quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O POETA TWITTER - MÁRIO QUINTANA

Todas as vezes em que via alguma coisa do (ou sobre o) poeta gaúcho Mário Quintana publicada em revistas e cadernos "B", eu ficava meio sem entender. Os poemas mais pareciam frases bem sacadas do que poesia propriamente dita. Se ainda estivesse vivo, seria o rei dos “140 caracteres”. 

Essa concisão me fez pensar que ele é (foi) o verdadeiro “poeta twitter”. Com essa ideia na cabeça, busquei no Guga mais informações sobre o gaúcho. E descobri coisas bem legais, bem legais mesmo. A vantagem de ser ignorante é essa: tudo o que você lê é novidade.

Depois de ler uma definição que fez de si mesmo, resolvi reverenciá-lo, mesmo desconhecendo tudo, mas tudo mesmo de sua obra. Tudo o que eu conhecia era a sua economia de palavras. Então, se não conheço sua obra, por que reverenciá-lo? A resposta à pergunta é a auto-definição. Só ela  justifica a homenagem.

E como sou realmente ignorante, transcrevo um comentário simpaticíssimo sobre o fato de o reverenciado de hoje ter nascido no Rio Grande do Sul:

Parece que apenas poetas cariocas e paulistas não precisam de gentílico. Difícil ler “o poeta carioca Vinícius de Morais” ou “o paulista Oswald de Andrade”. Mas lemos a toda hora “o pernambucano João Cabral”. Infelizmente, apenas os do Rio e de São Paulo estão dispensados de exibir a carteira de identidade. (Antonio Carlos Secchin, poeta, crítico literário e acadêmico da ABL)

E agora, uma pequena amostra da obra do Quintana, começando pela a descrição motivadora da homenagem (não sei por que me fez lembrar alguém) e mais quatro poemas – um soneto do início de carreira e três poeminhas twitter. Vamos lá.

“Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão.

Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro — o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu…

Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros? Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese.

Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Verissimo — que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras”.


A Rua dos Cataventos
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!


Do amoroso esquecimento
Eu agora — que desfecho!
Já nem penso mais em ti…
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?


Poeminho do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!


Envelhecer
Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

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