segunda-feira, 2 de novembro de 2020

E AGORA, JOSÉ? (À MODA DO DRUMMOND)

 Não achava graça nenhuma nesse poema (principalmente depois de ter sido musicado pelo falecido Paulo Diniz), talvez pelo fato de eu ter sido sempre um caipira ignorantão. Hoje eu sei que ele é espetacular e nem se eu vivesse dez vidas seria capaz de escrever algo minimamente semelhante. E resolvi publicá-lo no Blogson não como uma homenagem reverente ao Drummond, mas como uma triste homenagem ao José que eu fui e sou. Aliás o desejo inicial era fazer um "José" à moda Jotabê, uma versão "customizada" do poema, pinçando apenas os versos que me estraçalham e me definem. Mas, em respeito a um grande, a um imenso poeta optei por deixar o post "à moda do Drummond" mesmo, ou seja, decidi manter o texto integral. E que cada um pince o(s) verso(s) que mais o(nos) defina.


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

4 comentários:

  1. O poema é genial! Mas como assim "principalmente depois de ter sido musicado pelo falecido Paulo Diniz"? Sabia que foi justamente o contato com esse poema através da música de Paulo Diniz que me despertou o interesse pelo Drummond? Do Bandeira, eu já gostava desde os tempos do colegial, mas o Drummond foi através do Paulo Diniz. Assim como a genial Florbela Spanca, através das músicas de Fagner, "Fumo" e "Fanatismo".
    Há muito tempo, Humberto Gessinger disse que o jovem da época dele tinha trocado a biblioteca pela discoteca. Não a discoteca do Travoltinha, do Embalos de Sábado à Noite, mas pela coleção de discos, que o contato inicial dos jovens da geração dele (acho que é a mesma que a minha, ele deve ser poucos anos mais velho que eu) com a poesia se dava via vinil.
    E ele tá certo.

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    1. É constrangedor admitir isso, mas eu sempre fui um pobretão elitista. E eu achava o Paulo Diniz brega, com uma voz horrorosa. Como ensinou o filósofo Juca Chaves, "querer ser mais do que valem é dos imbecis a praxe". E aí... (aproveitando, muito a contragosto, estou rascunhando as lembranças do famigerado "Show Engenharia". Olha a merda que me incentivou a fazer!). Mas vai demorar a sair, pois preciso criar coragem para publicar.

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    2. Rapaz, esse eu vou aguardar ansiosamente!

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    3. Não precisa se entusiasmar tanto, pois decidi de forma definitiva, irrevogável, para sempre - para não magoar mais quem já se magoou muito - não falar das canalhices cometidas durante o "show".

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