Um dia - mais precisamente em 25/12/1967 - eu e
meu irmão demos de presente a nosso pai o livro "Deuses,
Túmulos e Sábios", pois ele gostava muito de ler sobre
arqueologia. Nessa mesma época, eu "tracei" esse livro e fiquei fascinado.
Depois, já casado, pedi a meu pai que o emprestasse e li outra vez. Nesse
livro, além das marcas em várias páginas (como ele costumava fazer), tem também anotada
a data em que o ganhou de presente.
Talvez eu devesse incluí-lo na seção
"Reverência" – e não seria má ideia, pois é ótima leitura. Mas a
transcrição que vou fazer certamente o direciona para a seção
"Religare". e o motivo é muito simples. No capítulo que trata das
civilizações mesopotâmicas, há referência a um texto também encontrado na
Bíblia, mais precisamente sobre o dilúvio, que me deixou chapado quando o li
pela primeira vez.
Parece que hoje há várias explicações sobre
essa história ou lenda. Não importa. O texto fala de um herói ou semideus
sumério, de nome Gilgamesh ou Gilgamés (como está no livro) que sai pelo mundo
em busca da imortalidade. E aí entra o texto do livro.
Espero que os 3,4 leitores do Blogson curtam
também essa descrição (e, quem sabe, animem-se a ler o livro todo).
(...)
Decifrando penosamente, Smith continuou lendo como Enkidu morreu de terrível
doença e foi chorado por Gilgamés, o qual, para não sofrer igual sorte, partiu
em busca da imortalidade. Em suas viagens encontrou Ut-napisti, o antepassado
da humanidade, o qual, depois de grande castigo que os deuses haviam infligido
a toda a raça humana, se salvara sozinho com a sua família, e os deuses então o
fizeram imortal.
E
Ut-napisti, o antepassado, contou a Gilgamés a história do seu maravilhoso
salvamento. Smith lia cheio de excitação... Mas o que decifrara até esse ponto
da epopeia de Gilgamés encheu-o de impaciência. Não podia silenciar, e
revelá-Ia equivaleria a provocar uma verdadeira revolução na puritana
Inglaterra, inteiramente regida pela Bíblia.
(...) E
essa história era a narrativa do dilúvio! Não uma daquelas tremendas inundações
que lembravam as mitologias de quase todos os povos, mas a história daquele mesmo
dilúvio que a Bíblia viria a contar muito mais tarde. Ut-napisti era Noé! E
este é o
texto que narra esse dilúvio. (O deus Ea, amigo dos homens, revelou em sonho ao
seu protegido Ut-napisti a intenção dos deuses, e Ut-napisti construiu um
navio.)
"Tomei
comigo tudo o que eu tinha, toda a colheita da minha vida...
carreguei
no navio; a família e todos os parentes,
os
animais do campo, o gado dos prados e gente de ofício,
tudo
embarquei.
Entrei
no navio e fechei a porta...
Quando
raiou a aurora,
uma
nuvem negra se formou ao longo no horizonte...
De
súbito, a luz do dia se transformou em noite,
O irmão
não vê mais o irmão,
a
população do céu não pôde mais reconhecer-se.
Os
deuses encheram-se de pavor ante a enchente,
e
fugiram e ascenderam ao céu de Anu,
os
deuses agacharam-se como cães contra a parede e ficaram imóveis...
Durante
sete dias e sete noites
a
tempestade e a enchente subiram e o furacão reinou sobre a terra.
Quando
rompeu o sétimo dia, a tempestade amainou,
a
enchente, antes raivosa como exército em luta,
aplanou, as
ondas baixaram, o vento cessou e a enchente não subiu mais.
Espreitei
para a água, estava mudo o seu fragor
toda a
humanidade fora transformada em lama!
O lodaçal
chegava até à altura dos tetos!
Olhei
para a terra, para o horizonte do mar,
longe,
muito longe, surgia uma ilha.
O navio
vogou até ao monte Nissir,
no
monte Nissir ele parou e ficou imóvel como ancorado...
Quando
despontou o sétimo dia,
enviei
uma pomba, soltei-a,
ela
voou e voltou, a minha pomba,
porque
não encontrou lugar onde pousar, ela voltou.
Enviei
uma andorinha, soltei-a,
ela
voou e voltou, a minha andorinha,
porque
não encontrou lugar para pousar, ela voltou.
Mandei
um corvo, soltei-o,
ele
voou, o corvo, viu que o espelho da água baixava;
ele
come, ele voa em roda, crocita e não volta mais."
Poderia
haver ainda alguma dúvida de que fora encontrada a primitiva forma da lenda do
dilúvio? Não só era impressionante a semelhança do grande acontecimento, mas a
lenda de Ut-napisti apresentava detalhes particulares que ressurgiam na Bíblia,
inclusive o da pomba e do corvo, que também Noé soltara.
O texto
cuneiforme da epopeia de Gilgamés levantou esta questão perturbadora para a
época de George Smith: a verdade da Bíblia teria deixado de ser a mais antiga verdade?
De novo
a escavação arqueológica permitira dar um tremendo salto através do passado.
Desta vez, porém, abriam-se novas perspectivas: a história de Ut-napisti seria
apenas a confirmação da lenda bíblica por outra lenda ainda mais antiga? Não fora tomado por lenda quase tudo o que a
Bíblia contava sobre aquela riquíssima terra entre os rios? E não
se havia demonstrado finalmente que todas aquelas lendas tinham um fundo de verdade?
Talvez
a história do grande dilúvio fosse algo mais do que pura lenda!
E, se
assim fosse, até que tempos recuados não remontaria então a história da
Mesopotâmia? (...)
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