Meus
filhos e minha mulher dizem que eu falo demais, explico demais. Pode ser. O
fato é que não entendo que um assunto apareça assim do nada sem ter um motivo
para que tal aconteça. Por isso eu explico.
Na
minha cabeça, este blog já foi comparado a um confessionário, a um processo
terapêutico, a um caderno de desenhos, a um livro de memórias e até ao diário
de um louco (pelas idiotices que nele coloco). A única função que eu não acho
muito apropriada para ele é a de palanque ou livro de crônicas, mesmo que às
vezes eu me enfureça ou me espante com fatos do dia a dia e registre isso. No
duro, no duro, eu gosto mesmo é de um papo cabeça, de um trocadilho idiota e de
um registro de memórias. Eu gosto mesmo é de deixar minha mente livre para
ficar divagando, para pensar o que quiser – e depois registrar esses
pensamentos. Resumindo, eu gosto mesmo, à maneira dos loucos mansos, é de “falar
sozinho”, ainda que eu deseje muito e espere sempre que as pessoas ouçam e gostem do
que eu digo.
Pois
bem, graças à boa receptividade obtida por algumas páginas de um livro
“multibiográfico” e inacabado que divulguei neste blog, resolvi mandar o bom
senso pastar e divulgar mais alguns textos que estavam “escondidos” e que seriam
encaixados no tal “book” só para minha própria diversão e passatempo (gente com carência afetiva congênita é dura de aguentar!).
A ordem
cronológica será abandonada em um primeiro momento, porque alguns são
fortemente autobiográficos, precisando ser “criptografados” para disfarçar. Outros já podem ser divulgados sem maiores preocupações, pois têm o jeitão do blog mesmo
(o que já os condena).
E como
os textos ocupam mais que duas páginas – padrão máximo que eu procuro obedecer no
Blogson (às vezes extravasam esse limite) – serão divididos em partes e postados preferencialmente às
segundas-feiras (TOC!!!). Sinceramente, espero que se divirtam um pouco. Tal
como eu, enquanto escrevia. Mas se a leitura lembrar um cozido de chuchu sem tempero,
paciência. Nem sempre casos inspirados em vidas comuns merecem ser contados.
ADOLESCÊNCIA
“(...) eu pareço ter sido
apenas como um garoto brincando na praia e me divertindo, de vez em quando
encontrando uma pedra arredondada ou uma concha mais bonita que as comuns,
enquanto o grande oceano da verdade repousa desconhecido perante mim." (Isaac Newton)
Tentar viver a partir de
experiências relatadas e vividas por outras pessoas é como “aprender japonês em Braille”
(Djavan). Mas era isso que eu tentava. Enquanto a vida, esse “grande oceano da
verdade” permanecia à minha frente pronta para ser explorada, eu tentava
desbastá-la a golpes de “Seleções”.
Quem conhece, sabe que essa revista é cheia de “ensinamentos” e lições de vida.
Agora, imagine um pré-adolescente lendo essas “lições”. Haja intoxicação! E o
pior é que eu queria aprender a viver apenas lendo aquela merda (por exemplo,
como beijar uma menina na boca)!!! Para neutralizar isso, só mesmo com a ajuda
de um irmão mais velho (acredite se quiser!).
Quando éramos crianças, nosso pai
nos tratava super carinhosamente e sempre dizia que éramos os “meninos mais
bonitos do mundo”. E, igual ao personagem Alvarenga, do Jô Soares, eu
acreditei! Essa crença só desandou no início da adolescência, como se verá. A
três quarteirões de distância, ficava o glorioso Ginásio Afonso Arinos, um
colégio tão ruim quanto as escolas municipais de hoje. A diferença é que,
naquela época, o turno da manhã era reservado ao sexo masculino e o da tarde ao
feminino. Como morávamos na rua principal do bairro, o sobe e desce de alunos e
alunas era grande.
Um dia, estranhei o desaparecimento
do meu irmão, após o almoço. Quando o encontrei, ele estava sentado na varanda
da casa, vendo as meninas que se dirigiam ao tal colégio. Ele é quase três anos
mais velho que eu. Na época, ele devia ter uns dezesseis, dezessete anos. Sem
entender muito bem porque, fiquei ali também. Acho que meus hormônios ainda
estavam adormecidos. O fato é que isso passou a ser uma coisa rotineira,
diária, tanto após o almoço quanto no final da tarde, hora da saída do colégio.
Algumas meninas se entusiasmavam ao passar na nossa porta, chegando até a pular
para “nos” ver, por causa do muro existente. E meu irmão lá, imóvel e cheio de
si, verdadeira estátua de pavão.
Não sei se não tinha coragem ou
se era uma atividade muito, digamos, plebeia para ele. O que sei é que passou a
me fazer de mensageiro para saber o nome de alguma menina que o tinha atraído
mais. E eu ia, todo pimpão (!!). Mas passei a notar que, sem exceção, as
meninas queriam saber apenas sobre ele. Mas como, se nós éramos os mais bonitos do mundo? Desconfiômetro
do Paraguai, já viu, né? Esse tipo de acontecimento acabou provocando a
revelação: eu não era o mais bonito do mundo, ou melhor, eu era feio pra
cacete. Magrelo, cabelo crespo, orelhas desniveladas, narigudo, uma perna torta
como um parêntese, sem queixo e mais alguns detalhes eventualmente esquecidos.
Em resumo, uma bosta.
Eu não sabia jogar futebol, era
pobre, tímido, reprimido, medroso e inseguro (sempre!). Com isso, minha autoestima
já não era lá essas coisas. Agora descobrir também que eu era feio e sem atrativos
em plena adolescência, que é a época mais insegura da vida, era demais. Só
havia um caminho: criar um diferencial que me destacasse. Ou pular de um
edifício. Como isso nunca me ocorreu, sobrava a mudança. É óbvio que essas
coisas fluíram meio inconscientemente, na base do instinto de sobrevivência.
Eu poderia escolher entre ser
intelectual, “alternativo” ou “legal” (“bonzinho”, simpático ou apalhaçado).
Acabei optando por tentar ser (ou fingir ser) as três coisas. É óbvio que eu
não tinha consciência clara disso na época. Além do mais esses comportamentos
foram sendo adotados progressivamente, como quem veste uma armadura medieval ou
uma roupa de astronauta. A função era a mesma: proteger-me do desconforto ou da
dor de não me sentir amado. Ou melhor, de não ter o ferramental necessário para
ser amado fora do âmbito familiar. Creio que foi aí que surgiram os primeiros
sintomas de camaleão. Imagino que a primeira faceta foi a do “gente boa”, até
porque eu tinha sido educado para não desobedecer, ser bonzinho, etc. Bela
merda, não?
E aí começou a zorra. Pouco a
pouco, comecei a adotar comportamentos de acordo com a situação. “Querer
ser mais do que valem é dos imbecis a praxe”, diz a letra de uma
música do Juca Chaves. E era isso que eu queria: ser ou parecer ser mais
intenso do que jamais consegui no dia a dia.
E tome caricatura: precisava ser
cara de pau, desinibido? Olha eu lá tentando, eu que sempre fui super
introvertido. Tava conversando com gente culta? Abria logo meu baú mental de Seleções,
orelhas de livros, cadernos B, e por aí vai. E o
engraçado é que às vezes colava. Tempos atrás meu irmão me disse que sempre me
olhou com certa inveja, pois eu tinha lido o livro “Sofrimentos de Werther”,
do Goethe. Só que eu li obrigado, pois era para trabalho escolar. E o livro era
ruim demais! Pelo menos, é o que achei na época.
Mas ele e eu éramos mais ou menos
farinha do mesmo saco. Sendo mais velho e odiando (creio) morar naquele bairro,
ele sempre me puxou para sair de lá, para fazer coisas que ele entendia ser
necessárias, como aprender a nadar ou estudar inglês, por exemplo. O curioso é
que apesar de recusar aquela vida de pobreza, ele nunca se escusou de levar
colegas para almoçar, o que eu jamais tive coragem ou desejo de fazer (em
certos aspectos, eu era muito mais elitista que ele). Querer ser mais do que valem..., já viu, né?
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