segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

NORTON ANTIVIRUS - PARTE 2½

NOTA INTRODUTÓRIA

Meus filhos e minha mulher dizem que eu falo demais, explico demais. Pode ser. O fato é que não entendo que um assunto apareça assim do nada sem ter um motivo para que tal aconteça. Por isso eu explico.

Na minha cabeça, este blog já foi comparado a um confessionário, a um processo terapêutico, a um caderno de desenhos, a um livro de memórias e até ao diário de um louco (pelas idiotices que nele coloco). A única função que eu não acho muito apropriada para ele é a de palanque ou livro de crônicas, mesmo que às vezes eu me enfureça ou me espante com fatos do dia a dia e registre isso. No duro, no duro, eu gosto mesmo é de um papo cabeça, de um trocadilho idiota e de um registro de memórias. Eu gosto mesmo é de deixar minha mente livre para ficar divagando, para pensar o que quiser – e depois registrar esses pensamentos. Resumindo, eu gosto mesmo, à maneira dos loucos mansos, é de “falar sozinho”, ainda que eu deseje muito e espere sempre que as pessoas ouçam e gostem do que eu digo.

Pois bem, graças à boa receptividade obtida por algumas páginas de um livro “multibiográfico” e inacabado que divulguei neste blog, resolvi mandar o bom senso pastar e divulgar mais alguns textos que estavam “escondidos” e que seriam encaixados no tal “book” só para minha própria diversão e passatempo (gente com carência afetiva congênita é dura de aguentar!).

A ordem cronológica será abandonada em um primeiro momento, porque alguns são fortemente autobiográficos, precisando ser “criptografados” para disfarçar. Outros já podem ser divulgados sem maiores preocupações, pois têm o jeitão do blog mesmo (o que já os condena).

E como os textos ocupam mais que duas páginas – padrão máximo que eu procuro obedecer no Blogson (às vezes extravasam esse limite) – serão divididos em partes e postados preferencialmente às segundas-feiras (TOC!!!). Sinceramente, espero que se divirtam um pouco. Tal como eu, enquanto escrevia. Mas se a leitura lembrar um cozido de chuchu sem tempero, paciência. Nem sempre casos inspirados em vidas comuns merecem ser contados.



ADOLESCÊNCIA

“(...) eu pareço ter sido apenas como um garoto brincando na praia e me divertindo, de vez em quando encontrando uma pedra arredondada ou uma concha mais bonita que as comuns, enquanto o grande oceano da verdade repousa desconhecido perante mim." (Isaac Newton)

Tentar viver a partir de experiências relatadas e vividas por outras pessoas é como “aprender japonês em Braille” (Djavan). Mas era isso que eu tentava. Enquanto a vida, esse “grande oceano da verdade” permanecia à minha frente pronta para ser explorada, eu tentava desbastá-la a golpes de “Seleções”. Quem conhece, sabe que essa revista é cheia de “ensinamentos” e lições de vida. Agora, imagine um pré-adolescente lendo essas “lições”. Haja intoxicação! E o pior é que eu queria aprender a viver apenas lendo aquela merda (por exemplo, como beijar uma menina na boca)!!! Para neutralizar isso, só mesmo com a ajuda de um irmão mais velho (acredite se quiser!).

Quando éramos crianças, nosso pai nos tratava super carinhosamente e sempre dizia que éramos os “meninos mais bonitos do mundo”. E, igual ao personagem Alvarenga, do Jô Soares, eu acreditei! Essa crença só desandou no início da adolescência, como se verá. A três quarteirões de distância, ficava o glorioso Ginásio Afonso Arinos, um colégio tão ruim quanto as escolas municipais de hoje. A diferença é que, naquela época, o turno da manhã era reservado ao sexo masculino e o da tarde ao feminino. Como morávamos na rua principal do bairro, o sobe e desce de alunos e alunas era grande.

Um dia, estranhei o desaparecimento do meu irmão, após o almoço. Quando o encontrei, ele estava sentado na varanda da casa, vendo as meninas que se dirigiam ao tal colégio. Ele é quase três anos mais velho que eu. Na época, ele devia ter uns dezesseis, dezessete anos. Sem entender muito bem porque, fiquei ali também. Acho que meus hormônios ainda estavam adormecidos. O fato é que isso passou a ser uma coisa rotineira, diária, tanto após o almoço quanto no final da tarde, hora da saída do colégio. Algumas meninas se entusiasmavam ao passar na nossa porta, chegando até a pular para “nos” ver, por causa do muro existente. E meu irmão lá, imóvel e cheio de si, verdadeira estátua de pavão.

Não sei se não tinha coragem ou se era uma atividade muito, digamos, plebeia para ele. O que sei é que passou a me fazer de mensageiro para saber o nome de alguma menina que o tinha atraído mais. E eu ia, todo pimpão (!!). Mas passei a notar que, sem exceção, as meninas queriam saber apenas sobre ele. Mas como, se nós éramos os mais bonitos do mundo? Desconfiômetro do Paraguai, já viu, né? Esse tipo de acontecimento acabou provocando a revelação: eu não era o mais bonito do mundo, ou melhor, eu era feio pra cacete. Magrelo, cabelo crespo, orelhas desniveladas, narigudo, uma perna torta como um parêntese, sem queixo e mais alguns detalhes eventualmente esquecidos. Em resumo, uma bosta.

Eu não sabia jogar futebol, era pobre, tímido, reprimido, medroso e inseguro (sempre!). Com isso, minha autoestima já não era lá essas coisas. Agora descobrir também que eu era feio e sem atrativos em plena adolescência, que é a época mais insegura da vida, era demais. Só havia um caminho: criar um diferencial que me destacasse. Ou pular de um edifício. Como isso nunca me ocorreu, sobrava a mudança. É óbvio que essas coisas fluíram meio inconscientemente, na base do instinto de sobrevivência.

Eu poderia escolher entre ser intelectual, “alternativo” ou “legal” (“bonzinho”, simpático ou apalhaçado). Acabei optando por tentar ser (ou fingir ser) as três coisas. É óbvio que eu não tinha consciência clara disso na época. Além do mais esses comportamentos foram sendo adotados progressivamente, como quem veste uma armadura medieval ou uma roupa de astronauta. A função era a mesma: proteger-me do desconforto ou da dor de não me sentir amado. Ou melhor, de não ter o ferramental necessário para ser amado fora do âmbito familiar. Creio que foi aí que surgiram os primeiros sintomas de camaleão. Imagino que a primeira faceta foi a do “gente boa”, até porque eu tinha sido educado para não desobedecer, ser bonzinho, etc. Bela merda, não?

E aí começou a zorra. Pouco a pouco, comecei a adotar comportamentos de acordo com a situação. “Querer ser mais do que valem é dos imbecis a praxe”, diz a letra de uma música do Juca Chaves. E era isso que eu queria: ser ou parecer ser mais intenso do que jamais consegui no dia a dia.

E tome caricatura: precisava ser cara de pau, desinibido? Olha eu lá tentando, eu que sempre fui super introvertido. Tava conversando com gente culta? Abria logo meu baú mental de Seleções, orelhas de livros, cadernos B, e por aí vai. E o engraçado é que às vezes colava. Tempos atrás meu irmão me disse que sempre me olhou com certa inveja, pois eu tinha lido o livro “Sofrimentos de Werther”, do Goethe. Só que eu li obrigado, pois era para trabalho escolar. E o livro era ruim demais! Pelo menos, é o que achei na época.

Mas ele e eu éramos mais ou menos farinha do mesmo saco. Sendo mais velho e odiando (creio) morar naquele bairro, ele sempre me puxou para sair de lá, para fazer coisas que ele entendia ser necessárias, como aprender a nadar ou estudar inglês, por exemplo. O curioso é que apesar de recusar aquela vida de pobreza, ele nunca se escusou de levar colegas para almoçar, o que eu jamais tive coragem ou desejo de fazer (em certos aspectos, eu era muito mais elitista que ele). Querer ser mais do que valem..., já viu, né?



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