Quando ainda trabalhava, recebi um dia um e-mail
com texto engraçadíssimo (em minha opinião, lógico) sobre o uso do palavrão. O
autor seria o Millôr Fernandes.
A leitura do texto, o humor nele contido e o
uso de um vocabulário mais culto (apesar dos palavrões) fizeram-me acreditar
que o autor era realmente o Millôr. Isso apenas demonstrou que não entendo nada
de crítica e análise literária, como se verá a seguir.
De tanto ver e ler textos adulterados de
autores consagrados ou a eles atribuídos, resolvi tirar essa história a limpo. E,
de tanto fuçar na internet, acabei achando um comentário do Millôr onde ele recusa
veementemente a autoria desse texto e critica sua qualidade. Infelizmente, não copiei esse comentário e
nem consegui mais reencontrá-lo. Em compensação, descobri que o texto é também
atribuído ao Veríssimo e a um tal de Pedro Ivo Resende, provavelmente o autor
verdadeiro. Não importa. Para mim, o texto é bom, engraçado e seu autor, quem
quer que seja, merece minha reverência. Vamos lá:
O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala.
Existe algo mais libertário do que o conceito do
"foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me
torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair
comigo? Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a)
mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar
assegurado na Constituição Federal.
Os palavrões não nasceram por acaso, são recursos extremamente
válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem
com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo
fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará
plenamente um dia.
"Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor
a idéia de muita quantidade do que "pra caralho"? "Pra
caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. "A
Via-Láctea tem estrelas pra caralho.", "O Sol é quente pra
caralho.", "O universo é antigo pra caralho.", "Eu gosto de
cerveja pra caralho.", entende? No gênero do "Pra caralho", mas,
no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem
fodendo!". O "Não, não e não!" é tampouco nada eficaz, já sem
nenhuma credibilidade. "Não, absolutamente não!" não o substituem. O
"Nem fodendo!" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a
consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida.
Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no
litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo
"Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!". O
impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa
boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.
Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente
as situações onde nosso ego exigia não só na definição de uma negação, mas
também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente
impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional.
Como comentar a gravata daquele chefe idiota, senão com um "é PHD porra
nenhuma!" ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra
nenhuma!". O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê
sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a
tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os
clássicos "aspone", "chepone", "repone" e mais
recentemente o "prepone"- presidente de porra nenhuma.
Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de
um "Puta que pariu!", ou seu correlato
"Pu-ta-que-o-pa-riu!!!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por
sílaba. Diante de uma notícia irritante qualquer um
"puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus
neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que
lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça. E o
que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e
reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já
imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite
do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega!
Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida,
sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar
firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo
nos lábios. E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de
maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua
derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece
definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o
grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma
vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de
alerta e autodefesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem
documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia
atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!".
Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!!!
Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!!!
Depois de ter postado este texto, resolvi mais uma vez tentar encontrar a entrevista em que o Millor contesta a autoria a ele atribuída.
ResponderExcluirE achei! Transcrevo apenas a parte em que ele toca no assunto. Quem quiser ler a entrevista toda (vale a pena!), siga o link. Blogson.
“É atribuído a você um texto que circula na internet, uma apologia ao palavrão. Terem acreditado que se tratava de um texto de sua autoria o ofendeu em que medida?”
“É a pior coisa pegarem um texto que não é seu, que você escreveria melhor, e atribuir a você. Já escrevi muito sobre palavrão, e não para fazer gracinha. Em 1978, quando fiz a tradução de A Volta ao Lar, do Harold Pinter, O Globo veio em cima, dizendo que eu inseri palavrões para torná-la picante, comercial ou subversiva. Escrevi um artigo enorme contestando. Tudo que penso sobre o assunto está lá. Não preciso fazer gracinha com a questão. Mas internet é terra de ninguém. Não fiquei ofendido, nem fui lá reclamar. Isso me mata de tédio.”
http://revistalingua.uol.com.br/textos/97/millor-fernandeso-senhor-das-palavras-247893-1.asp
Independente de quem seja o autor : texto bom pra caralho!!! Puta que o pariu!!!
ResponderExcluirO autor é o Pedro Ivo Resende. Um cara genial!
ResponderExcluirLamentavelmente não obtive resultado ao acessar o link postado. Gostaria muito de ler a entrevista do Millôr.
ResponderExcluirTente um desses links.
Excluirhttp://www.lpm.com.br/site/default.asp?Template=../livros/layout_produto.asp&CategoriaID=626482&ID=503304
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,confira-uma-das-ultimas-entrevistas-de-millor-fernandes-para-o-estadao,854482
http://revistalingua.uol.com.br/textos/97/millor-fernandeso-senhor-das-palavras-247893-1.asp
http://mdemulher.abril.com.br/famosos-e-tv/lola/millor-fernandes-em-entrevista-escritor-falou-sobre-a-vida-e-o-trabalho
http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2012/03/confira-entrevista-com-millor-fernandes-publicada-em-1996-em-zh-3709140.html
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT741449-1666-1,00.html
http://www.substantivoplural.com.br/entrevista-de-millor-a-revista-playboy/