quarta-feira, 26 de junho de 2024

AS PROPAROXÍTONAS SÃO MAIS ERÚDITAS

Bem lá no início do Blogson publiquei uma série de “causos” contados por um queridíssimo e aloprado colega de serviço a quem chamávamos de Pintão, devido ao sobrenome que tinha. Embora fosse um leitor voraz e muito culto, era também muito “batateiro”, como ele mesmo reconhecia. Um dia comentou que era um “previlégio” alguma coisa e repetiu. Caímos de pau nele:
Olha o animal! O cara é analfabeto!
Rindo, ele confessou que nunca soube que a palavra era “pri” e não "pre”.
Em uma consulta médica de rotina, o médico perguntou como estava sua vida sexual. E ele:
O meu líbido está joia.
E o médico: – Porque a sua libido...
E meu colega, de novo: – Porque o meu líbido...
Contando-nos da nova “batata”, brincou:
O som das proparoxítonas é mais “erudito”...
 
O Pintão tinha razão. As palavras proparoxítonas trazem consigo um toque de erudição e refinamento. Parece que o som ou o uso de uma proparoxítona é mais sofisticado, mais chique, mais culto. Hoje recebi de um amigo o divertido e bem sacado texto abaixo, de autoria do arquiteto, escritor e colunista do jornal "O Globo" Eduardo Affonso. Quase na mesma hora me lembrei da letra da música “Construção”, do Chico Buarque, que deu um banho de genialidade ao terminar cada verso com uma palavra proparoxítona. Duvido que exista alguém que desconheça essa obra prima, mas se existir, deve correr para corrigir essa "falta" grave. E agora, o texto recebido. Bon appétit!


Há dois tipos de palavras: as proparoxítonas e o resto.
 
As proparoxítonas são o ápice da cadeia alimentar do léxico.
Estão para as outras palavras assim como os mamíferos para os artrópodes.
 
As palavras mais pernósticas são sempre proparoxítonas. Das mais lânguidas às mais lúgubres. Das anônimas às célebres.
 
Se o idioma fosse um espetáculo, permaneceriam longe do público, fingindo que fogem dos fotógrafos e se achando o máximo.
 
Para pronunciá-las, há que ter ânimo, falar com ímpeto - e, despóticas, ainda exigem acento na sílaba tônica!
 
Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito.
É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo.
O inclinado e o íngreme.
O irregular e o áspero.
O grosso e o ríspido.
O brejo e o pântano.
O quieto e o tímido.
 
Uma coisa é estar na ponta – outra, no vértice.
Uma coisa é estar no topo – outra, no ápice.
Uma coisa é ser fedido – outra é ser fétido.
 
É fácil ser valente, mas é árduo ser intrépido.
Ser artesão não é nada, perto de ser artífice.
Legal ser eleito Papa, mas bom mesmo é ser Pontífice.
 
(Este último parágrafo contém algo raríssimo: proparoxítonas que rimam. Porque elas se acham únicas, exóticas, esdrúxulas. As figuras mais antipáticas da gramática.)
 
Quer causar um impacto insólito? Elogie com proparoxítonas.
É como se o elogio tivesse mais mérito, tocasse no mais íntimo.
O sujeito pode ser bom, competente, talentoso, inventivo – mas não há nada como ser considerado ótimo, magnífico, esplêndido.
Da mesma forma, errar é humano. Épico mesmo é cometer um equívoco.
 
Escapar sem maiores traumas é escapar ileso – tem que ter classe pra escapar incólume.
 
O que você não conhece é só desconhecido. O que você não tem a mínima ideia do que seja – aí já é uma incógnita.
 
Ao centro qualquer um chega – poucos chegam ao âmago.
 
O desejo de ser uma proparoxítona é tão atávico que mesmo os vocábulos mais básicos têm o privilégio (efêmero) de pertencer a esse círculo do vernáculo – e são chamados de oxítonos e paroxítonos. Não é o cúmulo?

8 comentários:

  1. Conhece a música O Drama de Angélica? De Alvarenga é Ranchinho? É um primor de proparoxítonas.
    https://www.letras.mus.br/alvarenga-ranchinho/442708/

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    1. Não conhecia. O Alvarega era a cabeça pensante da dupla, uma espécie de Didi, e o Ranchinho, imprevidente, o Dedé. O Alvarenga morreu abonado e o Ranchinho acabou apresentando-se no Som Brasil, fazendo dupla com Rolando Boldrim.

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  2. Tenho um CD com as tais "20 melhores" deles, mas só comprei o CD pela recordação que tinha justamente do Som Brasil.
    Notou que até proparoxítona é proparoxitona?
    Tem uma outra canção do Chico em que ele usa e abusa das proparoxítonas, Rosa dos Ventos.
    Fica melhor ouvida com a Bethânia.
    https://www.letras.mus.br/maria-bethania/164719/

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    1. Engraçado, mesmo tendo simpatia pela dupla e pelas espetadas que deu nos políticos, nunca compraria um CD deles.

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  3. em tempo : veja só o que o Roger do Ultraje publicou no site da banda : https://ultrajearigor.blog/2024/06/12/da-inteligencia-e-de-seus-usos-ou-o-paradigma-de-roger-moreira/
    Talvez seja preciso rolar a barra lateral para ver.

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    1. Rapaz, não entendi porra nenhuma. Havia um link para seu blog, de um post pra lá de antigo, que eu li faz tempo.

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  4. Rapaz, nunca tinha pensado sobrea as proparoxítonas desse jeito...muito bom o texto.

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