quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O DIREITO AO "FODA-SE!" - ANÔNIMO

Quando ainda trabalhava, recebi um dia um e-mail com texto engraçadíssimo (em minha opinião, lógico) sobre o uso do palavrão. O autor seria o Millôr Fernandes.

A leitura do texto, o humor nele contido e o uso de um vocabulário mais culto (apesar dos palavrões) fizeram-me acreditar que o autor era realmente o Millôr. Isso apenas demonstrou que não entendo nada de crítica e análise literária, como se verá a seguir.

De tanto ver e ler textos adulterados de autores consagrados ou a eles atribuídos, resolvi tirar essa história a limpo. E, de tanto fuçar na internet, acabei achando um comentário do Millôr onde ele recusa veementemente a autoria desse texto e critica sua qualidade. Infelizmente, não copiei esse comentário e nem consegui mais reencontrá-lo. Em compensação, descobri que o texto é também atribuído ao Veríssimo e a um tal de Pedro Ivo Resende, provavelmente o autor verdadeiro. Não importa. Para mim, o texto é bom, engraçado e seu autor, quem quer que seja, merece minha reverência. Vamos lá:



O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala.

Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo? Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.

Os palavrões não nasceram por acaso, são recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

"Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "pra caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. "A Via-Láctea tem estrelas pra caralho.", "O Sol é quente pra caralho.", "O universo é antigo pra caralho.", "Eu gosto de cerveja pra caralho.", entende? No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!". O "Não, não e não!" é tampouco nada eficaz, já sem nenhuma credibilidade. "Não, absolutamente não!" não o substituem. O "Nem fodendo!" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!". O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só na definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a gravata daquele chefe idiota, senão com um "é PHD porra nenhuma!" ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos "aspone", "chepone", "repone" e mais recentemente o "prepone"- presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou seu correlato "Pu-ta-que-o-pa-riu!!!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça. E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios. E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!".

Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!!!

5 comentários:

  1. Depois de ter postado este texto, resolvi mais uma vez tentar encontrar a entrevista em que o Millor contesta a autoria a ele atribuída.
    E achei! Transcrevo apenas a parte em que ele toca no assunto. Quem quiser ler a entrevista toda (vale a pena!), siga o link. Blogson.

    “É atribuído a você um texto que circula na internet, uma apologia ao palavrão. Terem acreditado que se tratava de um texto de sua autoria o ofendeu em que medida?”

    “É a pior coisa pegarem um texto que não é seu, que você escreveria melhor, e atribuir a você. Já escrevi muito sobre palavrão, e não para fazer gracinha. Em 1978, quando fiz a tradução de A Volta ao Lar, do Harold Pinter, O Globo veio em cima, dizendo que eu inseri palavrões para torná-la picante, comercial ou subversiva. Escrevi um artigo enorme contestando. Tudo que penso sobre o assunto está lá. Não preciso fazer gracinha com a questão. Mas internet é terra de ninguém. Não fiquei ofendido, nem fui lá reclamar. Isso me mata de tédio.”

    http://revistalingua.uol.com.br/textos/97/millor-fernandeso-senhor-das-palavras-247893-1.asp

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  2. Independente de quem seja o autor : texto bom pra caralho!!! Puta que o pariu!!!

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  3. O autor é o Pedro Ivo Resende. Um cara genial!

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  4. Lamentavelmente não obtive resultado ao acessar o link postado. Gostaria muito de ler a entrevista do Millôr.

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    1. Tente um desses links.
      http://www.lpm.com.br/site/default.asp?Template=../livros/layout_produto.asp&CategoriaID=626482&ID=503304

      http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,confira-uma-das-ultimas-entrevistas-de-millor-fernandes-para-o-estadao,854482

      http://revistalingua.uol.com.br/textos/97/millor-fernandeso-senhor-das-palavras-247893-1.asp

      http://mdemulher.abril.com.br/famosos-e-tv/lola/millor-fernandes-em-entrevista-escritor-falou-sobre-a-vida-e-o-trabalho

      http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2012/03/confira-entrevista-com-millor-fernandes-publicada-em-1996-em-zh-3709140.html

      http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT741449-1666-1,00.html


      http://www.substantivoplural.com.br/entrevista-de-millor-a-revista-playboy/

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