiser ser juiz do outro. Mas aos poucos as palavras começam a fugir dos arreios que a prudência lhes tem imposto, e reclamam, e se agitam, e se queixam, exigindo que as deixe brotar naturalmente. Por isso tenho me perguntado, e a algumas pessoas mais chegadas, diante dos absurdos que acontecem: somos mesmo um país de trouxas, para nos tratarem assim? Que falta de noção, de ridículo, que falta de respeito, tanta empulhação feita e dita com cara séria e até frases de retórica, como se fôssemos uma manada de imbecis. Por exemplo, a cantilena cansativa e já patética de que as confusões e desgraceiras no país ocorrem "porque a oposição não aceita ter perdido as eleições" lá nos idos de 2014!

Ou dar a entender que um ex-mandatário brasileiro, embora vivendo com luxo, nada possui de seu, é um pobre, mora, vive, diverte-se "de favor". Amigos cuidam dele e de sua família, até pagando fortunas para armazenar contêineres com ditos presentes que teria recebido em seus importantíssimos mandatos. Momentinho! Nenhuma pessoa em cargo público pode aceitar presentes no valor de mais de 100 reais, e se aceitar terá de deixar TUDO, ao sair, em lugares públicos, como benefício para o público, pois a ele não pertencem, e sim ao cargo ocupado.

Mandantes do mais alto posto desprezam a Justiça, censuram ações legais como se neste país tão esfacelado a Justiça não fosse mais importante do que o mais importante cargo. Nada contra pessoas, partidos, seitas, seja o que for. Sou, sim, contrária à injustiça, à exploração que submete, à hipocrisia que mente e destrói, ao cinismo que abusa da credulidade dos bons e esforçados.

(...)

Não é possível que nós, o povo brasileiro – que, repito, não é constituído só dos operários, sindicalistas, despossuídos, explorados, mas de cada, um dos que, como eu, trabalham para pagar suas contas e seus impostos, labutam, se desgastam, correm, criam sua família, cuidam de seus amigos, e à noite perdem o sono pensando no que será de nós –, aceitemos o que está ocorrendo.

Todos, velhos, doentes, mulheres grávidas, garis, professores, enfermeiras, bancários, empregados do comércio ou indústria, agricultores, estudantes, não somos trouxas: cada um de nós é uma peça do povo brasileiro, e todos (a não ser os idiotizados pela neurose de uma crendice ou ideologia cega) veem, sentem, sofrem o que nos acontece e podem, devem, clamar e reclamar: "Assim não dá mais. Assim não quero mais". (...)

2 comentários:

  1. excelente texto, muito de acordo com minha visão política...parabéns

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    1. Antes de tudo, agradeço de coração a visita de vocês a esta bagaceira que é o Blogson. Torço para que retornem sempre, que façam um "garimpo" pela tranqueira já publicada aqui. Minha sugestão é que fiquem atentas ao título das seções que compõem este blog.
      Agora, vamos ao texto: ele é realmente excelente, lindamente escrito (como tudo o que leio na revista Veja escrito por sua autora, Lya Luft. Para mim, os "parabéns" devem ser destinados a ela. Minha contribuição foi apenas digitar o texto que me impressionou e escrever o texto de apresentação. Só para lembrar, esse texto abriga-se (ou aninha-se) na seção "Reverência", reservada aos autores ou artigos e desenhos que me deixam babando de admiração. Não desapareçam!

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