quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A NOITE DA PANTERA

Sabe aquela sucessão de pensamentos, quando você se lembra de alguma coisa ou alguém e essa lembrança te leva a mais outra e mais outra, como se fosse uma enxurrada em dia de chuva forte, que vai levando tudo o que encontra pela frente? Hoje aconteceu isso comigo.
 
Depois de ver algumas cenas do ator que interpretou o hilário Mr. Bean, lembrei-me do não menos engraçado ator Leslie Nielsen da trilogia “Corra que a polícia vem aí” (episódios 1, 2½ e 33⅓). Isso me fez lembrar de O. J. Simpson, jogador de futebol americano que atuou nesses filmes e que teria assassinado sua ex-esposa.
 
Depois de absolvido, o sacana escreveu um livro com o título “If I Did It” onde descreve como teria matado a facadas a ex-esposa e um suposto namorado. Claro, "se" tivesse feito isso, pois é um anjo de candura. Segundo li, a reação popular foi tão grande que a editora teve de destruir 400.000 exemplares ainda não vendidos.
 
Bom, voltando à enxurrada e pensando nesse episódio de realidade “alternativa”, me ocorreu fazer um exercício de criação de um texto ficcional (obviamene) onde  descreveria uma experiência nunca vivida realmente. Por exemplo, a vez em que tive "contato de terceiro grau" com a maconha (só na ficção!). Pois é, falta do que fazer dá nisso!
 
 
Planejamento:
A primeira providência seria definir a época e o local onde isso ocorreu. A época foi fácil, pois o ano de 1970 foi o ano em que mais transformações ocorreram em minha vida – entrei para a faculdade de engenharia, me envolvi com as “Calouríadas” (olimpíadas dos calouros), reatei o namoro com a mulher da minha vida, tomei porres homéricos com a turma da minha sala, fui hippie por uma semana em Ouro Preto, participei do “Show Engenharia” (esquece, Marreta), vendi fundos de investimentos, vagabundei bastante, estudei inglês e... (acho que falta alguma coisa!). Ah, sim, assisti algumas aulas. Nesse contexto, “a experiência” só poderia acontecer em alguma festa ou bebedeira da turma.
 
 
A história:
No ano em que fui aprovado, o vestibular para engenharia ainda não previa divisão por especialidade. Assim, só depois de matriculados, os calouros foram dividos em "Grupamento A" - destinado a quem desejava estudar engenharia civil, elétrica  ou mecânica e "Grupamento B", para quem estava interessado nos cursos de química, minas ou metalurgia. Na divisão em grupamentos, o "B" ficou com 47 alunos e o "A" com o resto dos matriculados, "apenas" 453. A divisão definitiva por especialidade só aconteceria no início do terceiro ano. A consequência imediata dessa divisão tão desigual foi ficar todo o Grupamento B instalado em uma única sala. A segunda, óbvia, foi uma ótima e fraterna convivência entre todos esses alunos e até o surgimento de dois relacionamentos estáveis (que provavelmente resultaram em casamento).
 
O primeiro semestre de 1970 - tempo em que permaneci nesse grupo - foi para mim o melhor período dos cinco anos de duração do curso. E a explicação para isso é simples. Depois de muito tempo, talvez pela primeira vez na vida, eu me sentia pertencente a um grupo mais ou menos homogêneo que convivia inclusive fora do horário escolar. E sentia prazer nisso. Depois das provas, por exemplo, saíamos para beber nos botecos descolados da região da Savassi. E, papo vai, papo vem, o mala aqui deve ter posado de bicho-grilo, deve ter dito que o sonho de consumo era fumar um baseado, tentando parecer ser mais do que realmente era (a praxe dos imbecis).
 
A menina de um dos casais formados morava no mesmo bairro que eu e era irmã de um sujeito que só tinha semelhança física com ela, pois era um produto típico daquele lugar: desocupado, perdido na vida e... maconheiro (não o conhecia, mas seus olhos frequentemente vermelhos chamavam minha atenção quando pegávamos o mesmo ônibus, pois imaginava que era apenas cachaceiro, traço comum dos "born losers" nascidos naquele bairro).
 
Pois bem, um dia essa colega resolveu comemorar seu aniversário e convidou a sala inteira para ir à festa que preparou em sua casa. E a galera compareceu em peso. Lá pelas tantas, seu namorado, provavelmente descrente da minha falsa pose de doidão, chamou-me a um canto e perguntou se eu queria fumar um bagulho com seu cunhado. O que dizer em uma hora dessas? Dizer "não, obrigado"?Desconversar? Dizer alla Frejat que eu nunca tinha apertado nem acendido um baseado? Ou imitar o Zeca Pagodinho e retrucar que nunca vi, não provei, só ouvia falar? Aquele era um "point of no return": ou eu aceitava ou ficaria desmoralizado e pior, eternamente ridicularizado. Por isso, aceitei.
 
Meu colega me levou para fora da casa e apresentou-me ao cunhado - que já estava dando uns tapas na pantera sentado na calçada junto com mais dois ou três amigos. Por não saber como proceder, observei rapidamente  o "ritual", parecido com o ato de fumar um cigarro normal, coisa que eu já fazia na época. A diferença estava nos poucos segundos em que deveria prender a fumaça aspirada. Dei umas três tragadas, agradeci e voltei para a festa já devidamente batizado - olhos vermelhos, cheiro de maconha no hálito expelido (maresia), um sorriso de idiota no rosto (maior ainda ao ver a expressão de surpresa do viado do meu colega - afinal, eu não tinha mentido, eu era mesmo doidão!).
 
O resto não sei dizer nem tenho como contar. Se me perguntarem se bateu alguma larica, não consigo me lembrar. Se quiserem saber se fumei outras vezes, direi que não. Se me pedirem uma comparação com os porres que tomei direi que foi muito melhor, pois além da sensação ser muito boa, ainda lucrei por não ter ficado com ressaca. O mais difícil foi perder o contato com meus amigos do Grupamento B depois de resolver estudar engenharia civil. E, claro, ter inventado toda essa história.
  

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