Creio que para atender um pedido de minha
avó, meu pai e seus irmãos formaram-se em medicina, mas nenhum deles quis
exercer essa profissão. Preferiram trabalhar como farmacêuticos, possibilidade
existente na época em que não havia separação desses cursos. Criaram um laboratório
de produtos farmacêuticos e abriram quatro farmácias. Quando eu nasci todos esses
negócios tinham quebrado ou fechado. Deve ser praga de mãe...
Talvez por isso ou por suas convicções, meu
pai disse para eu nunca estudar medicina – e eu obedeci. Hoje eu vejo que ele
tinha um pouco de razão em querer nos poupar do contato permanente com a dor e
o sofrimento alheios. A velhice é pródiga em fazer surgir dores e sofrimentos
nunca imaginados, pois quando somos jovens e saudáveis a nossa
irresponsabilidade, displicência e vaidade nos fazem acreditar que somos
imbatíveis, invencíveis. Nossa presunção nos faz ter orgulho da nossa força, da
nossa saúde, mas nem desconfiamos ou sabemos que ela pode ser muito frágil que
ela pode ser atingida por acontecimentos que nós não temos normalmente
condições de prever.
Na Escolinha
do Professor Raimundo o personagem Paulo
Cintura tinha o bordão “Saúde é o que
interessa, o resto não tem pressa”. Cara, como hoje isso soa verdadeiro
para mim! Por volta de 1980, no período de trinta dias eu emagreci 10 kg. Em
dois dias distanciados de um mês, eu evacuei e vomitei sem parar. Consultado um
gastroenterologista, ele, achando que eu poderia estar com hepatite, por causa
do olho amarelo, pediu uma série de exames. Até de AIDS, o sacana teve a
audácia de pedir. Ocevê! Logo eu o sujeito menos promíscuo, o homem de uma
mulher só (pelo menos, fisicamente).
Entre os exames pedidos constava uma
endoscopia. Foi nesse momento que aconteceu o que o Sócrates orientava em termos
filosóficos – “Conhece-te a ti mesmo”.
No dia do exame, ao vivo e a cores, eu me vi por dentro, eu me conheci por
dentro. Depois de fazer o preparo necessário (ficar tantas horas em jejum, não
beber água, etc.), o médico me deu dois comprimidos e falou para que eu me
deitasse em uma cama para dar uma relaxada.
- Daqui
a pouco a gente chama o senhor.
Não sei quanto tempo esse “daqui a pouco” levou, só sei que estava
até babando de tanto dormir quando fui chamado.
-
Acorde, Senhor José! O senhor dormiu bem, heim?
Ai fui conduzido à sala aonde iria ser feito
o exame. Nada de sedação, a coisa iria acontecer comigo acordadão. Um ajudante passou
algum anestésico na minha boca e começaram a enfiar goela abaixo o tubo de
endoscopia.
- “Engole!”
E eu lá grunhindo, sem poder fechar a boca. Concluído
o exame perguntou-me se eu queria ver meu estômago por dentro. Grunhi afirmativamente:
- Ugh...
rrrrgghhh!.
A sonda possuía um “apêndice” transversal à
mangueira que me permitiu ver até os comprimidinhos tomados momentos antes,
quase intactos. Mucho loco!
Hoje esses exames são feitos com sedação. Você
simplesmente apaga, não vê nada, não sente nada. Para quem vai fazer exames de
endoscopia e colonoscopia o preparo é uma das mais desagradáveis experiências,
pois durante três dias você vai restringindo cada vez mais a alimentação e a
ingestão de líquidos.
Dois dias antes do exame você corta leite,
manteiga, queijo, carne vermelha, frutas, feijão, coca-cola e frituras. Em compensação,
está liberado para comer frango cozido, peixe, torrada, biscoito água e sal,
ovo cozido, macarrão sem molho, arroz em papa, suco claro coado, guaraná, água
de coco (coada) e água. Impossível não ficar feliz com essa dieta!
No dia anterior fui obrigado a tomar um copo
de água (ou suco claro, coado) de hora em hora. Às 22h tudo o que eu queria era
estar perdido no Saara. No dia do exame, seis horas antes, tomei um litro de
água misturado com um produto “do demônio”, que me faz visitar o banheiro umas
dez ou quinze vezes.
Meu exame estava agendado para as 8h15. Por
isso, a partir das duas da madruga fiquei acordado, impossibilitado de dormir,
só “mandando ver”. E o final feliz foi assim: fizeram-me deitar de lado,
colocaram um bocal na minha boca para impedir que eu mordesse a sonda de
endoscopia e me disseram que eu iria ser anestesiado. Fechei os olhos e fiquei
quieto, mas estava demorando muito. Abri os olhos e perguntei à enfermeira quando
iriam começar os exames, e a resposta foi:
- Já acabou!
Este é o texto que consegui escrever. Por não
achar graça nenhuma nele, pedi ajuda ao ChatGPT para tentar fazer um texto bem
humorado sobre esses exames. Ele fez e descobri que até uma inteligência
artificial está sendo mais engraçada que eu. Foda!